domingo, 23 de setembro de 2012

Montinho das Laranjeiras, dos "montes do rio", o mais próximo da vila


Pequena nota

O primeiro artigo que publicámos no ALCOUTIM LIVRE teve por título “Os Montes do Rio, recanto aprazível do concelho de Alcoutim”e que como o título indica engloba os quatro montes do concelho sempre conhecidos e designados por” Montes do Rio”.

Recentemente foi colocada uma placa toponímica com essa indicação e que bem se justifica.

Entendemos agora desdobrar esse escrito pelos quatro montes, aproveitando o que então escrevemos e acrescentando o que nos for possível.

JV

A velha e ainda actual designação “Montes do Rio”engloba como várias vezes temos escrito o conjunto de pequenas povoações na margem direita do Guadiana situadas entre a foz da Ribeira de Cadavais e a foz da Ribeira de Odeleite. Quatro desses montes pertencem ao concelho de Alcoutim e um ao de Castro Marim ou seja a Foz de Odeleite, antigamente Odeleite-a-Menor.

Saindo de Alcoutim e seguindo o relativamente recente troço da estrada 507, vulgo estrada marginal, velha ambição dos alcoutenejos, só tornada realidade em finais da década de 80 do século passado, vamos percorrendo a via umas vezes sinuosa, outras nem tanto, mas tendo sempre por fundo o majestoso Guadiana, o grande rio do Sul, de águas profundas.

Passamos pela Cochoa, topónimo curioso e zona baixa com algum aproveitamento agrícola, pelo menos na primeira metade do século passado, o que ainda se nota pela arborização dos terrenos.

A sua origem não é clara. Segundo José Pedro Machado (1) existem os topónimos Casal da Cochoa e Quinta da Cachoa no centro do país e que será feminino de Cochom,  um apelido antigo (séc. XIII) que significa comissário, cozinheiro, vendedor ambulante e que terá a ver com o francês cochon, leitão, porca. Por outro lado, os cochões e as cochoas eram as pessoas que iam na retaguarda dos exércitos peninsulares, no séc. XIII. Não terá a ver, perguntamos nós, com a existência no local de porcos selvagens (javalis)?
 

Zona agrícola da Cochoa. Foto JV

Mais à frente, passamos no sopé da elevação onde se encontra o antigo posto da Guarda Fiscal designado por “Alcaçarinho”, hoje transformado em residência, tendo sido o primeiro adquirido na década de sessenta do século passado à Fazenda Nacional. Nas proximidades uma das maiores e melhores várzeas do Guadiana, conhecida por várzea do Alcaçarinho e que foi propriedade de José Dionísio, do Balurco de Baixo e que depois foi adquirida por um cidadão alemão. Alcácer, castelo em árabe.

Acesso à Casa do Alcaçarinho, antigo posto da GF. Foto JV

O rio corre à nossa esquerda oferecendo-nos excelentes paisagens que a vista não se cansa de observar.

A margem, que fica entre a estrada e o rio, ainda que praticamente abandonada em muitos locais, é das zonas com maior potencial agrícola do concelho. Ainda bem que a lei não permite a sua destruição em proveito do capital.

Passamos depois pela zona do Abrigo, topónimo relacionado com a possibilidade de protecção ao trânsito fluvial e um pouco mais à frente, passamos uma ponte sobre o barranco do Vale de Condes, topónimo que tem a ver com o título Condal da vila.

Construção da ponte de Vale de Condes. Foto JV, 1986

Do lado direito da estrada, uma necrópole identificada em 1987 e que aparece devido aos trabalhos da mesma. Está mesmo junto ao caminho velho, possivelmente local da via romana. Entretanto, numa intervenção arqueológica, as sepulturas foram classificadas de origem Tardo-Romana, cuja idade remonta, provavelmente, aos séculos V/VI. (2)

Seguidamente, alcançamos a zona do Vinagre cujo barranco é atravessado por ponte. Lá está o antigo posto da Guarda-Fiscal, adquirido por particular para fins agrícolas, segundo pensamos. Velhas oliveiras, algumas virão do tempo dos árabes. É zona fortemente taxada fiscalmente, facto que vem de tempos recuados.

Existe nas proximidades um poço público coberto e apetrechado de bomba elevatória, antigamente muito utilizado e que hoje raramente servirá.

Passámos depois pelo sítio do Pontal (pontal significa ponta de terra ou de penedia que entra um tanto pelo mar, no caso concreto rio), local que proporciona boas vistas sobre o rio, tanto a jusante como a montante. Foram criadas infra-estruturas de acesso, mesas e bancos de pedra e onde notámos a falta de sombra que podia ser proporcionada por uma simples armação onde se desenvolvesse uma trepadeira. Há muita pedra e pouco “verde”.

Do lado de Espanha, o Puerto Carbon e meia dúzia de casas rurais. É aqui que se encontra uma das maiores profundidades do rio, de cerca de 24 metros e que tem origem na escavação provocada pela força das águas para tornear o obstáculo a vencer. (3)

Já Silva Lopes refere esta circunstância chamando-lhe Forno (torno) da Pinta, curva do rio que as águas para a vencer provocam redemoinhos causadores de naufrágios. (4)

Depois de passarmos pelo sítio do Pontal e antes de chagarmos ao monte que procuramos, vêem-se à direita velhas construções, hoje em ruínas e conhecidas por Casa Velha, mas onde no século XIX se nascia e morria, como se pode verificar nos respectivos assentos de baptismo e óbito.

Antes de chegarmos à povoação, do lado esquerdo e próximo da margem, a zona explorada parcialmente pelo arqueólogo algarvio Estácio da Veiga em 1877, que revelou muitos vestígios romanos. Uma “villa” romana mostra grande construção com vários compartimentos. Piscina rectangular aberta num pavimento de mosaicos pintados. Foi recolhida cerâmica, entre ela um vaso muito curioso, intacto, tipo biberão. Tem no bojo uma eminência mamilar perfurada e destinada a dar saída a líquidos.

Montinho das Laranjeiras. Ruínas romanas. Foto JV, 2012
 
Vasilhas de barro, pesos de rede, um tijolo e uma telha com ornatos são outros achados.

A ocupação romana é atribuída aos começos do século I d. C. (5)

Que saibamos, só em 1991, cento e tantos anos depois, o local volta a ser objecto de escavações por intermédio do Professor Doutor Justino Maciel.

Em 2005, o Mestre em História da Arte de Antiguidade, Hélder Manuel Ribeiro Coutinho como arqueólogo responsável pelas escavações nas ruínas do Montinho das Laranjeiras dá a público um trabalho sobre estas ruínas. (6)

A musealização das ruínas da Villa Romana do Montinho das Laranjeiras foi inaugurada no dia 9 de Setembro de 2005. (7)

Chegados à pequena povoação, verificámos que desde que saímos da vila percorremos 9,5 km.

Sabe-se que, desde Outubro de 1804, fazendo patrulhas e rondas, um destacamento do Regimento de Infantaria 14, comandado pelo tenente de caçadores, Francisco Paula de Brito Cabreira, permanecia vigilante na região compreendida entre o Montinho das Laranjeiras e a vila por ocasião da peste que deflagrava. (8)

A “Cheia Grande” de 1876 / 77, como é de calcular, fez-se sentir aqui e nas restantes povoação ribeirinhas de uma maneira muito pronunciada.

Entre o Montinho e as Laranjeiras, segundo é tradição e nos foi transmitido oralmente, apareceu um cadáver boiando, o qual, ao ser avistado por uma mulher, foi motivo de pavor entre a população. (9)

Montinho das Laranjeiras. Vista do norte. Foto JV, 2012
No Montinho das Laranjeiras caíram sete prédios, entre os quais os de Manuel Braz, António Afonso, Manuel do Ó, José Botelho e Antónia Luísa e apresentaram pedidos de indemnização pelos estragos causados nas suas propriedades nas margens do rio, Bento Afonso, António Joaquim, José Dias Henriques e João Lourenço Melo. (10). Bento Afonso, lavrador, era em 1852 um dos 40 maiores contribuintes do concelho.
 
A pequena povoação apresentava uma arquitectura preservada, destacando-se os poiais onde os aldeões se sentavam a olhar o rio. (11)

Depois de ter sido abastecido por um poço público, que servia também as Laranjeiras e a Casa Velha, passou a ser servido por cinco fontanários através de um furo artesiano. Hoje a povoação, tal como todos os montes do rio, incluindo a Corte das Donas, já possui saneamento básico que entrou em funcionamento no dia 14 de Maio de 2010,ainda que a obra estivesse concluída desde o Verão de 2009, esperando pela construção da respectiva ETAR. Para contornar a situação existente foi construída uma fossa sendo limpa e esvaziada regularmente através de limpa-fossas e tratamento primário do efluente.

O empreendimento implicou um investimento de cerca de dois milhões e quatrocentos mil euros, que comportou, igualmente, a melhoria dos acessos, como não podia deixar de ser. (12)

As Memórias Paroquiais de 1758 indicam o sítio das Laranjeiras como tendo 20 vizinhos, o dos Guerreiros (do Rio) com 17 e o Álimo (Álamo) com 15, informando que estes três sítios estão Rio abaixo, na margem do Guadiana.

Parece-nos que o Montinho é considerado, na altura, agregado às Laranjeiras, que dos três é o que terá maior população tomando em consideração os vizinhos existentes.

Silva Lopes apresenta-nos em anexo à sua Corografia um quadro do número de fogos de 1839 e o Montinho, igualmente, fazendo parte das Laranjeiras apresenta 20. (13)

Devemos ter em conta que em 1758 estas pequenas povoações pertenciam à freguesia de Alcoutim mas ao termo (concelho) de Castro Marim.

Em contrapartida, os sítios de Fornanzinhas com 50 vizinhos, Cortes de S. Tomé (Corte Velha e Corte Nova) 20 cada, Monte Novo 10 e Zambujeiro pertenciam à freguesia de Odeleite mas ao termo de Alcoutim.

No Censo de 1991 apresentava 37 habitantes e tinha 21 edifícios.

Atendendo à grande taxa de desertificação ocorrida nos últimos anos no concelho, a actual população será muito menor.

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NOTAS

(1) – Dicionário Onomástico da Língua Portuguesa, Horizonte / Confluência, I Vol. 1993

(2) - Alcoutim, Revista da C.M.A. nº 4 de Dezembro de 1996, p. 26

(3) – Maravilhoso Guadiana, Francisco Dias da Costa, 1991.

(4) – Corografia do Algarve, 1841 (edição fac-similada em 1988), p 396

(5) – A Arqueologia Romana do Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso Santos, 1971.

(6) – As ruínas do Montinho das Laranjeiras, Alcoutim, edição da Câmara Municipal de Alcoutim / Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional – Algarve.

(7) – “Alcoutim Inaugura Estação Arqueológica” Alcoutim – Revista Municipal nº 12 de Dezembro de 2005. p. 19.

(8) – A Invasão de Junot no Algarve, Alberto Iria, Lisboa 2004 (edição fac-similada), p. 234.

(9) – Informação prestada pelo Sr. António Patrocínio dos Santos por volta de 1970.

(10) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 15 de Abril de 1877, presidida por José Joaquim Madeira.

(11) - Guadiana - Rio Abaixo, Rio Acima - Folheto Turístico Editado pela C.M.A.


(13) – Corografia do Algarve, 1841, edição fac similada em 1988.