Já fizemos algumas
referências documentais à guerrilha que se instalou na serra e isto devido à
necessidade de o fazer, motivado pelos assuntos abordados e especificamente
quanto à lenda e à tradição oral que foi passando de geração em geração com as
inevitáveis deturpações.
Agora iremos dar testemunho
do que conseguimos encontrar, nomeadamente nos arquivos locais.
Referimos o incêndio da
Câmara, principalmente a perda dos títulos que obrigavam ao pagamento dos
foros, a venda da palha armazenada pelos rebeldes, entre outras coisas.
Ainda em 25 de Março de 1863
(quarenta anos depois!) foi expedido para o Governador Civil do distrito um
inventário, mas só com os nomes dos foreiros, já que os títulos e escrituras,
segundo constava, levaram descaminho pelos acontecimentos de 1833. (1) Reparar
que não se é claro no assunto e se limite apenas a referir “acontecimentos”.
Figura marcante desta
guerrilha é o celebrado Remechido que
teria incendiado as repartições da vila por duas vezes, onde não encontrou
dinheiro. (2)
A presença por estas paragens
do “homem da serra”, capitão guerrilheiro miguelista que espalhou o terror
entre as falanges liberais, é um facto.
José Joaquim de Sousa Reis
nasceu em Estombar em 1797.
Remechido |
Cursou o Seminário de Faro,
onde se distinguiu no Latim e na Dogmática. Chegou a receber as primeiras
ordens.
Casou antes do voto de
presbítero, com D. Maria Clara Bastos, sobrinha do capitão de ordenanças,
Manuel Inácio.
Remechido,
assim chamado pela esposa, em mercê do muito que “mexeu” e “remexeu” para se
soltar do vínculo da igreja e construir a seu gosto o ninho comum, tomou por
apelido de família “Remechido”, escrevendo-o sempre com um ch.
Miguelista ferrenho, emigrou
em 1826 e regressou à Pátria em 1828, sendo nomeado capitão de ordenanças de
espingarda no povoado de São Bartolomeu de Messines, onde construiu o seu lar.
Era baixo de estatura, escuro
de tez, entroncado de corpo, a barba a roçar-lhe o peito, vestia a farda dos
seus serrenhos, jaqueta azul de gola virada com botões amarelos, calça de pano
escuro, da nossa fábrica, com folha inteira forrada de couro branco, sapatos
brancos abotinados.
Duque da Terceira |
Quando o Duque da Terceira
desembarca em Alagoa, Remechido fugiu
para a “serra” com uma hoste de guerrilheiros e espiando os movimentos dos
constitucionais, hostilizou-os constantemente, incluindo as tropas de Sá da
Bandeira.
Desceu ao Alentejo e como o
General Molelos recusasse o seu auxílio, recrutou mais guerrilheiros por conta
própria e com eles continuou a sua luta.
Depois da Convenção de Évora-Monte, depôs as armas por algum tempo.
Perseguido pelos liberais que
procuravam vingar as suas proezas, foi-lhe incendiada a casa e brutalizados a
mulher e os filhos. Foi então que organizou uma quadrilha que praticou as
maiores violências.
As tentativas para o dominar
eram baldadas: redobraram-se esforços por todos os modos imaginários,
empregaram-se colunas volantes em todas as direcções. Tudo em vão. Prenderam-lhe
outra vez a mulher e fazendo-a acompanhar das filhas que estavam em ADOLETE
(Odeleite), perto de Alcoutim, conduzem-nas para a cadeia de Faro, havendo
anteriormente sido capturado e morto no Azinhal o seu segundo filho, que apenas
contava treze anos de idade.
D. Maria II |
Em 23 de Março de 1837, teve lugar na aldeia de Martim Longo uma sessão extraordinária da Câmara de Alcoutim.
Convocados todos os cidadãos probos do concelho a fim de se tomarem medidas eficazes para preservar os povos do concelho do flagelo dos salteadores e guerrilhas, a Câmara, depois de ouvir a opinião dos cidadãos presentes, acordou estabelecer nesta aldeia, uma força de vinte homens que rondando diariamente pela freguesia e vizinhas, as ponha a salvo dos roubos e mortes que um tal bando de malvados costuma perpetrar.
A Câmara pagaria as despesas que se fizessem com o arranjo do armamento que tem que se distribuir, assim como dando a cada indivíduo que faça parte da dita força, um pão de arrátel e meio por dia.
Porém, no dia seguinte e no mesmo local é modificado parte do que foi aprovado na sessão do dia anterior.
Atendendo a que, segundo notícias recebidas de todos os lados, os inimigos a bater são somente quatro salteadores, os quais por uma força de dez homens podiam ser batidos e dispersos, acordaram em suster por ora o efeito do acórdão do dia anterior, armando assim na aldeia de Martim Longo, como em Giões, uma força de dez a doze homens capazes, comandados por dois vereadores, os quais servindo gratuitamente se dispõem defender qualquer ponto ameaçado.
Aprovou-se, igualmente, que
sem demora, seria publicado em cada uma das freguesias, ao sair da missa
conventual, o seguinte aviso: Todo o
indivíduo seja obrigado a avisar e dar notícia de qualquer acontecimento que
tiver lugar no seu monte e denunciar o lugar onde ache qualquer sujeito
escondido sob pena de pagar de multa desde 1200 réis até 10.000 réis, conforme
a gravidade do crime em que incorrer além de prisão e penas a que estiver
sujeito pelas Leis Gerais do Reino.
Em 1838, (4) não
compareceu na sessão camarária o Tenente-coronel do Batalhão Nacional de Vila
Real de Santo António, como havia prometido.
Era duro e penoso para este
concelho o recrutamento de elementos para aquele batalhão pela distância e
incómodo que daí resultam, dando origem a funestas consequências.
Opina a Câmara, para
ultrapassar esta situação, que se organizasse um pequeno corpo ou companhia sedeada
neste concelho ficando independente do Batalhão de Vila Real de Santo António.
Em 25 de Abril seguinte, a
Câmara acordou que se levasse ao conhecimento superior as arbitrariedades
praticadas com o novo recrutamento para voluntários e linha pelo Governador
Militar interino desta Praça.
Na sessão de 24 de Agosto, a
Câmara aprovou, unanimemente, enviar ao Comandante da Força de Operações na
Serra, o Coronel Fontoura, as felicitações, agradecendo a apreensão do chefe da
guerrilha, o rebelde Remechido.
O recrutamento e incorporação
no batalhão de Vila Real de Santo António continua a gerar polémica. (5)
Queixam-se as autoridades militares da frouxidão e pouco zelo com que a Câmara
e o Administrador do Concelho se tem empregado na prontificação dos indivíduos recrutados.
Perante a acusação defende-se
a Câmara do seguinte modo:- ”Tem servido de obstáculo à não prontificação (...) a continuada
presença dos Guerrilhas no concelho que tem feito que nenhuma autoridade possa
cumprir o seu dever sem risco da sua vida”. A confirmar tal situação, faz-se
saber que um capitão do referido batalhão veio, propositadamente, a este
concelho com vinte soldados fazer o recrutamento e que nem um só puderam
capturar.
Em 1846, (6)
Sebastião José de Freitas, da vila, apresenta um requerimento no sentido de ser
nomeado oficial de diligências da Câmara, devido a ter sido soldado durante o
tempo dos guerrilhas que infestavam a Serra do Algarve, contra os quais andou
quatro anos.
Aqui deixamos algo que
conseguimos compilar sobre esta temática.
NOTAS
(1) – Of. Nº 83 de 13 de Abril
de 1878 ao Governador Civil.
(2)
- “Caminhos e
Estradas são suprema aspiração de Vaqueiros”, Luís Cunha, in Jornal do Algarve de 10 de Fevereiro de
1973.
(3) - Grandes Crimes, Ed. Liv. Civilização; Dicionário
Enciclopédico Lello e Remechido -
Célebre Guerrilheiro do Algarve e Sua Guerrilha (Autor Desconhecido)
(4) - Acta
da Sessão de 1 de Fevereiro.
(5) - Acta da Sessão de 4 de Novembro
de 1839
(6)
-- Acta da Sessão de 2 de Março de 1846.