Escreve
Álvaro Pais
... ... ... ...
De novo na estrada. Uma guinada a leste. Vamos em direcção a Alcoutim, a «vila pequenina», como estamos, acostumados a ouvir chamar-lhe ternamente, em apreciadas colunas deste jornal. Pequenina, mas muito asseada e de uma paz e sossego encantadores, ao menos por já raros neste barulhento mundo em que vivemos. À porta do café três rapazes conversavam pacatamente. Junto do rio, dois guardas vigiavam pachorrentamente. Mas qualquer coisa no ambiente nos sorria, nos acenava, nos acarinhava.
De novo na estrada. Uma guinada a leste. Vamos em direcção a Alcoutim, a «vila pequenina», como estamos, acostumados a ouvir chamar-lhe ternamente, em apreciadas colunas deste jornal. Pequenina, mas muito asseada e de uma paz e sossego encantadores, ao menos por já raros neste barulhento mundo em que vivemos. À porta do café três rapazes conversavam pacatamente. Junto do rio, dois guardas vigiavam pachorrentamente. Mas qualquer coisa no ambiente nos sorria, nos acenava, nos acarinhava.
Sei das aspirações de Alcoutim e acho-as justíssimas. Mas que, quando as satisfizerem, não lhe tirem este cunho de graciosidade e precioso arcaísmo, que a distingue entre tantas! Façam-lhe as “armadilhas” do turismo à volta, mas não a abafem, não a desvirtuem, como têm feito a outras terras, não lhe tirem o encanto insubstituível que a reveste.
Dão nas vistas os capiteis das colunas, que separam as três naves, um pouco desproporcionadas, mas interessantes, embora de estilo pouco definido, e uma pia de água benta envolvente e tetralobulada.
A visita tinha de ser rápida e não dava tempo a verificar a exactidão dos apontamentos que outrora tirara, donde constava um baixo relevo no baptistério, colorido e muito aceitável, representando o Baptismo de Jesus, e cercado por uma orla onde se lia a a enigmática legenda: “1663 – Capitulum Sacrosantae Lateranensis Ecclesiae”.Que poderia ter o Cabido da Igreja de Latrão com Alcoutim?
Também anotara duas imagens antigas com interesse – uma
Santa Catarina e uma Nossa Senhora com o Menino, a primeira do século XVII e a
segunda do XVI. Existirão?
No altar da nave do Evangelho, havia uma telas, muito
estragadas – Cristo crucificado, S. Miguel Purgatório e mais três pequenas com
imagens de santas mas cobrindo pinturas em tábua muito melhores, Alberto Sousa
e eu anotámos que “tudo isto, a não ser aproveitado na reconstrução, devia ir
para um museu”. O que lhe teria acontecido?
Havia na igreja mais três painéis de pintura não boa – um
Nascimento, uma “Entrega do Escapulário do Carmo” e uma “Visitação”. Todas
estas peças, mesmo que não tenham grande valor artístico, têm-no iconográfico e
histórico e nunca se devem destruir nem alienar.
É claro que também não pude rever os paramentos e peças de
ourivesaria que anotara: uma casulo francesa, do século XVI, com sebastos de
veludo, panos laterais de seda lavrada e guarnições de brocatel; e outra casulo
verde, também do século XVI, em damasco com sebastos de brocatel; uma custódia
de prata dourada, do século XVII, em dois corpos sobrepostos, havendo no
superior uma estatueta de N. Senhora da Conceição; dois cálices de prata
branca, um liso, outro cinzelado, do século XVII: e um cofre para a guarda da
Eucaristia, de prata e madre-pérola.
Os retábulos da capela-mor e da colateral esquerda
pareceram-me restaurados, por sinal com desvirtuamento das suas
características, principalmente o segundo, que classificáramos como do século
XVI ou princípios do XVII, apondo esta observação: “ se não for aproveitado no
restauro, deve ser destinado a um museu”.
À saída da paroquial, ainda fui mostrar à minha gente a
lápide da Misericórdia a indicar a altura da cheia de 1876 e apontar-lhe, de
longe, a pitoresca e algo sumptuosa capela de Nossa Senhora da Conceição, donde
se goza razoável panorama do rio, pueblo
fronteiriço de S. Lucar e cerros
circunvizinhos.
Propriedade da Câmara Municipal; já existia em 1712 e deve ter
sido restaurada logo após a Restauração de Portugal, quando D. João IV difundiu
largamente o culto da Padroeira de Portugal, pois certamente é mais antiga,
como o afirma o seu pórtico de arco ogival e ornamentos retintamente
manuelinos. Lá dentro tem um interessante retábulo de talha dourada e pintada,
do século XVII, encimado pelo escudo português coroado, aos lados do qual se
vêem a palma e o ramo de cedro – alusões aos passos bíblicos adaptados à
Virgem; “exaltada com a palma em Cades e como o cedro no Líbano”.
Nestas evocações chegáramos àqueles três banquinhos frente
ao rio, tão acolhedores e onde se deve estar tão bem em noites calmas de verão,
quando uns sinos se fizeram ouvir. Instintivamente voltámos os olhos para a
torre, mas logo percebemos que o som... vinha de Espanha. Curioso! Estávamos em
Portugal, ouvindo tocar os sinos em Espanha! Mas – mais curioso ainda –
Começámos a ouvir uma voz que dizia: “En nombre del Padre y del Hijo... “ Um
alto-falante transmitia a missa de San Lucar, inundando de religiosidade todo o
“pueblo”, os campos, o rio, e a povoação portuguesa fronteiriça. Nós, em
Portugal, ouvimos missa em Espanha!
Achei curioso, prático, perfeitamente actualista,
“aggiornante” e – vamos lá! – triunfalista
(encaixem os “anti”!. Seria muito difícil suprimir, o triunfalismo se é preciso
ganhar uma causa! De contrário, virá o “derrotismo”.
Impunha-se a partida, tanto mais se aproximava a hora do almoço, programado para “piquenique”. Este realizou-se bucolicamente junto à ribeira da Foupana e... foi coroado em glória pela garrafa de champanhe com o prior de Cachopo, fidalga e fraternalmente, celebrou a nossa passagem pelo seu “vaticano”, depois de se ter apreciado a obra de persistência e dedicação que representa aquela igreja. Mas isso fica para outra vez!
Impunha-se a partida, tanto mais se aproximava a hora do almoço, programado para “piquenique”. Este realizou-se bucolicamente junto à ribeira da Foupana e... foi coroado em glória pela garrafa de champanhe com o prior de Cachopo, fidalga e fraternalmente, celebrou a nossa passagem pelo seu “vaticano”, depois de se ter apreciado a obra de persistência e dedicação que representa aquela igreja. Mas isso fica para outra vez!