terça-feira, 22 de novembro de 2011

Miradouro em Alcoutim

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 19 DE AGOSTO DE 1977)





Escreve


Hilário Ventura



[Foto que acompanhou o artigo]

Miradouros são, salvo melhor opinião, pontos elevados que a natureza criou e em relação aos quais e pelos quais o homem tem predilecção especial.

São locais onde o ser humano pode entrar em êxtase e criar as condições interiores necessárias a uma aproximação mais íntima com Deus ou, se preferirem, com o obreiro das montanhas e dos vales, dos rios e dos oceanos, das nuvens e das estrelas, do sol e da lua.

São pontos de encontro que preparam ainda para voos mais altos. . São o elo de ligação entre a força bruta da matéria e a serenidade absoluta.

São ainda, e em última análise, pensões e hotéis onde se prepara e serve manjares que vão alimentar o ego psíquico ou espiritual.

O concelho de Alcoutim não possui homens que saibam e queiram alimentar-se destas iguarias tão benéficas contra certas doenças e, por isso, não compreendem nem sentem o seu significado. Falar deste pão, que é simultaneamente remédio eficaz contra alguns dos males que os afligem, é pregar no deserto ou, na melhor das hipóteses, ser tido por lunático, no sentido mais pejorativo do termo. Contudo, essa riqueza é real e altamente benéfica para os que dela se sabem. Podem e querem aproveitar.

Vivemos demasiado os problemas mesquinhos e anquilosantes da matéria para nos darmos conta dessa outra riqueza imensa que tanto bem-estar psico-somático nos traz. Somos um povo em letargia e fazemos questão de não nos divorciarmos deste estado cataléptico em que nos encontramos e no qual acabamos por nos sentir como peixe na água. Não concebemos tal despertar porque os músculos elevadores das nossas pálpebras, com que a natureza também nos dotou, de há muito se encontram em atrofia permanente.

O que conta hoje no homem envelhecido desta terra – que para as belezas do espírito, para as zonas elevadas do Belo e do Amor, não chegou a nascer – é a esperteza do macaco, a ferocidade do leão e a hediondice do porco.

Mesa e latrina, eis aquilo que fisiologicamente é imprescindível.

Fugir ou voluntariamente afastar-se desta dualidade orgânica, é ser visionista, lunático e imbecil , sem objectividade para os problemas concretos, e soluções concretas da vida real do homem, como matéria e enquanto matéria. Não ser terra-a-terra é ser anti-progressista e antidemocrático: é ser contra um Portugal rico e próspero. É, em suma, ser digno de todos os homens menos do de homem. Caduca ilusão!

Isto é, duma forma muito sucinta, aquilo que é e pensa o homem deste concelho, presentemente. Todavia, convém lembrar que o é põe herança radicada através de gerações e gerações.

Entrados que somos no último quartel do século XX, onde as viagens no espaço sideral são uma afirmação e uma realidade científica, onde o cérebro humano se dá ao luxo de descansar à sombra da bananeira só porque ligou o computador electrónico, é “quase” uma aberração da natureza, este contraste.

Nas “provetas” e “tubos de ensaio” do “laboratório” da Comissão Regional de Turismo do Algarve, onde os “reagentes” costumam ser eficazes nos processos de análise e de síntese do marco, do dólar, do franco e outros, poderia e deveria proceder-se, quanto antes a um aturado e sério exame de viabilidade de construção de um miradouro – e não só – em Alcoutim, onde existe local excelente e onde a tão propalada descentralização turística iria , por certo, encontrar ambiente propício para uma desejada e necessária expansão fiduciária.

Para os que andam sempre, ou quase sempre, em viagem alimentar, deixai-vos vir até aqui depois, descansar uns momentos. Deixai-os vir aqui bater as suas chapas e admirar este Guadiana tão esquecido e abandonado turisticamente. Deixai-os ser mensageiros de um abraço de etrna saudade para os seus irmãos Sena, Reno, Tamisa, Danúbio, Volga e tantos outros. Com certeza que eles irão ficar muito contentes por receber notícias deste seu irmão adormecido com o tesouro encantado.

E vós, senhores “analistas”, ireis dormir, descansados e ter sonhos cor-de-rosa. Sonhos maravilhosos que só são possíveis para quem se deita com a consciência do dever cumprido, depois de aturado exame de consciência, em relação a cada dia que passa.

Assim seja!!!