Escreve
Gaspar Santos
Já aqui nos referimos à construção deste cais, obra a que
assistimos de dentro da escola primária que frequentávamos nesse tempo.
No ano a seguir à inauguração do cais teve início a minha
vida profissional no Grémio da Lavoura, que foi desde sempre a entidade mais
utilizadora dos serviços deste cais.
Hoje vamos referir as primeiras descargas, curiosamente de
palha e aveia vinda de fora, contrariamente aquilo para que fora previsto que
seria carregar para a saída desses e de outros produtos da terra.
Alcoutim nos anos 60' |
O Engenheiro Duarte Pacheco, o grande ministro das obras
públicas, quando pensou neste cais destinava-o ao embarque para saída de
produtos agrícolas do Alentejo. E o primeiro uso do cais foi precisamente o
contrário daquilo para que tinha sido construído: - descarregar esses produtos
de outra proveniência.
Para o serviço do que era o seu objetivo – escoar produtos
do Alentejo - nunca o vimos utilizar. É que os grandes transportes por
camioneta já tinham ganho na concorrência com os outros meios. Em primeiro
lugar com o domínio atingido pela tecnologia dos seus motores e em segundo
lugar por puderem ir a qualquer parte carregar e descarregar esses produtos.
Quando este cais foi inaugurado em 1944 já o engenheiro
Duarte Pacheco tinha falecido no ano anterior. Dizia-se então no Algarve que
este Ministro da Obras Públicas nada ou pouco fizera pelo Algarve, para não
parecer um ministro ao serviço do Algarve mas do País. O cais de Alcoutim teria
sido uma das exceções.
No verão de 1944 as primeiras descargas foram de palha e
aveia encomendadas pelo Grémio da Lavoura para minorar a sua escassez no nosso
concelho, consequência do ano hidrologicamente seco, caso contrário muitos
animais teriam morrido de fome.
Nos anos seguintes o grosso da utilização do cais foi a
descarga de adubo, super fosfato de cálcio comprado à CUF do Barreiro pelo
Grémio da Lavoura.
O Cais Novo com novas funções. Foto JV, 2012 |
Eram navios da Sociedade Geral de Transportes do Grupo CUF
que vinham ao Pomarão carregar pirites e enxofre. E nessa vinda sem carga
podiam aceitar o transporte de adubo fabricado pelo mesmo grupo, por um preço
pequeno, uma receita marginal e não que não era esperada.
O Grémio pagava dois fretes a partir do Barreiro: um
marítimo efectuado pela Sociedade Geral; outro à C.P., de comboio que esta
embora não o efectuasse (!), se destinava pura e simplesmente à protecção dessa
empresa já nesse tempo deficitária.
A descarga do adubo fazia-se do porão do navio para cima do
cais em “lingadas” içadas por grua do próprio navio. A grua a vapor era
manobrada pelo José Altura (que mais tarde morou em Alcoutim e se ocupou na
ligação a Sanlúcar por barco a remos) ou por outro trabalhador do Pomarão.
Depois um verdadeiro exército de trabalhadores precários,
recrutados dentre os jovens agricultores ou pessoas sem emprego, transportava
os sacos às costas para a esplanada do cais onde ficavam empilhados e com uns
toldos de proteção por cima. Era daqui que eram distribuídos de camioneta pelo
concelho já consignados a quem os adquirira ao Grémio.
Para as tarefas de coordenação destas entregas o Grémio da
Lavoura, em geral, reforçava os meios humanos que tinha em Alcoutim com um
funcionário que nestas primeiras descargas começou por ser o José Bento vindo de
Vila Real de Santo António.
Ele começava por montar “escritório” de manhã junto das
pilhas dos produtos (palha, aveia ou adubo). Depois para se proteger do sol
intenso acompanhava a sombra ao longo do dia até se fixar na sombra da Casa dos
Condes onde morava uma senhora solteira de nome Nascimento.
As falas nesses intervalos do trabalho tiveram o mérito de
juntar pelo casamento este casal, que durou até ao falecimento dela. Esta
senhora era tia do brigadeiro Trindade e Lima e do irmão engenheiro Rogério
Lima.
Durante muitos anos, por falta atempada do seu pagamento, ouvi falar e tratei de muita papelada que referente a “Palha e Aveia Antiga”. Suponho que foi um mau negócio para o Grémio, inclusivamente por litígio entre o Grémio e uma seguradora que ganhou com razão por falta da previsão dos responsáveis do Grémio.
Conta-se em duas linhas e talvez sirva de lição para muitos
de nós quando contratarmos um seguro. Num transporte por barco o grande risco
era a palha estragar-se por inundação por água do mar ou afundamento do barco.
E o seguro foi efetuado prevendo esse risco.
Porém não foi isto que aconteceu. Alguma estragou-se devido
a uma forte chuvada que atingiu a palha por viajar no barco ao ar livre.
A seguradora para não pagar os danos, alegou que o seguro
apenas cobria danos provocados por água salgada. E era verdade.