sábado, 8 de junho de 2013

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - L



  
Escreve

Daniel Teixeira




POVOAMENTO E ABANDONO

Esta minha crónica foi em grande parte despertada pelo excelente texto do meu parente António Afonso sobre o Monte dos Medronhais que pode ser lida aqui e que me levantou algumas questões em quase resposta ao seu texto. Para quem não leu ainda essa crónica de António Afonso devo dizer que o que me levanta curiosidade e questões é o facto de haver no Concelho de Alcoutim, e por esse Portugal rural fora seguramente, Montes (Povoações) unifamiliares.

Ora, na minha perspectiva, a unifamiliaridade de povoamento, ou o número de habitantes por local, tem a ver sobretudo com o volume dos recursos disponíveis a ser explorados através de uma dada localização geográfica. Penso que seja lógico pensar-se assim e a própria experiência adquirida nos restantes Montes, sejam eles do Concelho de Alcoutim ou outro, demonstra de alguma forma isso.

Quando eu falo de Alcaria Alta, por exemplo, pergunto-me quase sempre, directa ou indirectamente, porque existe uma aglomeração e uma relativamente forte concentração habitacional em espaços que em termos de construção são de difícil trato.

Já referi, por exemplo, que a casa da minha avó foi construída em cima de um rochedo que obrigou ao enchimento em pedra solta e provável entulho de uma grande parte do seu corpo para nivelamento do conjunto habitacional da casa, assim como tenho referido locais de difícil acesso diário, cuja justificação única que se poderia apontar seria o facto de a posse da propriedade a isso ter obrigado.

Mas também já referi que o meu avô tinha uma arramada a cerca de cem metros de casa que não era utilizada senão para armazenamento de palha, quando na verdade os animais e ele mesmo, ficariam muito melhor servidos nessa outra localização, não fora o contra de as bestas terem de comer durante a noite ou madrugada.

Isto para dar a entender que, na minha opinião, existia um factor que levava ao agrupamento habitacional que se não prendia (pelo menos exclusivamente) com a falta de alternativas vistas agora, na nossa perspectiva, mas que requeria uma relação de vizinhança tão aproximada quanto possível.

Ora, quando aparece, nas crónicas, neste caso no Alcoutim Livre, um Monte isolado e unifamiliar o  bichinho da minha curiosidade é despertado pela contradição entre o narrado e a cultura por mim construída. Sei por exemplo, que no litoral, as «hortas» são na sua grande parte separadas entre si pelas  delimitações dos terrenos e sua pertença, e logicamente pelo facto de constituírem unidades específicas, alegadamente auto-suficientes.

Quando isso não acontece, ou seja, quando existe o caso de partilhas, aqui nos arredores de Faro, por exemplo, que «desmembram» a propriedade inicial, mantém-se a separação apesar de haver partilha conjunta de um recurso, neste caso, a água ou a nora, mais especificamente.

Assim, o nosso colaborador e amigo Dr. João Manuel Brito Sousa, aqui da zona montanheira dos arredores de Faro, mais concretamente Braciais - Patacão, refere textualmente o seguinte: «Lembro-me muito bem dessa língua de terra, que a minha mãe tinha lá em baixo, aonde às vezes a rega calhava de noite, pois a água vinha de uma nora de cinco ou seis herdeiros, e muitas vezes eu ia com o Manel fazer a rega, de candeeiro de carro na mão, às quatro da matina.» aqui (link).

Isto para dizer que a tendência para construção de habitação nesta zona é a proximidade com o terreno de cultivo, apesar de...conforme vimos acima... Ora, em Alcaria Alta (o Monte que melhor conheço) este processo de agregação parecia desobedecer a todas as regras lógicas, segundo a nossa (ou a minha) lógica actual.

Nunca vi ninguém aproximar-se (em termos habitacionais) de um poço, nem de uma parte de propriedade que fosse mais relevante no globo da sua propriedade. Foram sim os poços que se aproximaram dos Montes (conforme também foi referido já pelo José Varzeano quando da construção em Alcaria Alta do poço comunitário dos Tomázes - à entrada do Monte para quem vem de Giões pela estrada).

E por outro lado foram os terrenos ou hortas mais longínquas da habitação que foram relegadas para culturas ou planos secundários. Já aqui falei da Horta do meu Tio Afonso, nas Eiras Velhas, próxima do Ribeirão, à qual era dedicada muito pouca atenção e que praticamente se limitava às operações de colheita de frutos (uvas sobretudo) e plantação de cevada ou centeio.

Esta crónica já vai longa e ficam muitas questões para esclarecer, e vão ficar, mas o que mais me intriga é realmente a unicelularidade deste referido Monte dos Medronhais.

Ficará para uma próxima oportunidade tentar esclarecer se se trata de um Monte à Alentejana, ou se se trata de um caso excepcional dentro daquilo que considero ser a ancestral  lógica serrenha, acabando por ter (por uma questão de uso ou prestígio) um topónimo de colectivo quando na verdade se trata de uma habitação isolada.