domingo, 25 de julho de 2010

Moinhos hidráulicos nas ribeiras em Alcoutim

Pequena nota
Como tinha sido prometido, aqui estou a apresentar um texto que pretende referir os moinhos hidráulicos no concelho de Alcoutim, através dos tempos.
As primeiras coisas que escrevemos sobre o assunto e já lá vão duas ou três dezenas de anos, tiveram por base a informação oral que muitas vezes, como depois verificámos, nos chegou deturpada da realidade por vários motivos.
Tentamos hoje corrigir os erros que nos foram possíveis, convictos que outros ainda perduraram.
Restará dizer que conhecemos bem poucos moinhos principalmente pela dificuldade de os alcançar e o que constitui entrave para um melhor texto.

JV


A par dos moinhos de vento e aproveitando a força das águas nas ribeiras, também em finais do século XV já existiam azenhas e moinhos na zona de Alcoutim. (1)

Em 1482 na Comenda de Mértola havia dezasseis moinhos de enxurrada, sendo três no Vascão.(2)

Esta informação conjuga-se com a anteriormente referida.

O Foral Novo de Alcoutim (1520.03.20), não podia esquecer as moendas e os moynhos (...) & dos moynhos levara aquella maquia verdadeira soomente que se leva e manda levar per nosso Regimento e ordenaçam nos semelhantes lugares. (3)

[O moinho do Pego Fundo representado no desenho de Duarte de Armas, Séc. XVI]
A Capela de Nª Sª da Conceição beneficiou de uma dádiva do Marquês de Vila Real (1º Conde de Alcoutim), D. Fernando de Meneses. Na visitação efectuada a esta capela pela Ordem de Santiago, (1534) os visitadores anotaram: - Achámos que tem agora mays de remda a dita irmida quinhentos reaes que ho marques de Villa Reall manda dar de huns foros de hum moynho que esta jumto da dita vyla en cada hum anno a dita irmida. (4)

Sabe-se igualmente que uns moinhos no Esteiro da Amarela, na Ribeira de Cadavais, foram doados a D. Fernando de Meneses, 1º Conde de Alcoutim. (ANTT - Livro 1 de Mistic, Fls. 68 v.)

Há uma indicação de um moinho neste esteiro que se diz construído por João Freire de Andrade e que pertencia em 1467 ao Conde de Alcoutim. (5). Possivelmente tratar-se-á do mesmo engenho.

A palavra azenha designa usualmente os moinhos de roda vertical (6), enquanto o moinho é accionado por uma roda motora, de palhetas, horizontal. Segundo afirma Francisco Dias Costa no Sul do país, a azenha é quase desconhecida e inexistente. (7)

As ribeiras do concelho, Vascão, Foupana, Odeleite e Cadavais possuíram vários moinhos, podemos mesmo dizer que algumas dezenas.

Na de Cadavais, perto do Pego Fundo, existiu um que pelo menos remonta ao século XVI e de que ainda haverá vestígios. Pensamos que este moinho é o que terá pertencido ao Conde de Alcoutim e que já referimos.

Tanto este como o do esteiro da Amarela além de moinhos de enxurrada aproveitariam igualmente o efeito das marés.

Nesta ribeira existe um moinho conhecido por moinho de Cadavais, situado nas proximidades do “monte” da Corte Tabelião.

Passemos agora à Ribeira do Vascão que separa em parte o Alentejo do Algarve e nomeadamente o concelho de Alcoutim do de Mértola.

Naturalmente que só os situados na margem direita pertencem ao concelho de Alcoutim, mas a verdade é que muitos dos situados na margem esquerda tiveram tanta ou mais importância como os que se situam na direita e eram procurados principalmente por gentes deste concelho até porque teriam povoações mais próximas. A escolha da margem possivelmente teve a ver com uma questão técnica, já que o maior número se encontra na margem esquerda.

[O moinho do Ferreiro na freguesia de Martim Longo]
Nos limites do concelho, freguesia de Martim Longo, aparece-nos o moinho da Cascalheira que ainda laborava em 1996 e tinha três casais de mós, ainda que só estivessem a trabalhar dois. Este moinho fazia parceria com o moinho de vento do Pereirão.

Em seguida encontrava-se relativamente bem conservado o de Mar da Costa, ou Amaro da Costa, o da Abelheira e continuando em sentido descendente o moinho do Ferreiro (ou do Rato) penso que recentemente restaurado.

[O moinho da Cabeça, concelho de Mértola]
O moinho da Cabeça pertence ao concelho de Mértola (S. Miguel do Pinheiro) e fica próximo da ponte que liga Castelhanos a Penedos.

Já na freguesia de Giões vamos encontrar o moinho de Penedalque (ou Penedal) e o moinho da Estrada, ambos com 32 m2 de superfície coberta (quando assim se encontrava) e mais para jusante o da Figueira.

[O moinho das Relíquias, muito ligado a Giões]
Confinando com a freguesia de Giões, mas no concelho de Mértola, vamos encontrar os moinhos das Relíquias (freguesia de S. Sebastião dos Carros) mesmo junto à ponte e o do Alferes, muito badalada há uns anos num concurso televisivo, relativamente bem conservados e que foram utilizados pelas gentes de Giões.

[Moinho do Alferes, no concelho de Mértola]
Na área da freguesia do Pereiro, o moinho Novo que deixou de laborar na década de setenta dos nossos dias. Além deste havia o moinho do Malheiro no barranco do mesmo nome. (8)

Da ponte da estrada nacional nº 122 para a foz, existiam vários moinhos, tanto numa margem como na outra.

Na direita ficava o moinho de Baixo cuja localização e nome só por poucos são lembrados. Mais abaixo o moinho da Corte Miguel situado em local quase inóspito. Igualmente na margem direita, o Pisão da Hastieira, já numa zona de influência da maré, a pouco mais de 1 500 m da foz, existindo alguns vestígios como os do tanque de imersão dos tecidos. Depois o moinho Novo funcionando pelo efeito da maré. Deixou de funcionar nos primeiros anos do século passado. (8)

O último moinho pertencente ao concelho de Alcoutim e já perto da foz é o de D. Miguel ou do Melão devido à sua configuração ovalada.

Bastante assoreado, mantém-se firma devido à sua forte e firme construção, devendo ainda as mós encontrarem-se soterradas.

Este moinho, segundo afirmam, foi construído por Miguel Angel de Leon, após 1860, cidadão espanhol, que chegou a presidir ao município local, tomando posse em 2 de Janeiro de 1878, mas que em 19 de Setembro teve de abandonar o lugar por ter sido anulada a sua naturalização. É o que conhecemos melhor devido à figura que encerra.

Na margem esquerda e consequentemente pertencendo ao concelho de Mértola encontram-se os moinhos dos Clérigos, que fez parte da Herdade dos Colgadeiros, o D. Ana, que foi propriedade de Jacinto Celorico Palma de Castro Marim, e moinho Pedro, propriedade de Manuel Silvestre das Cortes Pereiras e de um Ildefonso da Mesquita. Nele trabalhou António Inácio, vulgo Ti Glindim, considerado moleiro, também das Cortes Pereiras. Deixou de funcionar em 1961. (9)

O açude do moinho de Dona Ana ia-se todos os anos embora! Para resolver o problema, a proprietária teria oferecido ao Santo da sua devoção metade do rendimento que obtivesse. Nunca mais o açude se desmantelou, conforme a lenda refere. (10)

O moinho do Melão (ou de D. Miguel) inspirou a seguinte quadra popular:


Na Ribeira da Foupana e na área da freguesia de Vaqueiros, existiram dois moinhos, o do Meio (ou do tio Baltazar) e o de Baixo (ou da tia Rita).

Na freguesia de Martim Longo funcionaram os moinhos da Barrada, da Volta, de Cima, da Toca da Moira, Traguiçada e das Mestras, continuando a trabalhar os moinhos do Furadouro, que hoje, possivelmente, já estarão parados.

O moinho da Rocha Chada e o do Pego do Salto que deixou de moer na década de sessenta dos nossos dias, situam-se na área da freguesia do Pereiro.

Na freguesia de Alcoutim ficam os moinhos do Freixo e o da Palmeira que estava ainda em bom estado de conservação.

[Moinho dos Bentos, na Ribeira de Odeleite]
A Ribeira de Odeleite na freguesia de Vaqueiros possuía o moinho dos Bentos, da Várzea (ou da Rocha) e o da Malhada, este último ainda funcionava nos anos oitenta.

Em 1941 ainda havia em condições de trabalhar vinte e cinco moinhos. (11)

Pelos lucros que davam, também os moinhos de água foram monopólio real e da nobreza.

Contrariando os moinhos de vento, alguns, continuavam a laborar, não há muitos anos.

Tal como em relação aos seus homónimos de vento, nas heranças, todos pretendiam manter o seu quinhão.


NOTAS

(1)–História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. II, 1978, p. 272
(2)-Introdução à História da Agricultura em Portugal, A.H.Oliveira, 1968.
(3)-Livro dos Forais Novos do Alentejo.
(4)-Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, 1987, p 142.
(5)–“Moinhos de Maré no Rio Guadiana”, António Mendonça, 6º Congresso do Algarve, Racal Clube, 1990, p 45.
(6)-Dicionário Ilustrado da História de Portugal - Ed. Alfa - 1982.
(7)–Floridas na Pedra, A Hidrografia do Vascão e a Serra do Caldeirão ou Um, O Homem e o Meio, Edição IN LOCO, 1996, p 46.
(8)–A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim)”do passado ao presente”, José Varzeano, 2007, p 58.
(9)–Engenhos Hidráulicos Tradicionais, Rui Guita, 1999.
(10)-Contado por Manuel Joaquim dos Santos de Afonso Vicente.
(11)-Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Julho de 1941.