terça-feira, 24 de julho de 2012

A guerrilha do Remechido no concelho de Alcoutim

Já fizemos algumas referências documentais à guerrilha que se instalou na serra e isto devido à necessidade de o fazer, motivado pelos assuntos abordados e especificamente quanto à lenda e à tradição oral que foi passando de geração em geração com as inevitáveis deturpações.

Agora iremos dar testemunho do que conseguimos encontrar, nomeadamente nos arquivos locais.

Referimos o incêndio da Câmara, principalmente a perda dos títulos que obrigavam ao pagamento dos foros, a venda da palha armazenada pelos rebeldes, entre outras coisas.

Ainda em 25 de Março de 1863 (quarenta anos depois!) foi expedido para o Governador Civil do distrito um inventário, mas só com os nomes dos foreiros, já que os títulos e escrituras, segundo constava, levaram descaminho pelos acontecimentos de 1833. (1) Reparar que não se é claro no assunto e se limite apenas a referir “acontecimentos”.

Figura marcante desta guerrilha é o celebrado Remechido que teria incendiado as repartições da vila por duas vezes, onde não encontrou dinheiro. (2)

A presença por estas paragens do “homem da serra”, capitão guerrilheiro miguelista que espalhou o terror entre as falanges liberais, é um facto.

José Joaquim de Sousa Reis nasceu em Estombar em 1797.

Remechido

Cursou o Seminário de Faro, onde se distinguiu no Latim e na Dogmática. Chegou a receber as primeiras ordens.

Casou antes do voto de presbítero, com D. Maria Clara Bastos, sobrinha do capitão de ordenanças, Manuel Inácio.

Remechido, assim chamado pela esposa, em mercê do muito que “mexeu” e “remexeu” para se soltar do vínculo da igreja e construir a seu gosto o ninho comum, tomou por apelido de família “Remechido”, escrevendo-o sempre com um ch.

Miguelista ferrenho, emigrou em 1826 e regressou à Pátria em 1828, sendo nomeado capitão de ordenanças de espingarda no povoado de São Bartolomeu de Messines, onde construiu o seu lar.

Era baixo de estatura, escuro de tez, entroncado de corpo, a barba a roçar-lhe o peito, vestia a farda dos seus serrenhos, jaqueta azul de gola virada com botões amarelos, calça de pano escuro, da nossa fábrica, com folha inteira forrada de couro branco, sapatos brancos abotinados.
Duque da Terceira
Quando o Duque da Terceira desembarca em Alagoa, Remechido fugiu para a “serra” com uma hoste de guerrilheiros e espiando os movimentos dos constitucionais, hostilizou-os constantemente, incluindo as tropas de Sá da Bandeira.

Desceu ao Alentejo e como o General Molelos recusasse o seu auxílio, recrutou mais guerrilheiros por conta própria e com eles continuou a sua luta.

Depois da Convenção de Évora-Monte, depôs as armas por algum tempo.

Perseguido pelos liberais que procuravam vingar as suas proezas, foi-lhe incendiada a casa e brutalizados a mulher e os filhos. Foi então que organizou uma quadrilha que praticou as maiores violências.

As tentativas para o dominar eram baldadas: redobraram-se esforços por todos os modos imaginários, empregaram-se colunas volantes em todas as direcções. Tudo em vão. Prenderam-lhe outra vez a mulher e fazendo-a acompanhar das filhas que estavam em ADOLETE (Odeleite), perto de Alcoutim, conduzem-nas para a cadeia de Faro, havendo anteriormente sido capturado e morto no Azinhal o seu segundo filho, que apenas contava treze anos de idade.

D. Maria II
Numa luta desigual, foi aprisionado pelas tropas de D. Maria II, após apertado cerco na Portela da Corte dos Velhos, acompanhado de 248 guerrilheiros. Conduzido a Faro, foi julgado em conselho de guerra e fuzilado no Campo da Trindade em 2 de Agosto de 1838. (3)

Em 23 de Março de 1837, teve lugar na aldeia de Martim Longo uma sessão extraordinária da Câmara de Alcoutim.

Convocados todos os cidadãos probos do concelho a fim de se tomarem medidas eficazes para preservar os povos do concelho do flagelo dos salteadores e guerrilhas, a Câmara, depois de ouvir a opinião dos cidadãos presentes, acordou estabelecer nesta aldeia, uma força de vinte homens que rondando diariamente pela freguesia e vizinhas, as ponha a salvo dos roubos e mortes que um tal bando de malvados costuma perpetrar.

A Câmara pagaria as despesas que se fizessem com o arranjo do armamento que tem que se distribuir, assim como dando a cada indivíduo que faça parte da dita força, um pão de arrátel e meio por dia.

Porém, no dia seguinte e no mesmo local é modificado parte do que foi aprovado na sessão do dia anterior.

Atendendo a que, segundo notícias recebidas de todos os lados, os inimigos a bater são somente quatro salteadores, os quais por uma força de dez homens podiam ser batidos e dispersos, acordaram em suster por ora o efeito do acórdão do dia anterior, armando assim na aldeia de Martim Longo, como em Giões, uma força de dez a doze homens capazes, comandados por dois vereadores, os quais servindo gratuitamente se dispõem defender qualquer ponto ameaçado.

Martim Longo. Rua Direita, actual Rua Dr. Antero Cabral. Foto JV, 2010
Aprovou-se, igualmente, que sem demora, seria publicado em cada uma das freguesias, ao sair da missa conventual, o seguinte aviso: Todo o indivíduo seja obrigado a avisar e dar notícia de qualquer acontecimento que tiver lugar no seu monte e denunciar o lugar onde ache qualquer sujeito escondido sob pena de pagar de multa desde 1200 réis até 10.000 réis, conforme a gravidade do crime em que incorrer além de prisão e penas a que estiver sujeito pelas Leis Gerais do Reino.

Em 1838, (4) não compareceu na sessão camarária o Tenente-coronel do Batalhão Nacional de Vila Real de Santo António, como havia prometido.

Era duro e penoso para este concelho o recrutamento de elementos para aquele batalhão pela distância e incómodo que daí resultam, dando origem a funestas consequências.

Opina a Câmara, para ultrapassar esta situação, que se organizasse um pequeno corpo ou companhia sedeada neste concelho ficando independente do Batalhão de Vila Real de Santo António.

Em 25 de Abril seguinte, a Câmara acordou que se levasse ao conhecimento superior as arbitrariedades praticadas com o novo recrutamento para voluntários e linha pelo Governador Militar interino desta Praça.

Na sessão de 24 de Agosto, a Câmara aprovou, unanimemente, enviar ao Comandante da Força de Operações na Serra, o Coronel Fontoura, as felicitações, agradecendo a apreensão do chefe da guerrilha, o rebelde Remechido.

O recrutamento e incorporação no batalhão de Vila Real de Santo António continua a gerar polémica. (5) Queixam-se as autoridades militares da frouxidão e pouco zelo com que a Câmara e o Administrador do Concelho se tem empregado na prontificação dos indivíduos recrutados.

Perante a acusação defende-se a Câmara do seguinte modo:- ”Tem servido de obstáculo à não prontificação (...) a continuada presença dos Guerrilhas no concelho que tem feito que nenhuma autoridade possa cumprir o seu dever sem risco da sua vida”. A confirmar tal situação, faz-se saber que um capitão do referido batalhão veio, propositadamente, a este concelho com vinte soldados fazer o recrutamento e que nem um só puderam capturar.

Em 1846, (6) Sebastião José de Freitas, da vila, apresenta um requerimento no sentido de ser nomeado oficial de diligências da Câmara, devido a ter sido soldado durante o tempo dos guerrilhas que infestavam a Serra do Algarve, contra os quais andou quatro anos.

Aqui deixamos algo que conseguimos compilar sobre esta temática.


NOTAS

(1) – Of. Nº 83 de 13 de Abril de 1878 ao Governador Civil.
(2) - “Caminhos e Estradas são suprema aspiração de Vaqueiros”, Luís Cunha, in Jornal do Algarve de 10 de Fevereiro de 1973.
(3) - Grandes Crimes, Ed. Liv. Civilização; Dicionário Enciclopédico Lello e Remechido - Célebre Guerrilheiro do Algarve e Sua Guerrilha (Autor Desconhecido)
(4) - Acta da Sessão de 1 de Fevereiro.
(5) - Acta da Sessão de 4 de Novembro de 1839
(6) -- Acta da Sessão de 2 de Março de 1846.