domingo, 4 de julho de 2010
Outro culto religioso em Alcoutim
Escreve
Gaspar Santos
No início dos anos 50 do século passado, em data que não posso precisar, passou a dispor-se em Alcoutim do culto de uma religião evangélica. Praticava-se com alguma regularidade, duas ou mais vezes por mês, numa casa que tinha sido cedida por um particular.
Lembro-me do pastor, uma pessoa corpulenta, que residia em Mértola e se deslocava periodicamente a Alcoutim na sua missão de entregar uns papéis, conversar com as pessoas, enfim fazer a divulgação da sua religião.
A dada altura este pastor dirigiu-se à Câmara Municipal no sentido de obter um espaço para fazer as suas sessões, mas pelos vistos na Câmara não foram muito simpáticos com ele.
O pastor lamentou publicamente o sucedido. O Senhor Francisco do Rosário ouviu. Francisco do Rosário, que fora um importante militante do Partido Republicano Português, era ateu, apologista da separação da Igreja do Estado, que a República instituíra e o Estado Novo revogara, disse-lhe: “Oh homem prepare as suas coisas e diga-me o que é preciso que eu arranjo-lhe esse espaço”.
[A seguir à porta que se vê do lado direito, existia uma janela e logo a seguir, pegando com os Paços do Concelho, situava-se a porta da casa que aqui se refere. Foto 1969]
A casa hoje não existe, pois foi demolida e integrada no prédio grande do lado Norte da Praça da República. Era uma casa com uma porta para a Rua do Município e outra porta para a Rua 25 de Abril. Estava dum lado encostada aos Paços do Concelho e do outro confinava com o estabelecimento dos Rosários. Pertencera ao comércio de Vicente Romana, sendo depois adquirida pelos Rosários. Era lá que o Joaquim do Rosário tinha o talho com porta pela Rua do Município e o resto da casa era utilizado para armazém de cereais e outras mercadorias.
[Rua 25 de Abril, antiga Rua Dr. Oliveira Salazar. Foto JV]
À entrada pela Rua 25 de Abril havia uma sala grande. Foi aí que Francisco do Rosário mandou fazer e instalou uma mesa grande para o pastor dirigir as sessões e uns bancos corridos de madeira para a pessoas se sentarem.
Assisti algumas vezes a sessões destas, nas quais Francisco Rosário estava na primeira fila. Queria, com a sua presença, emprestar dignidade e credibilidade ao culto. Tinha a sua graça, a compenetração com que ele assistia a estes actos. Ele completamente ateu, e já não digo anticlerical pois vi-o algumas vezes a conversar com o padre com todo o respeito, cedia gratuitamente a casa e, como se não bastasse, assistia também às sessões. Era, à sua maneira, uma forma de democratizar o culto, que o Estado Novo facilitava então a uma só Igreja.
Ali os oficiantes rezavam, cantavam umas canções de ritmo convidativo à participação. Era uma novidade e como tal muitos de nós curiosos íamos frequentar. Não sei se converteram alguém. Sei que esta prática durou alguns meses, pelo menos até 1954 quando deixei Alcoutim.
Passada a novidade, eram poucas as pessoas que entravam e assistiam. A maior parte por curiosidade sentava-se num degrau em frente e de lá assistia sem entrar. Só o Luís Corvo e a mulher foram mais constantes na assistência. Depois, sei que este culto acabou, em face da pouca frequência.