terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Apagar calendário, esquece acontecimento?





Escreve

Gaspar Santos



Em França e na Bélgica fala-se a mesma língua, o francês. Haverá algumas diferenças, como é natural. Uma das diferenças ocorre no nome de alguns números e causa algum espanto perceber a sua razão de ser. É o caso do numeral setenta.

Os Belgas dizem: septante, septante et un, septante deux, septante trois…etc.

Os franceses dizem: soixante dix, soixante onze, soixante douze, soixante treize...etc

Mas se pesquisarmos junto das populações, uma grande percentagem, tanto de franceses como de belgas não sabe por que é assim… Já esqueceram!

Conheço um Professor Catedrático Belga da área de letras a trabalhar numa Universidade de Lisboa que sabe desta diferença linguística, mas desconhecia totalmente as razões para tal.

 Isto não foi sempre assim. Ate 1870 dizia-se da mesma maneira em França e na Bélgica.

Soube disto em Alcoutim em 1955. Disse-mo um Chefe de Conservação de Estradas que então lá chefiava os cantoneiros e tinha estudado na Argélia Francesa. Ele deu-me alguns dias explicações de francês quando eu estava em Alcoutim a convalescer por ter feito
operação a uma apendicite aguda no Hospital Militar da Estrela. Começara em Outubro os meus estudos secundários e não queria perder todo o mês de Fevereiro de 1955 entre doença e convalescença e ele fez o favor de me ajudar.

A razão é a seguinte: Em 1870 houve uma guerra entre a Alemanha e a França. A França perdeu essa guerra e sentiu fortemente a humilhação. Então os franceses nem podiam ouvir falar em septante (70).
E a gramática foi alterada: passou a dizer-se soixante dix (70) e soixante onze (71), soixante douze (72), etc. Os belgas como nada tinha a ver com essa disputa mantiveram a maneira de se exprimir.

O que os franceses fizeram em 1870 depois que apanharam uma valente tareia dos alemães é o que o Governo quer fazer agora, segundo a Associação 25 de Abril denuncia nesta moção: apagar o dia 25 de Abril do calendário:

Des. de João Pedro Rodrigues


Moção

Um decreto-lei do governo, que está em discussão na Assembleia da República, determina que para trabalhadores das embaixadas, missões bilaterais e serviços consulares portugueses o 25 de Abril deixe de ser feriado obrigatório.

Apenas o 25 de Dezembro, dia de Natal e o 10 de Junho, Dia de Portugal, serão feriados obrigatórios.
Os restantes feriados, sem ultrapassar nove, entre os feriados portugueses e os do país onde a missão está instalada, serão escolhidos pelos chefes da missão.

Tendo em atenção que as embaixadas são território nacional, não deixa de ser surpreendente que alguém pretenda, por esta via, suprimir o Dia da Liberdade e impedir que trabalhadores portugueses possam comemorar o dia fundador da nossa Democracia.

De há muito que está claro que o actual governo de Portugal pretende acabar com tudo o que cheire a 25 de Abril! […]

A sua intenção revisionista tem vindo a ser mascarada, com argumentos de “dívidas e memorandos” que têm servido de justificações para as alterações de natureza económica, mas principalmente social, que têm vindo a impor ao país.

Com as muito nefastas consequências, que todos vimos sentindo na pele.

Pois bem, as máscaras começam a cair e coube ao ministro dos Negócios Estrangeiros o primeiro acto a descoberto.

Com esta iniciativa, torna-se claro que se prepara a abolição do 25 de Abril como feriado nacional. Não é, no fundo, surpreendente. Era claro que já a anterior abolição dos feriados do 5 de Outubro e do 1.º de Dezembro, comemorativos da Revolução Republicana e da independência nacional, visava preparar o terreno para a supressão da memória dos principais acontecimentos históricos que estão na génese do Estado independente, livre e democrático, do Estado de Direito que hoje temos em Portugal e são a base da luta dos portugueses contra o desígnio mais vasto e inconfessado de quem está hoje no exercício do poder, que é o da substituição do regime democrático conquistado com o 25 de Abril por um outro tipo de regime, mais ou menos autoritário.

Contra isso, contra a destruição do Portugal de Abril, lutaremos sem desfalecimentos.

É nesse sentido que a Assembleia-Geral da Associação 25 de Abril, reunida a 15 de Dezembro de 2012, por unanimidade:

1. Repudia com veemência tal atitude revanchista e indigna do país que somos e dos cidadãos que prezam e honram a Liberdade e a Democracia que conquistámos, a 25 de Abril de 1974.

2. Apela a todas as organizações cívicas e aos cidadãos em geral, que se reclamam da Liberdade, da Democracia e da Justiça Social, a uma mobilização e luta pela não aprovação deste desejo do governo.
3. Apela à consciência dos deputados da Assembleia da República, que têm o dever de se opor a medidas que tendam a pôr em causa o regime democrático, a que não aceitem e aprovem a medida da supressão do 25 de Abril como feriado nacional, em todo o território de Portugal, que inclui, evidentemente, o das suas embaixadas e outras representações diplomáticas
.
Outra atitude manchará inexoravelmente a sua acção, tornando-os responsáveis pela consumação de um acto verdadeiramente anti-patriótico.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2012