quinta-feira, 6 de junho de 2013

A descoberta do amor...




Escreve

Amílcar Felício



Estávamos nos princípios da década de sessenta do século passado. Teria para aí os meus 14, 15 ou 16 anos no máximo. Tinha por hábito passar quinze dias ou um mês de férias em Vila Real de Santo António e o meu primo Zé Manel, retribuía com o mesmo tempo de férias em Alcoutim sua Terra Natal, de aonde tinha saído ainda menino. O Turismo estava ainda a despontar no Algarve e construía-se na altura em Monte Gordo o primeiro grande Hotel – o Hotel Vasco da Gama – aonde os trabalhadores simpaticamente nos deixavam tomar banho na piscina ao fim do dia. Era a cereja em cima do bolo!
 
Um aspecto de Monte Gordo nos anos 60.
 Foto de Artur Pastor, in blog.turismodoalgarve.pt 
Certo dia nos extensos areais ainda desérticos da praia de Monte Gordo, que mais pareciam naqueles tempos verdadeiros viveiros naturais de conquilha, de amêijoa e de lingueirão, fui picado por uma melga – a melga do amor – pois naqueles tempos não havia os potentes insecticidas que existem hoje em dia como os Computadores, as Internetes, as Playstations, os Ipades, os Iphones e os “Ai” não sei quantos que por aí abundam e que vão matando ao que parece, tudo o que mexe à sua volta! Às vezes pergunto-me: será que ainda haverá melga que lhes resista? Ou será mais uma espécie em vias de extinção acelerada, neste mundo cada vez mais coisificado, árido e robotizado?
 
De regresso a Alcoutim neste país de poetas com tanta poesia de pé quadrado à mistura é verdade e aonde me incluo naturalmente, e numa noite de calmaria em que servia de pasto às abundantes melgas que vinham da Ribeira naquela época, saiu-me “isto” que vos conto mais em baixo. Para vosso descanso, informo desde já de que todos os poemas que fui escrevinhando desde então, foram sendo religiosamente arquivados no caixote do lixo.
 
Mas para azar dos nossos leitores, este por ser o primeiro e corresponder à primeira paixoneta ficou-me na memória e até hoje só eu e a “melga” suponho (já nem me lembro acreditem!), tínhamos conhecimento dele! Assim, tenham lá paciência ou então para vos recompensar, riam-se que eu faço o mesmo e não vos levo a mal claro... Contudo, analisando à distância e sem falsa modéstia penso que a raiva de alguém se sentir prisioneiro, assim como o choro calado das feridas da alma ou o ardor e o vazio que se misturam naquele sentimento quando genuíno, estão razoavelmente bem passados para o papel ainda por cima vindo de um “teenager inconsciente” com 14, 15 ou 16 anos, que acabava de fazer a “Descoberta do Brasil” e das suas insondáveis riquezas!
 

Melga desgraçada!












Oh Melga desgraçada quão torturas,
sem dó, carinho e nem piedade!
E vens pousar à noite na solidão,
de um coração,
que vive roído pela saudade!

Mas donde vens oh das Melgas a Rainha,
com tua bela estória fabulosa!
Com tuas belas asas matraqueando,
e espedaçando,
a solidão tão calma e monstruosa!

Vens eu sei, voando de tão longe,
qual vampiro faminto, esmagador!
Pousas mansinho para depois picar,
e avivar,
a febre doentia de um amor!