quinta-feira, 20 de junho de 2013

Crónicas e Ficções soltas - Alcoutim - Recordações - LI




Escreve

Daniel Teixeira




O ESTRANHA LEVEZA DO BUCÓLICO

 Para mim, e para a larga maioria das pessoas, penso eu, dissertar sobre a desertificação humana de espaços não implica que o estudante se debruce exclusivamente sobre aquilo que podem ser consideradas as razões para que a tal de desertificação humana (sócio - económica) tenha tido lugar.

Desertificação existe em qualquer lado, sendo que nuns locais pode ser mais dramática nos seus resultados do que noutros. Aqui em Faro (cidade do Algarve cercada por mares e rias, campinas e um pouco de serra baixa) é recorrente o debate sobre a desertificação que se verifica na tradicional e histórica Baixa Farense.
Tradicionalmente e psicologicamente acoplada ao pequeno comércio, são relativamente poucas as pessoas que não atribuem ao surgimento das grandes superfícies e consequente deperecimento dos pequenos negócios habituais o actual estado (lastimável) em que a mesma baixa farense se encontra. Contudo aqui será necessário saber o que nasceu primeiro, se o ovo populacional se a galinha comercial.

E na verdade isto é quase como a Bíblia: primeiro foi o verbo humano. E por mais que seja difícil sustentar esta tese o certo é que o comércio foi crescendo à medida que as pessoas se concentravam nos iniciais passeios públicos e que um factor terá influenciado o outro em reciprocidade. E depois foi também o ovo populacional que se foi indo embora obrigando o pequeno comércio a ir progressivamente e em reciprocidade fechando as portas.

Bem argumentaram os pequenos comerciantes em carência, contra a besta monopolista, trazendo argumentos daqueles de puxar ao coração, mas esses argumentos não sustiveram, provavelmente nem por um segundo, o movimento que se desenhava havia já bastante tempo e que a necessidade de adaptação obrigava a ter tido em conta.

Ora, e por falar de coisas do coração, embora o risco pessoal ao escrever isto seja pelo menos maior que zero, eu até por mim mesmo, conheço de larga data as razões, quase sempre repetidas em primeira resposta, sobre aquilo que são os resultados de uma deslocação à Serra e à terra dos seus antepassados: «é um descanso extraordinário, não se ouve barulho nenhum, fugimos a este ambiente da cidade, usufruímos daquela paz que não há em mais lado nenhum, enfim...adorei lá estar.»

Contudo, também a minha experiência pode ainda ser cientificamente cínica para reconhecer que uma parte substancial das pessoas (não quero dizer todas porque existe sempre a possibilidade da excepção à regra) não fica por lá mais de uma semana, ou mesmo duas.

E não fica porque a tal «paz» também cansa e ouvir crescer as ervas não chega para contentar os nossos tímpanos. Beber aquele excelente café de cafeteira, de borras coadas ou assentadas, é óptimo, mas não dispensa a bica de máquina. Levar uns nacos de queijo (que até pode ser de cabra ou ovelha) comprados na grande superfície citadina pode dar um ar de graça campestre, mas dá só o ar.

Aboletar-se à volta de um pão caseiro (citadino) descascando-lhe as côdeas e mesmo alinhavando uma açorda à serrenho é simpático, meter dois ou três ovos a escalfar na água é bonito, mas...há sempre uma quantidade grande de «mas», porque os nossos hábitos são provisoriamente «mestiços» com uma larga percentagem de negritude urbana.

Por isso não façamos, na minha opinião, alarde do nosso extremado gosto pelas nossas origens, sobretudo e por maioria de razão porque nos pirámos de lá - lembremo-nos sempre disso -  e isso, o piranço, terá sido seguramente por alguma razão ou por muitas.

Será preciso encontrar uma forma de convivência entre as duas realidades de que somos feitos, ou de que nos fomos fazendo e isso não depende unicamente, nem pode depender de nós mesmos nem da nossa esforçada boa vontade de coração ou simulação bem intencionada de que estamos ou estivemos, enquanto lá estivemos, no melhor dos mundos.

Estive em França, pouco tempo depois do Maio de 1968 e o «make love not war» lá no sítio levou muitos reformados antecipados a enveredarem pelos campos: as casas eram relativamente baratas e espaçosas, o terreno para plantio estava mesmo ali e nos primeiros tempos as pessoas que fui conhecendo fizeram verdadeiros milagres de inovação agrícola: depois cansou.

A diferença via-se em cerca de seis meses: o regadio antes viçoso estava, passado esse tempo, mais para lá do que para cá, os coelhos e galinhas antes cuidadosamente albergados em espaços largos passeavam por tudo quanto era sítio e achar um ovo posto por uma galinha e acertar no teste da flutuação com uma data de postura aceitável era assim quase como ganhar um prémio.

Por isso não tenhamos ilusões porque a nossa boa - vontade e o nosso idealismo bucólico não vai chegar: é preciso um feedback razoável do lado da parte mais fraca, que é aquela que é tão levemente sustentada por nós mesmos. Será preciso que as condições nos locais se aproximem também da nossa capacidade de encaixe. Tem de haver um movimento de aproximação nos dois sentidos e com uma larga participação das condições envolventes.

Neste momento, e por aquilo que vou sabendo, a vida em ambiente de aldeia pode tornar-se relativamente aceitável para um citadino adoptado. Tudo o que for abaixo disso em termos de ambiente e condições estruturais não vai conseguir captar voluntários de longo fôlego. Aos Montes e terriolas mais pequenas resta fazer o tal apelo ao coração que tão pouco resistente infelizmente é e manter uma salutar alternância entre o coração e a necessidade prática.


Os nossos avós (e nalguns casos os nossos país) foram por lá ficando porque era ali a vida deles. A nossa vida já não é lá e na maior parte dos casos nunca foi. Um pouco de realismo nunca fez mal a ninguém e lutar contra moinhos de vento pode trazer resultados inversos e levar-nos de vez a jogar a toalha ao chão neste complexo ringue social.