Pequena nota
Já se passaram quase vinte anos sobre a data em que publicámos este pequeno escrito na imprensa regional sobre um possível restauro desta capela que foi a primeira igreja matriz da freguesia de Giões.
Ainda que neste espaço já a tivéssemos referido na nossa rubrica Templos e que agora nos iremos repetir sobre os dados do seu passado, pensamos que se justifica plenamente a inclusão deste artigo na rubrica Ecos da Imprensa.
Daqui nos congratulamos com a decisão tomada e saudamos todos os que tenham contribuído para o seu restauro.
JV
(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 1 DE NOVEMBRO DE 1990)
Para o retemperar de forças periódico, vamos de” longada”até ao não poluído (até quando!) nordeste algarvio, com saídas fortuitas ao litoral para contrapeso da situação.
Sempre que possível, damos umas escapadelas a locais que já conhecemos, para os conhecermos melhor – há sempre algo para descobrir – ou a outros onde nunca fomos.
Desde há muito que nos interessa conhecer o Cerro das Relíquias, local bastante referenciado quando se fala no passado alcoutenejo.
O monografista algarvio, Ataíde de Oliveira, a ele se refere com certo desenvolvimento nalguns dos seus trabalhos. (1)
No cálido mês de Agosto da serra, que nos satura mas que ao mesmo tempo nos satisfaz, quebrámos o recosto da cadeira de repouso, metemo-nos no veículo automóvel e fomos a caminho de Giões, aldeia que conhecemos já lá vão mais de vinte anos. A nosso lado, quem ali exerceu, esporadicamente, funções docentes, há cerca de dezasseis anos e que teve a satisfação de saber que, pelo menos um do s seus alunos, já tinha obtido a licenciatura, o que afinal não admira, pelas qualidades já então reveladas.
Dessedentámo-nos, cumprimentámos amigos e conhecidos que encontrámos ou que fomos procurar. Pedimos a indicação mais rigorosa do Cerro das Relíquias e logo obtivemos o espontâneo oferecimento para nos acompanharem e … lá fomos.
Mas não é do Cerro das Relíquias que vamos falar hoje, o que ficará para outra oportunidade, se ela se deparar.
Acontece que nas conversas curtas que encetámos, nos apercebemos que existe vontade local para reconstruir a velhíssima capela de São Domingos.
Pensamos que existem, como é natural, diferentes pontos de vista sobre a sua utilização e restauro.
É um problema que pertence aos gionenses que resolverão da maneira que lhe parecer mais adequada. Pensamos contudo que “oferecendo” alguns dados de carácter histórico sobre o templo a quem os desconheça e nos leia, podemos contribuir para uma análise mais realista do problema.
A Ermida de São Domingos, a que levemente já nos referimos nestas páginas (2), situa-se fora da aldeia, mas perto dela, numa pequena elevação, passando-lhe a actual estrada para Clarines nas proximidades.
Funcionou como igreja matriz até 1565, ano em que já se encontrava numa fase adiantada a construção da actual.
Em 1534 é descrita como tendo paredes de pedra e barro, rebocadas, duas portas em alvenaria, a principal com ferrolho e a lateral com fechadura.
Era emadeirada de castanho e telha vã.
Interiormente, um arco de alvenaria e no altar-mor, como não podia deixar de ser, a imagem do padroeiro.
Pinturas na parede do Espírito Santo com Nossa Senhora e os Apóstolos, como se usava na época.
Dois altares de alvenaria. No do lado do Evangelho, estavam pintadas Nª Senhora, Santa Ana e Santo António, e no da Epístola, Santa Bárbara.
No cruzeiro, um crucifixo e outras imagens igualmente pintadas.
Possuía pia baptismal, de barro, e uma pequena, de pedra, para água benta.
Sobre a porta principal, um campanário de tijolo, com bom sino.
Trinta anos depois, na descrição feita pelos visitadores da Ordem de Santiago, à qual estava sujeita, as diferenças apontadas não são muito significativas.
Paredes e telhado, o arco cruzeiro e o altar de alvenaria e a imagem de São Domingos no seu lugar. A diferença é que agora se considera tudo já velho – sempre se tinha, passado trinta anos!
Diz-se agora que para ir ao altar, subia-se um degrau de alvenaria. É-se mais preciso indicando a porta principal de pedraria e redonda, formato que ainda é nítido nas suas ruínas, tendo desaparecido a pedraria, certamente para aplicação noutro lugar. (3)
Ainda se mantinha a porta lateral e fez-se referência à existência de três botaréus em cada uma das paredes laterais.
O campanário, já não tinha sino!
Foi mordomo da ermida. Afonso Fernandez, morador na aldeia, que tinha à sua guarda vários bens móveis, desde utensílios de altar, do culto, vestes sagradas e de altar.
Parece-nos de interesse transcrever as determinações feitas pelos visitadores, em 1566.
"Por acharmos que os fregueses desta freguesia tem obrigação ao corregimento desta hermida por aver sido sua matriz, mandamos aos elegidos e aos mordomos que a repairem do madeiramento e telhado e concertem o ladrilho e demarquem o adro ao redor com marcos que bem posão ser vistos para que não se entremetão os vezinhos a lavrarem nelle o que comprirão com pena de dez cruzados, ametade para os cativos e a outra ametade para o meirinho da Ordem". (4)
Não conhecemos o resultado destas determinações, revelaram-nos contudo que o templo era ladrilhado e que havia que ter cuidado com o adro. Haverá multas a aplicar?
Sabemos que a Confraria de São Domingos foi-se mantendo e em 1727 o retábulo do altar foi pintado. Contudo, em 1745 “a ermida do Santo está cahida” e a imagem é transferida para a igreja matriz. (5)
As Memórias paroquiais (1758) informam que a aldeia tem uma ermida do Senhor São Domingos e acrescentam que em alguns dias acodem em romagem algumas pessoas que têm padecido de sezões, terças ou quartãs por ser nesta freguesia e seus arredores o Santo Advogado contra as referidas enfermidades.
A Câmara em correição pelo concelho em Janeiro de 1843, na passagem por Giões, determina que “o caminho que vai da Ermida de São Domingos para a Parochia, deve ser feito pelo Povo, por diante da cerca de José Pereira”. (6)
Aqui tendes o que foi possível compilar sobre este templo.
O que resta? O que ainda existe?
O amplo adro onde além dos enterramentos se juntava o povo em romaria e as quatro paredes que têm aguentado com “resignação” as intempéries. Pelo espólio, podemos verificar a semelhança com a sua vizinha de Clarines, em boa hora reconstruída, e no que respeita à planta, área e configuração da fachada.
Os trabalhas de argamassa que acompanham as duas águas da empena de bico, são vulgares nas redondezas, como acontece por exemplo nas capelas de Santa Justa, no monte do mesmo nome e na do espírito Santo, na aldeia de Martim Longo.
Terão os gionenses o entendimento e a força necessária para restaurar (reconstruir) aquela que foi durante muitos anos a sua igreja matriz? Pensamos que sim e que não lhes faltará a ajuda das autarquias e de outras Entidades mas … não desvirtuem para que não se perca a memória colectiva do seu povo.
A reabertura ao culto não deixaria de ser a 4 de Agosto.
NOTAS
(1)-As Mouras Encantadas e os Encantamentos no Algarve, 1898
(2)-“Giões (Alcoutim) – Um pouco do passado e do presente”, in nºs 1061 e 1062, respectivamente de 22 e 29 de Julho de 1977
(3)-Encontrámos em 1974, englobadas numa parede, duas pedras trabalhadas provenientes de qualquer templo, uma datada de 1744 e com motivos religiosos
(4)-Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, CMVRSA, 1987.
(5)–A Escultura de Madeira no concelho de Alcoutim do séc. XVI ao séc. XIX,Francisco Lameira e Manuel Rodrigues, Faro, 1985.
(6)-Acta da Sessão de 11 de Janeiro de 1843.