terça-feira, 8 de novembro de 2011

Rip Curl Pro Peniche 2011... aos olhos de um surfista local





Escreve


José Miguel Nunes




Foto: CMP

Terminou mais um RIP CURL PRO PENICHE (Portugal), desculpem lá, mas eu gosto mais de lhe chamar assim.

Começa a ser difícil encontrar adjectivos que definam os campeonatos e as ondas em Peniche, foi o terceiro ano consecutivo em que o “Word Tour” passou por Peniche, e mais uma vez Supertubos mostrou toda a sua grandeza, apresentando-se verdadeiramente de gala durante toda a competição.

Foi incrível assistir a este campeonato, talvez o melhor dos três que por cá já se realizaram. Supertubos mostrou-se em toda a sua pujança, provando mais uma vez que não existe em Portugal mais nenhum local onde se possa realizar um campeonato desta magnitude com este nível de ondas, apesar disto criar uma certa azia a muita gente no meio do surf em Portugal.

Não encontro outro termo para definir esta etapa, a não ser… EXCELENTE, foi um “show” de tubos. Foram tubos para esquerda, para a direita, na maré vazia, na maré cheia… faltam-me as palavras para definir aquilo a que assisti durante estes três dias de competição.

Talvez o melhor é irmos mesmo aos números para percebermos melhor a qualidade do campeonato que tivemos. Em termos globais, durante cinquenta e um “heat’s” foram surfadas setecentas e noventa e três (793) ondas, das quais noventa e duas (92) foram classificadas como excelentes, cento e vinte e seis (126) como boas, setenta e cinco (75) como normais e cento e quarenta e duas (142) como fracas.

Vamos agora ver as estatísticas para as ondas que contaram para as classificações, ou seja, o conjunto de ondas que serviram para definir os “scores” de cada um dos atletas em cada um dos “heat’s”. Das duzentas e vinte e nove (229) ondas que contaram, oitenta e sete (87) foram excelentes, oitenta e duas (82) boas, trinta e três (33) normais e apenas vinte (20) foram classificadas como fracas. Em termos percentuais temos que, 74% das ondas foram classificadas de boas para cima, divididas em 38% para as excelentes e 36% para as boas, isto meus amigos, é a prova provada que a onda dos Supertubos em Peniche é de uma qualidade como poucas no mundo. Ainda a nível de curiosidade, a onda que fecha o “top 10” foi pontuada com um 9,77, sendo que as quatro primeiras são de nota máxima (10 pts).

Penso que estas estatísticas definem bem o que se passou durante este campeonato, e desafio desde já a apresentarem números de qualquer campeonato realizado em Portugal que se aproximem destes, inclusivamente aqueles que se realizaram na recém-galardoada Reserva Mundial de Surf (RMS).

Relativamente à estrutura montada na praia, considero que houve uma melhoria em relação ao ano anterior, e quero frisar especificamente o terem montado a área VIP fora do areal, bem como a montagem de duas bancadas em frente ao pico.

Chegou agora a altura de falar daquilo que não gostei, e como escrevi no primeiro editorial deste “site”, defenderei sempre o surf e os surfistas de Peniche, doa a quem doer…continuando, houve algumas coisas que já venho a não gostar desde o primeiro campeonato que aqui se realizou em 2009, e vou ser já muito directo, e dizer que acho uma vergonha a maneira como os surfistas locais são tratados pela organização deste evento, e obviamente refiro-me à Rip Curl, com a conivência da Câmara Municipal de Peniche, na pessoa do seu Presidente, António José Correia.

É verdadeiramente vergonhoso o desprezo a que os surfistas locais são votados, não se esqueçam, aqueles que são os únicos que dão o melhor que têm (ondas) e nada recebem em troca, ao serem frequentemente escorraçados de todas as áreas da estrutura montada na praia, em detrimento dos meninos residentes mais a sul, que ostentam orgulhosamente pulseiras de todas as cores com entrada escancarada para todo e qualquer lugar, isto é no mínimo revoltante para quem dá uma onda como a dos Supertubos para realizarem uma das melhores etapas do circuito mundial. Não tenham medo que os surfistas locais não têm nenhuma doença contagiosa, não tenham medo que os surfistas locais também se sabem comportar nos eventos sociais, também somos educados, também temos estudos, também sabemos conversar sobre assuntos interessantes, não somos nenhum bando de marginais que por acaso fazemos surf durante todo o ano em Peniche.

Por falar em eventos sociais, já no ano passado o disse, e volto a dizê-lo este ano: não percebo qual a razão de a festa de lançamento de um evento realizado em Peniche ser feita em Lisboa, a uma centena de quilómetros de distância. Se não for pela mesma razão que no ano passado avancei, de que seria para poupar o “jet set” alfacinha a uma viagem cansativa, só vejo mais uma, talvez tenham algum receio que este bando de marginais surfistas e residentes nesta terra de pescadores criem algum tipo de embaraço a convivas tão ilustres.

Avancemos, e agora Sr. Presidente, vai ter de me ouvir, pois sei que sabe gerir magnificamente o momento mediático, e tiro-lhe o chapéu por isso, não foi com certeza por acaso que escolheu os “heat’s” onde o Tiago Pires e o Kelly Slater estavam a competir para falar aos microfones na praia, fê-lo e muito bem, só não gostei foi de na entrega de prémios agradecer e pedir uma salva de palmas (e eu também aplaudi) a todos os surfistas e de não ter acrescentado algo do género: “e agora peço uma salva de palmas para todos os surfistas de Peniche, pois são eles os verdadeiros donos destas ondas onde foi realizado este excelente campeonato”, tinha-lhe ficado bem.

O Centro de Alto Rendimento serviu este ano para a conferência de imprensa de apresentação do campeonato, mais uma vez muito bem. Só não percebi uma coisa, mas por que raio foi o Senhor Presidente dar o nome de um dos quartos ao Tiago “Saca” Pires? Desculpe que lhe diga, mas fazendo uma analogia com o futebol, isso é a mesma coisa que o Pinto da Costa dar o nome do Eusébio a uma bancada no dragão. Coincidência ou não, pois a azia às vezes tem destas coisas, belo agradecimento o dele, com aquele gesto lindíssimo para a praia no fim do primeiro “heat” em que competiu. Tinha tantos nomes dentro do surf penicheiro para escolher, dou-lhe só dois ou três exemplos: um campeão da europa em bodyboard, uma surfista local, que foi só a primeira surfista em Portugal, um surfista e “shaper”, infelizmente já desaparecido, e um visionário para a época, que foi o primeiro a ter uma marca de pranchas (Papoa Surfboards) e uma fábrica em Peniche, para além de mais alguns surfistas locais emblemáticos.

O facto de Peniche (cidade) ter passado mais uma vez ao lado deste campeonato, já nem vou comentar, pois as razões são precisamente as mesmas do mesmo ter acontecido nos outros anos, e se assim continua é porque não há vontade para o mudar.

Termino, dizendo apenas que mostrámos mais uma vez aquilo que as nossas ondas valem, e que neste momento já não há ninguém no seu perfeito juízo no meio do surf que as possa colocar em causa, aliás, opinião unânime entre os surfistas que competem no “World Tour”, e é essa verdadeiramente a opinião que conta, e que nos deixa cheios de orgulho.

Venha 2012 que os Supertubos e os surfistas locais cá estarão para os receber, novamente com a mesma qualidade e simpatia, como é apanágio desta magnifica terra de surfistas e pescadores.



Nota

RECTIFICAÇÃO
Existe uma rectificação que se impõe ao artigo em cima, e assumo desde já o erro quando referi que no CAR Surf não tinha sido atribuido nenhum nome a um surfista local, não é verdade, foi atribuido o nome do Silvano Lourenço a um dos quartos. Aqui fica o meu pedido de desculpas a quem de direito. No entanto isto não invalida tudo o resto a que me referi relativamente aos surfistas locais.