quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Crónicas e Ficções soltas - Alcoutim - Recordações - XXXVI


 
 
Escreve
 
Daniel Teixeira 




DENOMINAÇÕES, POÇOS E BOLOTAS

Tínhamos (e temos em princípio) uma cerca que se chama do «Touril» que fica logo à entrada do Monte para quem vem pela estrada, é claro, do lado direito e antes de chegar ao poço da horta do senhor Manuel Tomás. Chamo-lhe de poço da horta para o distinguir do outro poço que agora é comum e que já foi pertença dos Tomazes, tal como consta já no Blogue Alcoutim Livre sobre a história da abertura de um poço comum. Se bem me lembro o que se disse na altura é que não se encontrava pessoal para aprofundar o dito poço aos valores que a autarquia pagava, pelo que consta em acta o reforço da verba.

Diga-se em abono da verdade que todo o dinheiro que fosse pedido para aprofundar um poço não seria seguramente demais naquela altura com as condições de segurança que devia haver, passe a possível grande experiência dos «técnicos» que na sua grande parte seriam meros curiosos com habilitação de experiência.

Já volto à cerca do Touril para dizer em que me baseio para dizer que aprofundar um poço não é petisco nenhum dado o risco que se corre. Fui testemunha ainda moço e devo dizer que fiquei tão frustrado e tive tanto medo como os restantes: punham-se as barras de dinamite, metia-se o rastilho e dava-se fogo. Depois era subir as escadas o mais depressa possível não fossem os tempos de rebentamento não serem respeitados por razões das mais diversas.

Essa possibilidade não era assim tão remota e devo dizer que no caso que presenciei nenhum rebentamento houve e tivemos que desistir depois de uma tarde inteira a subir e a descer escadas com mais umas corridas para tão longe quanto possível : eu e mais uns quantos como observadores e um outro, o mais velho e logo mais responsável, a meter o rastilho e a dar fogo ao mesmo. Este apagou-se sempre por mais que se limpasse a água no local, mas mesmo aí, passado o tempo normal de rebentamento mais uma margem larga, tínhamos de esperar um bom bocado, não fosse o rastilho reatar. Depois ia um espreitar cuidadosamente e só quando se estava certo que o rastilho estava a zeros é que se recomeçava, mesmo assim sempre com a suspeita de que poderia não se estar a ver bem.

Ora a cerca do Touril não tinha qualquer poço mas estava rodeada de poços por todos os lados menos nela: ao lado o senhor José Pereira tinha o tal poço que andava sempre a tentar aprofundar e que nunca correspondia às suas expectativas, logo atrás estava a zona da Valedégua de cima (com água relativamente abundante) e abaixo o tal poço da horta dos Tomázes. Numa área de cem metros sensivelmente havia pelo menos quatro poços. No Touril não!

A nossa parte do Touril (estava dividida em duas faixas) era a que mais merecia ter água segundo a lógica mas não tinha. A faixa de cima também não tinha água mas essa era mesmo seca e exposta pelo que dificilmente seria de calcular abrir ali um poço, pelo menos pela lógica. Essa parte era de um primo nosso que «abalou» para Espanha, que durante uns anos ainda vinha de lá com o seu carro de mulas apanhar as azeitonas e as alfarrobas e que depois deixou simplesmente de vir: ficámos com os frutos a seu mandado e com a azinheira que dava bolotas em dose industrial. Como não tínhamos porcos de pasto (tínhamos um pocilgo com um porco de engorda e que já tivera dois anos antes) apanhávamos as bolotas na medida das necessidades e lá se ia fazendo a vida.

Ora o Touril a ter água dava uma das melhores hortas que poderíamos ter: tinha uma base de aluvião em superfície plana extensa (na proporção local) e tinha outra vantagem que era estar próxima do Monte. Mas não tinha água e mesmo quando começou a haver condições técnicas de broca a preço razoável e se começaram a abrir poços pelo Monte em cada esquina, praticamente, já o nosso último sobrevivente da «batalha» pela vida por lá, o meu avô, tinha falecido e já não lhe servia de nada ter mais um poço e uma horta.

http://www.raizonline.com/cinquentaecinco.htm