Pequena nota
O primeiro artigo que publicámos no
ALCOUTIM LIVRE teve por título “Os Montes do Rio, recanto aprazível do concelho
de Alcoutim”e que como o título indica engloba os quatro montes do concelho
sempre conhecidos e designados por” Montes do Rio”.
Recentemente foi colocada uma placa
toponímica com essa indicação e que bem se justifica.
Entendemos agora desdobrar esse escrito
pelos quatro montes, aproveitando o que então escrevemos e acrescentando o que
nos for possível.
JV
A
velha e ainda actual designação “Montes do Rio”engloba como várias vezes temos
escrito o conjunto de pequenas povoações na margem direita do Guadiana situadas
entre a foz da Ribeira de Cadavais e a foz da Ribeira de Odeleite. Quatro
desses montes pertencem ao concelho de Alcoutim e um ao de Castro Marim ou seja
a Foz de Odeleite, antigamente Odeleite-a-Menor.
Saindo
de Alcoutim e seguindo o relativamente recente troço da estrada 507, vulgo
estrada marginal, velha ambição dos alcoutenejos, só tornada realidade em
finais da década de 80 do século passado, vamos percorrendo a via umas vezes
sinuosa, outras nem tanto, mas tendo sempre por fundo o majestoso Guadiana, o
grande rio do Sul, de águas profundas.
Passamos
pela Cochoa, topónimo curioso e zona baixa com algum aproveitamento agrícola,
pelo menos na primeira metade do século passado, o que ainda se nota pela
arborização dos terrenos.
A
sua origem não é clara. Segundo José Pedro Machado (1) existem os topónimos
Casal da Cochoa e Quinta da Cachoa no centro do país e que será feminino de
Cochom, um apelido antigo (séc. XIII) que significa comissário, cozinheiro, vendedor ambulante e
que terá a ver com o francês cochon,
leitão, porca. Por outro lado, os cochões e as cochoas eram as pessoas que iam
na retaguarda dos exércitos peninsulares, no séc. XIII. Não terá a ver,
perguntamos nós, com a existência no local de porcos selvagens (javalis)?
Zona agrícola da Cochoa. Foto JV |
Mais
à frente, passamos no sopé da elevação onde se encontra o antigo posto da
Guarda Fiscal designado por “Alcaçarinho”, hoje transformado em residência,
tendo sido o primeiro adquirido na década de sessenta do século passado à
Fazenda Nacional. Nas proximidades uma das maiores e melhores várzeas do
Guadiana, conhecida por várzea do Alcaçarinho e que foi propriedade de José
Dionísio, do Balurco de Baixo e que depois foi adquirida por um cidadão alemão.
Alcácer, castelo em árabe.
Acesso à Casa do Alcaçarinho, antigo posto da GF. Foto JV |
O
rio corre à nossa esquerda oferecendo-nos excelentes paisagens que a vista não
se cansa de observar.
A
margem, que fica entre a estrada e o rio, ainda que praticamente abandonada em
muitos locais, é das zonas com maior potencial agrícola do concelho. Ainda bem
que a lei não permite a sua destruição em proveito do capital.
Passamos
depois pela zona do Abrigo, topónimo relacionado com a possibilidade de
protecção ao trânsito fluvial e um pouco mais à frente, passamos uma ponte
sobre o barranco do Vale de Condes, topónimo que tem a ver com o título Condal
da vila.
Construção da ponte de Vale de Condes. Foto JV, 1986 |
Do
lado direito da estrada, uma necrópole identificada em 1987 e que aparece
devido aos trabalhos da mesma. Está mesmo junto ao caminho velho,
possivelmente local da via romana. Entretanto, numa intervenção arqueológica,
as sepulturas foram classificadas de origem Tardo-Romana, cuja idade remonta, provavelmente,
aos séculos V/VI. (2)
Seguidamente,
alcançamos a zona do Vinagre cujo barranco é atravessado por ponte. Lá está o
antigo posto da Guarda-Fiscal, adquirido por particular para fins agrícolas,
segundo pensamos. Velhas oliveiras, algumas virão do tempo dos árabes. É zona
fortemente taxada fiscalmente, facto que vem de tempos recuados.
Existe
nas proximidades um poço público coberto e apetrechado de bomba elevatória,
antigamente muito utilizado e que hoje raramente servirá.
Passámos
depois pelo sítio do Pontal (pontal significa ponta de terra ou de penedia que
entra um tanto pelo mar, no caso concreto rio), local que proporciona boas
vistas sobre o rio, tanto a jusante como a montante. Foram criadas
infra-estruturas de acesso, mesas e bancos de pedra e onde notámos a falta de
sombra que podia ser proporcionada por uma simples armação onde se
desenvolvesse uma trepadeira. Há muita pedra e pouco “verde”.
Do
lado de Espanha, o Puerto Carbon e
meia dúzia de casas rurais. É aqui que se encontra uma das maiores
profundidades do rio, de cerca de 24 metros e que tem origem na escavação
provocada pela força das águas para tornear o obstáculo a vencer. (3)
Já
Silva Lopes refere esta circunstância chamando-lhe Forno (torno) da Pinta,
curva do rio que as águas para a vencer provocam redemoinhos causadores de
naufrágios. (4)
Depois
de passarmos pelo sítio do Pontal e antes de chagarmos ao monte que procuramos,
vêem-se à direita velhas construções, hoje em ruínas e conhecidas por Casa
Velha, mas onde no século XIX se nascia e morria, como se pode verificar nos
respectivos assentos de baptismo e óbito.
Antes
de chegarmos à povoação, do lado esquerdo e próximo da margem, a zona explorada
parcialmente pelo arqueólogo algarvio Estácio da Veiga em 1877, que revelou
muitos vestígios romanos. Uma “villa” romana mostra grande construção com
vários compartimentos. Piscina rectangular aberta num pavimento de mosaicos
pintados. Foi recolhida cerâmica, entre ela um vaso muito curioso, intacto,
tipo biberão. Tem no bojo uma eminência mamilar perfurada e destinada a dar
saída a líquidos.
Vasilhas
de barro, pesos de rede, um tijolo e uma telha com ornatos são outros achados.
A
ocupação romana é atribuída aos começos do século I d. C. (5)
Que
saibamos, só em 1991, cento e tantos anos depois, o local volta a ser objecto
de escavações por intermédio do Professor Doutor Justino Maciel.
Em
2005, o Mestre em História da Arte de Antiguidade, Hélder Manuel Ribeiro
Coutinho como arqueólogo responsável pelas escavações nas ruínas do Montinho
das Laranjeiras dá a público um trabalho sobre estas ruínas. (6)
A
musealização das ruínas da Villa
Romana do Montinho das Laranjeiras foi inaugurada no dia 9 de Setembro de 2005.
(7)
Chegados
à pequena povoação, verificámos que desde que saímos da vila percorremos 9,5 km .
Sabe-se que, desde Outubro de
1804, fazendo patrulhas e rondas, um destacamento do Regimento de Infantaria
14, comandado pelo tenente de caçadores, Francisco Paula de Brito Cabreira,
permanecia vigilante na região compreendida entre o Montinho das Laranjeiras e
a vila por ocasião da peste que deflagrava. (8)
A
“Cheia Grande” de 1876 / 77, como é de calcular, fez-se sentir aqui e nas
restantes povoação ribeirinhas de uma maneira muito pronunciada.
Entre o Montinho e as
Laranjeiras, segundo é tradição e nos foi transmitido oralmente, apareceu um
cadáver boiando, o qual, ao ser avistado por uma mulher, foi motivo de pavor
entre a população. (9)
Montinho das Laranjeiras. Vista do norte. Foto JV, 2012 |
A
pequena povoação apresentava uma arquitectura preservada, destacando-se os
poiais onde os aldeões se sentavam a olhar o rio. (11)
Depois
de ter sido abastecido por um poço público, que servia também as Laranjeiras e
a Casa Velha, passou a ser servido por cinco fontanários através de um furo
artesiano. Hoje a povoação, tal como todos os montes do rio, incluindo a Corte
das Donas, já possui saneamento básico que entrou em funcionamento no dia 14 de
Maio de 2010,ainda que a obra estivesse concluída desde o Verão de 2009,
esperando pela construção da respectiva ETAR. Para contornar a situação
existente foi construída uma fossa sendo limpa e esvaziada regularmente através
de limpa-fossas e tratamento primário do efluente.
O
empreendimento implicou um investimento de cerca de dois milhões e quatrocentos
mil euros, que comportou, igualmente, a melhoria dos acessos, como não podia
deixar de ser. (12)
As
Memórias Paroquiais de 1758 indicam o
sítio das Laranjeiras como tendo 20
vizinhos, o dos Guerreiros (do Rio)
com 17 e o Álimo (Álamo) com 15,
informando que estes três sítios estão
Rio abaixo, na margem do Guadiana.
Parece-nos
que o Montinho é considerado, na altura, agregado às Laranjeiras, que dos três
é o que terá maior população tomando em consideração os vizinhos existentes.
Silva
Lopes apresenta-nos em anexo à sua Corografia
um quadro do número de fogos de 1839 e o Montinho, igualmente, fazendo parte
das Laranjeiras apresenta 20. (13)
Devemos
ter em conta que em 1758 estas pequenas povoações pertenciam à freguesia de
Alcoutim mas ao termo (concelho) de Castro Marim.
Em
contrapartida, os sítios de Fornanzinhas com 50 vizinhos, Cortes de S. Tomé
(Corte Velha e Corte Nova) 20 cada, Monte Novo 10 e Zambujeiro pertenciam à
freguesia de Odeleite mas ao termo de Alcoutim.
No
Censo de 1991 apresentava 37 habitantes e tinha 21 edifícios.
Atendendo
à grande taxa de desertificação ocorrida nos últimos anos no concelho, a actual
população será muito menor.
_______________________________________
NOTAS
(1)
– Dicionário Onomástico da Língua
Portuguesa, Horizonte / Confluência, I Vol. 1993
(2)
- Alcoutim, Revista da C.M.A. nº 4 de Dezembro de 1996, p. 26
(3)
– Maravilhoso Guadiana, Francisco
Dias da Costa, 1991.
(4)
– Corografia do Algarve, 1841 (edição fac-similada em 1988), p 396
(5)
– A Arqueologia Romana do Algarve,
Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso Santos, 1971.
(6)
– As ruínas do Montinho das Laranjeiras,
Alcoutim, edição da Câmara Municipal de Alcoutim / Comissão de Coordenação
e Desenvolvimento Regional – Algarve.
(7)
– “Alcoutim Inaugura Estação Arqueológica” Alcoutim
– Revista Municipal nº 12 de Dezembro de 2005. p. 19.
(8)
– A Invasão de Junot no Algarve, Alberto Iria, Lisboa 2004 (edição
fac-similada), p. 234.
(9)
– Informação prestada pelo Sr. António Patrocínio dos Santos por volta de 1970.
(10)
– Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 15 de Abril de 1877,
presidida por José Joaquim Madeira.
(11)
- Guadiana - Rio Abaixo, Rio Acima -
Folheto Turístico Editado pela C.M.A.
(13)
– Corografia do Algarve, 1841, edição
fac similada em 1988.