Escreve
Daniel Teixeira
POVOAMENTO E ABANDONO
Esta minha crónica foi em grande parte despertada pelo
excelente texto do meu parente António Afonso sobre o Monte dos Medronhais que pode ser
lida aqui e que me levantou algumas questões em quase resposta ao seu
texto. Para quem não leu ainda essa crónica de António Afonso devo dizer que o
que me levanta curiosidade e questões é o facto de haver no Concelho de
Alcoutim, e por esse Portugal rural fora seguramente, Montes (Povoações)
unifamiliares.
Ora, na minha perspectiva, a unifamiliaridade de povoamento,
ou o número de habitantes por local, tem a ver sobretudo com o volume dos
recursos disponíveis a ser explorados através de uma dada localização
geográfica. Penso que seja lógico pensar-se assim e a própria experiência
adquirida nos restantes Montes, sejam eles do Concelho de Alcoutim ou outro,
demonstra de alguma forma isso.
Quando eu falo de Alcaria Alta, por exemplo, pergunto-me
quase sempre, directa ou indirectamente, porque existe uma aglomeração e uma
relativamente forte concentração habitacional em espaços que em termos de
construção são de difícil trato.
Já referi, por exemplo, que a casa da minha avó foi
construída em cima de um rochedo que obrigou ao enchimento em pedra solta e
provável entulho de uma grande parte do seu corpo para nivelamento do conjunto
habitacional da casa, assim como tenho referido locais de difícil acesso diário,
cuja justificação única que se poderia apontar seria o facto de a posse da
propriedade a isso ter obrigado.
Mas também já referi que o meu avô tinha uma arramada a
cerca de cem metros de casa que não era utilizada senão para armazenamento de
palha, quando na verdade os animais e ele mesmo, ficariam muito melhor servidos
nessa outra localização, não fora o contra de as bestas terem de comer durante
a noite ou madrugada.
Isto para dar a entender que, na minha opinião, existia um
factor que levava ao agrupamento habitacional que se não prendia (pelo menos
exclusivamente) com a falta de alternativas vistas agora, na nossa perspectiva,
mas que requeria uma relação de vizinhança tão aproximada quanto possível.
Ora, quando aparece, nas crónicas, neste caso no Alcoutim
Livre, um Monte isolado e unifamiliar o bichinho da minha curiosidade é
despertado pela contradição entre o narrado e a cultura por mim construída. Sei
por exemplo, que no litoral, as «hortas» são na sua grande parte separadas
entre si pelas delimitações dos terrenos e sua pertença, e logicamente
pelo facto de constituírem unidades específicas, alegadamente auto-suficientes.
Quando isso não acontece, ou seja, quando existe o caso de
partilhas, aqui nos arredores de Faro, por exemplo, que «desmembram» a
propriedade inicial, mantém-se a separação apesar de haver partilha conjunta de
um recurso, neste caso, a água ou a nora, mais especificamente.
Assim, o nosso colaborador e amigo Dr. João Manuel Brito
Sousa, aqui da zona montanheira dos arredores de Faro, mais concretamente
Braciais - Patacão, refere textualmente o seguinte: «Lembro-me muito bem dessa
língua de terra, que a minha mãe tinha lá em baixo, aonde às vezes a rega
calhava de noite, pois a água vinha de uma nora de cinco ou seis herdeiros, e
muitas vezes eu ia com o Manel fazer a rega, de candeeiro de carro na mão, às
quatro da matina.» aqui (link).
Isto para dizer que a tendência para construção de habitação
nesta zona é a proximidade com o terreno de cultivo, apesar de...conforme vimos
acima... Ora, em Alcaria
Alta (o Monte que melhor conheço) este processo de agregação
parecia desobedecer a todas as regras lógicas, segundo a nossa (ou a minha)
lógica actual.
Nunca vi ninguém aproximar-se (em termos habitacionais) de
um poço, nem de uma parte de propriedade que fosse mais relevante no globo da
sua propriedade. Foram sim os poços que se aproximaram dos Montes (conforme
também foi referido já pelo José Varzeano quando da construção em Alcaria Alta do poço
comunitário dos Tomázes - à entrada do Monte para quem vem de Giões pela
estrada).
E por outro lado foram os terrenos ou hortas mais longínquas
da habitação que foram relegadas para culturas ou planos secundários. Já aqui
falei da Horta do meu Tio Afonso, nas Eiras Velhas, próxima do Ribeirão, à qual
era dedicada muito pouca atenção e que praticamente se limitava às operações de
colheita de frutos (uvas sobretudo) e plantação de cevada ou centeio.
Esta crónica já vai longa e ficam muitas questões para
esclarecer, e vão ficar, mas o que mais me intriga é realmente a
unicelularidade deste referido Monte dos Medronhais.
Ficará para uma próxima oportunidade tentar esclarecer se se
trata de um Monte à Alentejana, ou se se trata de um caso excepcional dentro
daquilo que considero ser a ancestral lógica serrenha, acabando por ter
(por uma questão de uso ou prestígio) um topónimo de colectivo quando na
verdade se trata de uma habitação isolada.