terça-feira, 29 de novembro de 2011
O Termo de Alcoutim em 1791
Escreve
Gonçalo Roiz Vilão
Ao pesquisar por livros e jornais do final do século XVII, mais concretamente no ano de 1795, deparei-me com um artigo do Jornal de Coimbra, escrito por José Feliciano Castilho, que descrevia o estudo da viagem ao Algarve feita em 1791 por Luís António de Oliveira Mendes, membro da Academia de Ciências de Lisboa, que percorreu o Algarve e visitou o concelho de Alcoutim. Descreve o estado das estradas, a ausência de pontes e a falta de máquinas no despontar da industrialização, as diferentes culturas da vinha, da oliveira. Faz-nos compreender as dificuldades da labuta árdua que os homens e mulheres do termo de Alcoutim viviam nestes tempos para levarem o pão á boca das suas famílias.
Surpreendeu-me por trazer aos dias de hoje alguns aspectos desta zona que embora pudéssemos imaginar, não tinha a ideia de ficarem registados. Uma época acontece e perde-se nos anais do tempo e da memória se não for registada e com este registo fica mais uma partilha sobre o nosso concelho:
[Alcoutim visto por Duarte de Armas. Livro das Fortalezas, séc.XVI]
“ No anno de 1791 em que viajei o Algarve tomei conhecimento, que os Espanhoes colhiaõ a Salicornia, e algumas especies de Salfola, que nascem espontaneamente nas vizinhanças de Faro, e depois de fazerem a combusttaó destas plantas levavaõ as cinzas para Espanha; porém como a sahida delas exigiaô alguns direitos na Alfandega da dita Cidade, ha mais de dez annos, que deixando de fazer semelhante colheita nesses sitios a praticaõ nos sapaes da Moita. O termo de Alcoutim abunda muito em Loendro (Nerium Oleander ), dele tiraô os Espanhoes as cinzas que levaõ para Espanha , e segundo as informações que tive no anno de 1790 levariaõ nesse anno 120 alqueires das ditas cinzas.”
As estradas em 1791:
“São de huma absoluta necessidade as Estradas no Algarve; porque à excepção da de Castro Marim até Tavira não observei em todo aqueile Reino no anno de 1790 huma só, que excedesse muito de tres palmos de largura.
A falta d' Estradas causa no Reino do Algarve males incalculáveis. (Como podem haver carros faltando os caminhos, por onde elles se possáo mover? Não havendo Estradas e carros difficulta-se muito o fabrico das casas, de que percisáo os lavradores para viver, e outros usos ruraes. Que despeza e trabalho náo terião para acarretar em bestas a pedra necessária para fazer hum edifício?
No anno de 1790 me informarão no Térmo dÁlcoutim que, quando querião levar a mó de algum moinho para o lugar do seu destino, era ella conduzida pela força de quarenta ou sessenta homens por subidas e descidas violentas consumindo muito tempo e despeza, e ordinariamente acontecendo graves perigos. A falta de Estradas difficulta, e até impossibilita o carreto dos estrumes, de que percisáo as terras, a importação e exportação das pròducções da Natureza, e Industria.”
As pontes:
“Não causa menos detrimento na Agricultura, e Commercto do Algarve a falta de Pontes, que n'elle se observa. Em todo este Reino desde o Cabo de S. Vicente até Villa-Real de Santo Antonio apenas se encontrão duas Pontes, huma em Loulé, e outra em Tavira sem embargo de elle ser cruzado com difFcrentes ribeiras e rios, que tem origem nas Serranias de Caldeirão e Monchique, que engrossão muito com as chuvas do Inverno. No anno 1790 me informarão no Têrmo d´Alcoutim, que por não haver Ponte na ribeira da Pouparia muitos Lavradores no tempo do Inverno percisavão dar huma volta de duas Iegoas e meia., para irem lavrar as suas terras.
Por falta de Pontes, primeiro morrem todos os annos muitos passageiros, e gado nas ribeiras de Vascão, Foupana, e do Deleite. Segunde, os Lavradores não podem nos tempos das enchentes lavrar as suas terras. Terceiro, difficulta-se o carreto dos fructos dentro do Reino, e a exportação dos supérfluos para outras Províncias. Quarto, sem Pontes e caminhos em bom estado mal se podem cultivar os muitos terrenos incultos, que se observa em todo o Reino do Algarve.”
Os carros:
“Os carros de cõnducção tão percisos para os usos Economicos, e Militares são mui poucos no Algarve. No annó de 1790 não se contava hum só em todo o Termo de Alcoutim que terá mais de trinta legoas quadradas, e então somente havião dons no de Castro Marim. No resto do Reino creio que n'esse tempo serrão muito raros. Eu desde o Cabo de S. Vicente até Villa Real de S. Antonio não encontrei hum só, em que podesse notar a sua descripçáo. Por falta de carros acarretavam os Lavradores para as suas eiras o trigo e centeio, depois de ceifado, em jumentos e outras bestas muares.”
As Máquinas:
“As Máquinas percisas para espremer o azeite e vinho erão pouco conhecidas no Algarve, quando eu lá estive, segundo as informações, que então me derão. Em Alcoutim mettião as uvas em saccos, que depois pisaváo com os pés para d*ellas tirar o mosto, e por falta de hum aparelho competente perdião huma boa parte d'elle, que se podia aproveitar espremendo o bagaço; a mesma rotina seguião a respeito das azeitonas, e já depois de estar meia adiantada a podridão d'ellas ; de maneira que os habitantes d'aquella Villa , e seu grande Termo, não sabião no anno de 179O o que era hum lagar de vinho e azeite, e os do resto d'este Reino pouco mais adiantados estavão n'aquelle tempo.”
Boas práticas rurais:
“Estas • boas práticas ruraes erão desconhecidas no Algarve no anno de 1790; e também em alguns lugares d'aquelle Reino os Algarvios estão tão aferrados a certo género de cultura, que se descuid.ío de procurar aquelles , que são mais acommodados á natureza do terreno , em que vivem , e circunstancias locaes» Sirva para exemplo 0 grande Termo da Villa de Alcoutim: todo o vinho, que aqui houve no anno 1790, apenas chegou a vinte e nove pipas, quando sendo todo elle hum Paiz montanhoso he muito acommodado para vinhatarias e olivaes ; devião também cuidar n.'estes gejieros de cultura, que lhes dariáo muito proveito ; porque a cultura dos grãos pelo modo , com que afazem, não lhes rende mais do que o quádruplo ou quintuplo da sua semente em annos abundantes ; e nos estéreis, como lhes falta o pão, são obrigadas as Famílias a desamparar seus lares, e procurar outra habitação,, como aconteceo no,anno de 1777, e outros mais antingos, de que ainda ha memoria; por isso he pequena a População d'aquelle vasto Termo, pois no anno de 1790 «era somente de 6:360 almas. “
O mel:
“Nos corgos , entre as serras , bastantes colmeias ha em cortiços de sovereiros ou azinheiras, que produzem excellente mel pela abundância de plantas aromáticas: exporta-se algum, assim como a cera; fabti* cando-se outra em varias terra*. Não ha porém maior abundância senão em as freguezias da serra de Tavira e Alcoutim. O de superior qualidade cresta-se há beíra-mar e barrocal.
Cultura das Oliveiras:
“A cultura das oliveiras pôde adiantar-se muito no Algarve e em Alcoutim todas as terras altas e baixas d"aquelle Reino são acommodadas para ellas : ainda mesmo na cordilheira de montes, que o sepárão da Província do Alem-tejo existem vargens' incultas aonde se podem criar muitos olivedos.
Contão-se differentes variedades d'oliveiras no Algarve, assim como na Província do Além-Téjo, e Traz-os-Montes; e sendo humas mais fructiferas do que outras, a enxertia he o único meio de as melhorar, e então terá o Proprietário com a mesma despeza. huma colhèita mais abundante. He para sentir que em todas as Províncias de Portugal seja quasi inteiramente despresado este modo de melhorar os olivaes.
Podem os habitantes do Algarve ainda com menos trabalho multiplicar os seus olivaes n'aquelle Reino: basta só enxertarem o quasi infinito numero de zambujeiros, que lá existem sem que d'elles fação caso algum. Eu observei muitos em Janeiro de 1791 nas margens occidentaes do Guadiana, que estando então por amanhar são bem próprias para vinhas e olivaes.
No anno 1790 me informarão, n'aquelle Reino, que costumavão arrancar as Oliveiras, que por doentes não daváo fructo. He abuso culpável! Quanto melhor he procurar remédios, que possão curar a doença, do que privarem-se d'aquellas arvores, que tantos annos custão a fazer.”
Cultura das Alfarrobeiras:
“As Alfarrobeiras são arvores, que somente tenho observado em grande quantidade no Algarve, conservão sempre a sua folha, como as oliveiras e laranjeiras , florecem no mez de Dezembro, gostão de hum clima o mais benigno, por isso eu não as vi em Alcoutim, e outras terras do alto Algarve , que ficão em huma maior altura a respeito do nivel do mar ; ainda mesmo no baixo Algarve a cultura d'ellas se pôde multiplicar nos-tefrenos incultos , que lá vi, e melhorar pela enxertia ; porque entre as variedades das Alfarrobeiras humas são mais fructiferas do que outras.” (*)
(*) Retirado de: Jornal de Coimbra 1790 Volume I, por José Feliciano de Castilho