quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações, XLIII




Escreve

Daniel Teixeira

OS VENDEDORES NO MONTE

Como se deve saber e até pela elementar lógica se chega lá, quanto maior é o povoado maior é o número dos seus comerciantes. A razão também é de lógica elementar, porque havendo mais pessoas maior é o volume das transacções e isso implica como é claro que exista quem as intermedeie.

No Monte de Alcaria Alta que na minha altura talvez fosse dos maiores das redondezas, havia a emblemática taberna/mercearia/armazém da Ti Inácia que antes fora dos pais (ainda conheci a mãe dela e não me recordo se conheci o pai, Pereira, se não estou enganado).

Havia o Ti Zé Luís, com botões e linhas de cozer, que vivia para as bandas entre - o - Além (quer dizer sem ser bem Além e já tendo deixado de ser Rossio), o Chico Artur que negociava gado por fora da terra e um outro (Senhor Manuel Vicente) na zona da praça que pelo que me apercebi só negociava com gado.

A nível das necessidades básicas e sem serem propriamente comerciantes havia um tosquiador barbeiro e um barbeiro (ocasional, este) acontecendo que o primeiro vendia também tabaco. Era o Ti Marcos já aqui falado por causa das coxas de rã e pela sua preocupação estética nos ornamentos tosquiados nas bestas.

O barbeiro ocasional (Pereira também, salvo erro) era um moço mais novo e uma vez apanhou-nos uma lebre com o cajado depois de os cães que levávamos a terem cansado. Nem nos deu cavaco, meteu a lebre na sacola e continuou a sua vida.

Ainda fizemos uma embaixada para ir falar com ele a sua casa mas a nossa diplomacia falhou estrondosamente por timidez: dos três que fomos nenhum teve coragem de falar no assunto e os nossos argumentos tinham sido minuciosamente estudados: pelo menos uma parte da lebre pertencia-nos se falhasse a exigência da totalidade dela. Falhou tudo e acabámos por debandar de casa dele usando o argumento da raposa e das uvas adaptado: «Deixa, por esses montes há mais lebres...».

Bem, o comércio não devia ser famoso, em qualquer dos casos aqui falados mas numa terra onde ainda circulava muito pouco dinheiro, tudo o que viesse era bom. No resto ia-se a Giões onde se encontrava o resto daquilo que poderia fazer falta. A bica do tal senhor que só ligava a máquina (de um bico) depois de se pedir a bica para poupar gás (agora há por lá cafés modernos) e antes disso havia as Festas com feira, onde era tradicional beber-se um copinho de salsaparrilha.

A festa de Giões, salvo erro só fui a uma, era organizada pela Igreja (pelo Padre) e tinha uma parte que fazia leilão de bolos ofertas das senhoras da aldeia e não só. O meu tio Zé Teixeira era o leiloeiro e tentava arrancar o máximo dos lances, como era seu dever, colocando qualidades nos bolos que por vezes eram prejudicados pela falta de beleza: tocava ao sentimento, na falta que o dinheiro fazia à Igreja, referia a simpatia da ofertante e por vezes fazia mesmo venda «agressiva», ameaçando retirar o produto do leilão se o lance não subisse, enfim...

Ora nesse dia estava ele no palanque com o microfone e estava no quem dá vinte, quem dá vinte e um, etc. etc. quando a meio do vinte e um interrompe com o «Corram, corram!! Corram à cerca da igreja que o restolho está a arder!»

Era quase fatal que isso acontecesse por ali porque os fogueteiros parece que tinham sebo nas mãos e aquilo era foguetada a torto e a direito. Mas o que eu achei piada (já ia tendo sentido de humor) é que acabado o serviço dos ocasionais bombeiros, para aí quinze minutos se tanto, lá estava ainda o meu tio com o bolo nas mãos e assim que as coisas acalmaram passou ao lance seguinte: «Quem dá vinte e cinco...vinte e seis, etc.». Ele sozinho e sem se mexer dali já tinha metido mais quatro lances na jogada...