terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cais Novo - Primeiras cargas e descargas




Escreve

Gaspar Santos



Já aqui nos referimos à construção deste cais, obra a que assistimos de dentro da escola primária que frequentávamos nesse tempo.

No ano a seguir à inauguração do cais teve início a minha vida profissional no Grémio da Lavoura, que foi desde sempre a entidade mais utilizadora dos serviços deste cais.

Hoje vamos referir as primeiras descargas, curiosamente de palha e aveia vinda de fora, contrariamente aquilo para que fora previsto que seria carregar para a saída desses e de outros produtos da terra.
Alcoutim nos anos 60'
 
O Engenheiro Duarte Pacheco, o grande ministro das obras públicas, quando pensou neste cais destinava-o ao embarque para saída de produtos agrícolas do Alentejo. E o primeiro uso do cais foi precisamente o contrário daquilo para que tinha sido construído: - descarregar esses produtos de outra proveniência.

Para o serviço do que era o seu objetivo – escoar produtos do Alentejo - nunca o vimos utilizar. É que os grandes transportes por camioneta já tinham ganho na concorrência com os outros meios. Em primeiro lugar com o domínio atingido pela tecnologia dos seus motores e em segundo lugar por puderem ir a qualquer parte carregar e descarregar esses produtos.

Quando este cais foi inaugurado em 1944 já o engenheiro Duarte Pacheco tinha falecido no ano anterior. Dizia-se então no Algarve que este Ministro da Obras Públicas nada ou pouco fizera pelo Algarve, para não parecer um ministro ao serviço do Algarve mas do País. O cais de Alcoutim teria sido uma das exceções.

No verão de 1944 as primeiras descargas foram de palha e aveia encomendadas pelo Grémio da Lavoura para minorar a sua escassez no nosso concelho, consequência do ano hidrologicamente seco, caso contrário muitos animais teriam morrido de fome.

Nos anos seguintes o grosso da utilização do cais foi a descarga de adubo, super fosfato de cálcio comprado à CUF do Barreiro pelo Grémio da Lavoura.
O Cais Novo com novas funções. Foto JV, 2012

Eram navios da Sociedade Geral de Transportes do Grupo CUF que vinham ao Pomarão carregar pirites e enxofre. E nessa vinda sem carga podiam aceitar o transporte de adubo fabricado pelo mesmo grupo, por um preço pequeno, uma receita marginal e não que não era esperada.

O Grémio pagava dois fretes a partir do Barreiro: um marítimo efectuado pela Sociedade Geral; outro à C.P., de comboio que esta embora não o efectuasse (!), se destinava pura e simplesmente à protecção dessa empresa já nesse tempo deficitária.

A descarga do adubo fazia-se do porão do navio para cima do cais em “lingadas” içadas por grua do próprio navio. A grua a vapor era manobrada pelo José Altura (que mais tarde morou em Alcoutim e se ocupou na ligação a Sanlúcar por barco a remos) ou por outro trabalhador do Pomarão.

Depois um verdadeiro exército de trabalhadores precários, recrutados dentre os jovens agricultores ou pessoas sem emprego, transportava os sacos às costas para a esplanada do cais onde ficavam empilhados e com uns toldos de proteção por cima. Era daqui que eram distribuídos de camioneta pelo concelho já consignados a quem os adquirira ao Grémio.

Para as tarefas de coordenação destas entregas o Grémio da Lavoura, em geral, reforçava os meios humanos que tinha em Alcoutim com um funcionário que nestas primeiras descargas começou por ser o José Bento vindo de Vila Real de Santo António.

Ele começava por montar “escritório” de manhã junto das pilhas dos produtos (palha, aveia ou adubo). Depois para se proteger do sol intenso acompanhava a sombra ao longo do dia até se fixar na sombra da Casa dos Condes onde morava uma senhora solteira de nome Nascimento.

As falas nesses intervalos do trabalho tiveram o mérito de juntar pelo casamento este casal, que durou até ao falecimento dela. Esta senhora era tia do brigadeiro Trindade e Lima e do irmão engenheiro Rogério Lima.


Durante muitos anos, por falta atempada do seu pagamento, ouvi falar e tratei de muita papelada que referente a “Palha e Aveia Antiga”. Suponho que foi um mau negócio para o Grémio, inclusivamente por litígio entre o Grémio e uma seguradora que ganhou com razão por falta da previsão dos responsáveis do Grémio.

Conta-se em duas linhas e talvez sirva de lição para muitos de nós quando contratarmos um seguro. Num transporte por barco o grande risco era a palha estragar-se por inundação por água do mar ou afundamento do barco. E o seguro foi efetuado prevendo esse risco.

Porém não foi isto que aconteceu. Alguma estragou-se devido a uma forte chuvada que atingiu a palha por viajar no barco ao ar livre.

A seguradora para não pagar os danos, alegou que o seguro apenas cobria danos provocados por água salgada. E era verdade.