Escreve
Daniel Teixeira
OS VENDEDORES NO MONTE
Como se deve saber e até pela
elementar lógica se chega lá, quanto maior é o povoado maior é o número dos
seus comerciantes. A razão também é de lógica elementar, porque havendo mais
pessoas maior é o volume das transacções e isso implica como é claro que exista
quem as intermedeie.
No Monte de Alcaria Alta que na
minha altura talvez fosse dos maiores das redondezas, havia a emblemática
taberna/mercearia/armazém da Ti Inácia que antes fora dos pais (ainda conheci a
mãe dela e não me recordo se conheci o pai, Pereira, se não estou enganado).
Havia o Ti Zé Luís, com botões e
linhas de cozer, que vivia para as bandas entre - o - Além (quer dizer sem ser
bem Além e já tendo deixado de ser Rossio), o Chico Artur que negociava gado
por fora da terra e um outro (Senhor Manuel Vicente) na zona da praça que pelo
que me apercebi só negociava com gado.
A nível das necessidades básicas
e sem serem propriamente comerciantes havia um tosquiador barbeiro e um
barbeiro (ocasional, este) acontecendo que o primeiro vendia também tabaco. Era
o Ti Marcos já aqui falado por causa das coxas de rã e pela sua preocupação
estética nos ornamentos tosquiados nas bestas.
O barbeiro ocasional (Pereira
também, salvo erro) era um moço mais novo e uma vez apanhou-nos uma lebre com o
cajado depois de os cães que levávamos a terem cansado. Nem nos deu cavaco,
meteu a lebre na sacola e continuou a sua vida.
Ainda fizemos uma embaixada para
ir falar com ele a sua casa mas a nossa diplomacia falhou estrondosamente por
timidez: dos três que fomos nenhum teve coragem de falar no assunto e os nossos
argumentos tinham sido minuciosamente estudados: pelo menos uma parte da lebre
pertencia-nos se falhasse a exigência da totalidade dela. Falhou tudo e
acabámos por debandar de casa dele usando o argumento da raposa e das uvas
adaptado: «Deixa, por esses montes há mais lebres...».
Bem, o comércio não devia ser
famoso, em qualquer dos casos aqui falados mas numa terra onde ainda circulava
muito pouco dinheiro, tudo o que viesse era bom. No resto ia-se a Giões onde se
encontrava o resto daquilo que poderia fazer falta. A bica do tal senhor que só
ligava a máquina (de um bico) depois de se pedir a bica para poupar gás (agora
há por lá cafés modernos) e antes disso havia as Festas com feira, onde era
tradicional beber-se um copinho de salsaparrilha.
A festa de Giões, salvo erro só
fui a uma, era organizada pela Igreja (pelo Padre) e tinha uma parte que fazia
leilão de bolos ofertas das senhoras da aldeia e não só. O meu tio Zé Teixeira
era o leiloeiro e tentava arrancar o máximo dos lances, como era seu dever,
colocando qualidades nos bolos que por vezes eram prejudicados pela falta de
beleza: tocava ao sentimento, na falta que o dinheiro fazia à Igreja, referia a
simpatia da ofertante e por vezes fazia mesmo venda «agressiva», ameaçando
retirar o produto do leilão se o lance não subisse, enfim...
Ora nesse dia estava ele no
palanque com o microfone e estava no quem dá vinte, quem dá vinte e um, etc.
etc. quando a meio do vinte e um interrompe com o «Corram, corram!! Corram à
cerca da igreja que o restolho está a arder!»
Era quase fatal que isso
acontecesse por ali porque os fogueteiros parece que tinham sebo nas mãos e
aquilo era foguetada a torto e a direito. Mas o que eu achei piada (já ia tendo
sentido de humor) é que acabado o serviço dos ocasionais bombeiros, para aí
quinze minutos se tanto, lá estava ainda o meu tio com o bolo nas mãos e assim
que as coisas acalmaram passou ao lance seguinte: «Quem dá vinte e
cinco...vinte e seis, etc.». Ele sozinho e sem se mexer dali já tinha metido
mais quatro lances na jogada...