terça-feira, 17 de julho de 2012

A Capela de São Martinho e as Cortes Pereiras

Pequena nota

Atendendo a que a laboriosa povoação de Cortes Pereiras realiza a sua Festa de Verão no próximo sábado, dia 21, através da já velhinha Associação Unidos do Monte, de que sou associado, aproveito a oportunidade para na rubrica Ecos da Imprensa transcrever um artigo que publiquei no Jornal do Algarve já lá vão 22 anos!
Que a Festa seja um êxito, são os meus votos.

JV

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 28 DE DEZEMBRO DE 1989)

Desta vez, saímos da vila. Atravessámos a ponte sobre a ribeira da Cadavais, inaugurada em 1986. Depois de muitos séculos, a vila fechada nos seus limites naturais, consegue rompê-los e tenta sair da letargia.

Além da expansão que está em marcha, a ponte e a estrada possibilitaram aos povos do Norte da freguesia de Alcoutim, uma mais estreita ligação com a sede do concelho.

O poeta-barbeiro, João Madeira, já falecido, referia-se à situação com estas quadras:

Andam-se 20 km
Para ir às Cortes Pereiras,
Podendo apenas ser cinco,
Vejam lá as asneiras!

A ponte e a estrada feitas,
Darão vida a Alcoutim,
Mas se não as começarem
Nunca chegarão ao fim.

Depois de passarmos junto do Lar para Idosos, moderno estabelecimento que muito honra a vila, lá seguimos a estrada municipal 507 que serpenteia pela aba do Cerro da Mina. Lá no cimo, foi instalado em 1987 um retransmissor que possibilitou à zona ver o segundo canal da RTP.

De uma das apertadas curvas, desfruta-se um belo panorama sobre a vila e o Guadiana, apreciando-se também as potencialidades agrícolas das margens da ribeira de Cadavais. Muito útil para o turismo seria, se o local fosse arranjado, transformando-o num miradouro. Se fosse possível, como pensamos, dotá-lo de um bar ou mesmo restaurante, seria ainda melhor.

Quando se atinge a altura, desaparecem as curvas e surge uma grande recta, ainda que o seja em vários planos.

Caminhamos assim para a parte norte da freguesia da vila, aquela que confina com o Alentejo, mais propriamente com o concelho de Mértola.

Compõe-se de um conjunto de pequenos aglomerados populacionais, a pouca distância uns dos outros, quando não juntos, a que se chama Cortes Pereiras.

Além destes, e com posição bem distanciada, Vascão (antiga Fonte Almece), Afonso Vicente e Santa Marta, mas é sobre as Cortes Pereiras que nos iremos debruçar.

São Martinho, Currais (já desabitado), Monte Longo, Casa da Amêndoa, Piçarral, Monte de Baixo, Monte de Cima, Monte do Poço, Curral da Arvela (ou Alvéola) e Monte do Sol, constituem aquilo a que chamamos Cortes Pereiras, que em documentos do século ainda aparecem designados por Cortes das Pereiras. São estas designações que constam da matriz predial e também o povo assim as usa.

Se o São Martinho mantém uma identidade, impondo-se pelo seu nome, possivelmente por ser talvez o mais antigo.

Nos princípios do século quando havia necessidade de indicar as povoações que constituíam a freguesia de Alcoutim, referia-se entre outras, São Martinho e Cortes Pereiras, que eram considerados “casais”. Também no século passado e princípios deste, verifica-se que era no São Martinho que viviam as pessoas mais abastadas e que faziam parte do poder autárquico. Assim, entre outros, José Martins Cravo, em 1834, além de ser um dos maiores contribuintes do concelho, desempenhou as funções de vereador e em 1854, José Martins Capelo fazia parte da Junta de Paróquia. São estes dois homens que representam as Cortes Pereiras para resolverem o problema da criação do cemitério em 1843.

Também Domingos Dias Sequeira, entre 1852 e 1857, foi o “rendeiro do ver, do limite de baixo”, por arrematação. Actividade que os clamores do povo exigiram em vez da derrama directa.

Ruínas da Capela de S. Martinho. Des. de JV

O hagiotopónimo S. Martinho pode provir do século XIII-XIV (repovoamento nacional) que acompanhou a cristianização, revelada neste velho culto.

As quadras populares seguintes, coligidas por J. Leite de Vasconcellos (1), demonstram bem a devoção por este santo e mesmo a supremacia que então este “monte” detinha.


O Monte de São Martinho
Não é vila nem cidade
É uma capela de oiro,
Donde brilha a mocidade


O Monte de São Martinho
Que linda posição `stá!
Lindas rosas `stá criando;
Quem delas se gozará?


Onde está a capela de oiro referida na quadra popular?

Ainda é possível determinar o lugar em que se situava. Já não é muito o que resta, pouco mais que os alicerces.

Desconhecendo-se a data da fundação, em meados do século XVI já se diz que é antiga. Nesta altura “he huma soo casa pequena de duas ágoas, madeirada de castanho, mal encaniçada; as paredes são de pedra e barro desguarnecidas de dentro e de fora”.

Quanto ao altar, “ he d`àlvenaria, está cuberto com humas toalhas e nelle a imagem de São Martinho de vulto feita e pintada de novo, encima tem hum ceo de pano de linho. (2)

Era reparada à conta de esmolas dos seus devotos.

O grande arqueólogo algarvio, Estácio da Veiga, também lhe chama, em 1878, “Ermida Velha de São Martinho”. Nela recolhe um cipó de mármore, com inscrição funerária, medindo de altura 1,50 m, de largura 0,62 m e de espessura, 0.35 m. De origem romana, foi encontrado em posição invertida, o que levantou a hipótese de ter sido aproveitada a base como “mesa”.

Faz parte do Museu Nacional de Arqueologia. (3)

Da correspondência trocada entre o Administrador do concelho e o Arqueólogo, respigámos: (…) mandei imediatamente pessoa competente, ao sítio onde se acha o grande monumento epigráfico de mármore, encarregando-lhe que com o maior desempenho e cuidado o fizesse conduzir a esta vila. Voltaram depois dizendo que era muito difícil a sua condução o seu peso em mais de 800 kg como também a longitude de 6 km a percorrer de péssimo e escabroso caminho, demandando por isso de imensas dificuldades e grande despesa. (4)

Pensamos que este monumento epigráfico é o cipó a que nos referimos e que felizmente acabou por ser levado para o sítio indicada.

Quando visitámos o local, e já lá vão cerca de vinte anos, foi-nos informado pelo nosso cicerone, nado e criado no São Martinho, que ali era o São Martinho Novo, pois o Velho, que fica na aba Sul do pequeno cerro, zona rústica ainda assim conhecida, tinha desaparecido completamente.

Diz a lenda que o santo, muito isolado, aparecia no cimo do cerro, pois dali avistava os eus irmãos, Santa Marta, Nª Sª das Neves (Mesquita), Nª Sª da Conceição (vila) e São Marcos do Pereiro.

Por esse motivo, e para não contrariar o santo, construiu-se a nova capela. (5)

Após a ruína e profanação da ermida, para onde teria ido a imagem do patrono, já que não aparece nos templos vizinhos? Sempre estes desaparecimentos misteriosos!

Hoje o São Martinho perdeu a importância que possuía em relação aos outros montes. Dos nove fogos que ainda possui, só cinco são habitados, tendo apenas oito habitantes.

O topónimo Corte (normalmente associado), aparece principalmente no Baixo-Alentejo e Alto-Algarve e tem merecido a atenção de vários especialistas.

Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira diz-se que entre os topónimos mais dignos de nota, contam-se as várias Cortes. Designando prédios, certamente em substituição dos casais de acourelamento efectuado com a repovoação nacional.

Pinho Leal (6) expressa-se assim: (…) se em algumas povoações significa curral de gado, na maior parte delas significa cohorte (corpo militar dos romanos) e depois, à imitação deles – sobretudo desde o tempo de Sertório, também os lusitanos se organizaram por cohortes. Também se dava o nome de cohorte ao sítio em que ela fazia o seu assentamento ou acampamento.

Alberto Sampaio (7) escreve: Cohors, Cortis, Curtis – o recinto fechado em volta do qual estavam as construções agrícolas incluindo os estábulos, aos quais agora a linguagem popular chama Cortes, de que cortelho é também diminutivo no mesmo sentido. De curtis, significando o conjunto das edificações com um pátio, derivou-se literalmente Corte.

Corte, de Cohors – Ortis – Cortis, Curtis, em latim clássico significava o recinto das construções rústicas, passou entre nós, nos tempos antigos (…) a ter significações como subunidades de cultivadores – courela murada ou cercada de sebes, mas predominantemente o lugar onde se criam ou recolhem animais domésticos (…) Vêm depois, num ou noutro destes sentidos, para várias povoações que com este nome, no singular ou no plural, se encontram espalhados pelo nosso País – é o que afirma Amadeu Ferraz de Carvalho. (8)

Noutra ocasião, o mesmo autor diz que corte significa – casal, vila, exploração agrícola. (9)

Viterbo (Fr. Joaquim de Santa Rosa de) no conhecido Elucidário, diz: “Para com os bons latinos cors ou cohors era, propriamente, um pátio rústico e descoberto, cercado e guarnecido de currais, manjedouras ou cobertos, em que os animais e criações do campo se recolhem, guardam, multiplicam e cevam. Na baixa latinidade, cortis e curtis se tomaram por um casal, vila, quinta, abegoaria, prédio rústico, horta, quintal e também alcaria com tudo o preciso e necessário para a lavoura.

Também significaram o arrabalde de uma grande povoação: o pavilhão, tenda, ou barraca do príncipe, ou general do exército.

Pereiras é fácil concluir a sua ligação à flora, tal como acontece na aldeia do Pereiro.

Dos outros topónimos pouco há a dizer pois na maioria têm explicação fácil de concluir, ainda que nem sempre isso aconteça.

Piçarral é o lugar onde há Piçarra, sendo esta, pedra ou pedreira de xisto ou esquístico.

Curral da Arvela – curral de gado e também da arvela ou arvéloa, ave insectívora por aqui abundante.

Casa da Amêndoa. Des. de JV

Em Casa da Amêndoa a origem estará na existência em tempos de um armazém desse fruto seco.

Em 1872 já aparecem referência ao Piçarral e à Casa da Amêndoa mas nesta altura não encontramos qualquer referência à cultura da amêndoa que pensamos não existir.

Em 1859, Manuel Sequeira, das Cortes Pereiras, possuía a Herdade do Bocarro, de que hoje só deve restar o nome.

Diogo Dias Bocarro era, em 1566, almoxarife do Marquês de Vila Real (4º Conde de Alcoutim), D. Manuel de Meneses, na vila de Alcoutim e pela mesma altura, Jorge Bocarro, tabelião, era mordomo da Confraria de Nª Sª da Conceição.

Monte Longo. Des. de JV

Dois séculos depois (1771), aparece outro Bocarro, Manuel Dias, que manifesta na Câmara de Alcoutim o gado que possui.

Parece-nos que o antropónimo acabou por originar o topónimo, o que sucedeu, o que sucedeu também com a zona conhecida por Barriga, ao sul da vila, pois no século XVI a família Barriga desempenha lugares de destaque não só na vila como no Pereiro e Martim Longo. Nesta época, aparecem em documentos, Vasco Rodrigues Barriga, Afonso Barriga e António Barriga e no século XVIII, Domingos Costa Barriga e Gregório Barriga.

Actualmente, não conhecemos famílias com este apelido no concelho, ou extinguiram-se ou, o que é mais provável, deslocaram-se para outras terras.

Estas gentes tiveram predilecção pela pastorícia, o que ainda hoje se manifesta, e pela cerealicultura, principalmente o trigo, hoje em declínio.

Moinho das Cortes Pereitras. Foto JV

No século XVII são as Cortes Pereiras que na freguesia de Alcoutim mais gados manifestam (vacum, ovino e caprino).

Produzindo cereais, havia que os transformar em farinha e daí a existência de moinhos de vento de que restam ruínas, tendo os últimos deixado de funcionar por volta dos anos trinta dos nossos dias. Na vizinha ribeira do Vascão, dispunham de algumas azenhas, como as de D. Miguel, do Melão, do Pedro, D. Ana, dos Cleros (não será Clérigos) e da Ponte.

Diz a lenda que o açude do moinho de D. Ana todos os anos ruía e que o seu proprietário só resolveu o problema quando prometeu metade do rendimento ao santo!

A seguinte quadra popular recolhida na zona também demonstra a importância que os moinhos tinham.

Já não se vai a lavar
À ribeira do Vascão
Dizem que aparece um medo
No moinho do Melão.

As várzeas do rio, zona do Enxoval e Premedeiros, são naturalmente os terrenos mais ricos e é aí que possuem os seus mimos – vinha, de forte implantação pelo menos no século XVI, árvores de fruto, azeitona e produtos hortícolas. Nos barrancos que correm para a ribeira do Vascão, são aproveitados os terrenos contíguos para pequenos hortejos que muros de pedra solta pretendem proteger, principalmente do gado e, quando o xisto o permitiu, semearam-se, por processos primitivos, amendoeiras, hoje a desaparecerem pela acção danificadora do mato.

A exploração mineira foi outra actividade de interesse e os romanos exploraram, segundo Estácio da Veiga, minas de cobre e antimónio.

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira indica uma mina de antimónio nas Cortes Pereiras. Teve a sua concessão, Maria Soledade e outro. O espanhol, Miguel Angel de Leon, também a explorou, tal como o cidadão inglês, James Henry.

Encontrava-se registada em nome da Mineira Messinense, situando-se nas proximidades do Monte de Cima, onde ainda há pouco existiam vestígios.

Destas minas, de que os ingleses foram os únicos clientes, extraíram-se as seguintes quantidades de mineral. 139 toneladas em 1864 (Administrado por D. Miguel), 6750 em 1883 e vinte mil e quinhentas, em 1885, último ano de exploração.

Monte de Cima e Monte de Baixo. Foto JV, 1993

Encontrámos com data de 5 de Dezembro de 1862, o seguinte registo: D. Miguel Angel de Leon e Manuel António d` Almeida, o primeiro súbdito hespanhol, solteiro, engenheiro de minas, de 35 anos e o segundo, casado, proprietário, de 34 anos e ambos residentes na vila de Alcoutim que constando que a mina de antimónio existente nas Cortes Pereiras, freguesia e concelho de Alcoutim, se acha abandonada e como tal não ser considerada na conformidade da Lei, pretendem que seja registada como denunciam, pelos suplicantes, em seu nome.

Já antes, 16 de Novembro de 1861, o mesmo D. Miguel tinha feito o registo de um jazigo de mineral de antimónio e outros metais, em terras de José Martins Capelo, do monte de São Martinho.

Por testamento de 8 de Dezembro de 1868 é deixado o direito a duas acções da mina das Cortes Pereiras, por um eclesiástico, a um primo que foi presidente da Câmara e Administrador do Concelho.

E as referências mineiras continuam.

Mina de prata associada com outros minerais é registada em 27 de Julho de 1872 no sítio do cerro da Casa da Amêndoa e Piçarral, em terras de Manuel Martins Cravo; em 12 de Abril de 1872, outra de manganés, no sítio da Vinha Grande (Lourinhã), em terra de José Pedro Rodrigues Teixeira.

Um jornaleiro das Cortes Pereiras, Francisco Afonso, em 13 de Março de 1872, juntamente com dois espanhóis do Porto da Laje, termo do Granado, registaram uma mina de manganés, associado a outros metais, no sítio de Ágoas Nascedias, arredores da vila.

Um empregado da Mina das Cortes Pereiras, João António Madeira Leão manifestou, por Luís Diogo da Silva, residente em Lisboa, uma mina de cobre na Herdade da Malhada (29.06,1868).

O aspecto comercial foi sempre nulo se não considerarmos aquelas pequeníssimas actividades próprias dos pequenos meios.

A Casa da Amêndoa, talvez pela sua posição central, alberga os únicos comércios mistos existentes.

Ultimamente apareceu uma casa de pasto no Monte Longo, próximo da estrada, que animou muito a zona. Nela se pode tomar a bica brejeira e os seus acompanhantes, para quem gosta de refrescar-se com uma bebida. Também se servem refeições e constitui ponto de encontro da zona, sendo fácil encontrar gentes da vila e dos montes circunvizinhos.

As novas técnicas comerciais originaram o aparecimento de “estabelecimentos” ambulantes que visitam em dias certos os locais, recebendo encomendas.

à via romana, Beasuris (Castro Marim) – Pax Yúlia (Beja), passava por aqui, começando a evitar a foz do Vascão. Depois, esteve séculos isolada. Segundo dizem, por influência de alguém, abriu-se a estrada municipal que, não tendo sido feita para servir o povo, não chegou à vila. Com a feitura da parte restante e a construção da ponte sobre a ribeira de Cadavais, foi solicitada a mudança nos transportes colectivos públicos (16.02.1987).

Há muito que existe telefone público, um bem a considerar. Ainda que a todos os “montes” se possa chegar de automóvel, pensamos que é de inteira necessidade a transformação dos caminhos em estradas pavimentadas.

No aspecto associativo, mantém-se a Lutuosa com cerca de 35 sócios que por morte dão origem a um subsídio de mil escudos. Deixando de ter razão pelas transformações operadas no campo social, é natural que em breve a sua extinção seja um facto.

Sede da Associação Unidos do Monte. Foto JV, 2004
De carácter recreativo e fundada há trinta e seis anos, a Sociedade Amigos do Monte, com sede própria e somente trinta sócios, atravessa um período de crise e passava há quinze anos por um período de fulgor.

Depois de se possuir um posto escolar, obtém-se a tão desejada escola, devoluta em 1983 por falta de alunos. Servia também as crianças de Vascão e Afonso Vicente.

Agora, as crianças deslocam-se à escola da aldeia de Pereiro, em transporte camarário.

Houve uma figura pública que marcou fortemente as Cortes Pereiras e a vida política do concelho no terceiro quartel do século passado. Trata-se de Miguel Angel de Leon, cidadão espanhol que se naturalizou português e que é apresentado como engenheiro de minas.

Desconhecendo-se a razão por que veio para o nosso País, mas que nos parece estar relacionada com a actividade política a que se terá acrescentado, possivelmente, problemas de ordem pessoal, é dado como chegado em 1860, fixando-se na vila.

Em 1863 já explorava a mina de antimónio. Desenvolve grande actividade política opondo-se tenazmente ao grupo conservador “reinante” na vila. Procura defender os mais necessitados, como se pode provar por várias acções desenvolvidas. A sua imagem política aumenta vertiginosamente o que o leva, por eleição, à Presidência da Câmara em 2 de Janeiro de 1878, exercendo também as funções de Administrador do Concelho e representante do mesmo no Conselho de Distrito.

Por decreto de 2 de Setembro de 1878 é anulada a naturalização de cidadão português pelo que tem de cessar funções.

Acaba por ser assassinado com um tiro de espingarda pelas nove horas da manhã do dia 26 de Setembro de 1878.

Nasceu em 1826 e residiu em Madrid até 1856. Viveu cerca de vinte anos em Alcoutim.

O nome do criminoso, que é dado como natural de Almodôvar, não corresponde aio que tradicionalmente é apontado, pensamos que se trata de alcunha.

Em ofício do Administrador do Concelho, informa-se que é a opinião geral e de todo o critério que o assassinato foi devido a rixas particulares entre ambos. O assassino residia nas Cortes Pereiras em casas do assassinado. Sustentam outros, e continua o Administrador, haver certos motivos que tratarei de pesquisar para me habilitar a informar verdadeiramente. (10)

O que pretende dizer o Administrador é que uma filha do assassino vivia em casa de D. Miguel como criada e que mantinha relações íntimas com o patrão e daí o sucedido.

O que a tradição oral transmitiu é bem diferente. O pai da moça, que tinha boas relações com D. Miguel, é embebedado pelos caciques da vila que o instigam a cometer o tresloucado acto.

Onde está a verdade?

Monte do poço. Foto JV, 1993
As promessas eleitorais de D. Miguel, são, segundo o Administrador do Concelho, as seguintes: Padres, côngruas, derramas, rendeiros e médico, fora; a passagem de cereais no rio, será livre de direitos e principalmente declarou que não procurassem já os ladrões pelas estradas, nem nas charnecas, por que estão todos em Alcoutim. (11)

Por ser considerado ateu, foi-lhe dada sepultura fora do cemitério católico. (12)

Proprietário da Herdade do Enxoval, em 1876 era um dos quarenta maiores contribuintes do concelho.

Veio a saber-se que afinal D. Miguel Angel de Leon era um suposto nome de Pedro Redondo Marquez, que era casado e tinha um filho.

Também não possuía qualquer curso que o habilitasse como engenheiro. (13)

Ficou-lhe uma filha natural que contava treze anos e que tinha perfilhado. É um dado que a tradição oral não transmitiu, o que de certa maneira não admira. Após a morte do pai, ter-se-ia possivelmente afastado da zona, acompanhando a mãe.

Os alcoutenejos que têm no ouvido o nome de D. Miguel, trazido de pais para filhos e que naturalmente se vai diluindo, podem, com estes despretensiosos dados, aclarar situações e completar ideias que se esboroavam no pensamento.

Para os que nunca ouviram falar dele, e será a totalidade da nova geração, ficarão alguns dados sobre seta figura polémica.

É conveniente dizer que se Miguel Angel de Leon se escondeu atrás deste nome, encobrindo o verdadeiro e situações poucas claras, o Administrador do Concelho, seu antagonista político acabou por fugir para Aiamonte, onde faleceu, sem regressar ao País, onde tinha à sua espera um mandato de captura. (14)

As Cortes Pereiras, como parte importante que são da freguesia de Alcoutim, têm tido sempre elementos seus ligados aos órgãos da Administração local. Podemos destacar assim, José Martins Cravo, nomeado licenciador para as eleições de 1834 e depois vereador por alguns anos, ainda que analfabeto. Foi também representante das Cortes Pereiras na resolução da criação do cemitério da freguesia.

Põe esta altura, era juiz almotacé, Afonso Guerreiro Drago.

Pertenceram à Junta de Paróquia, Manuel Rodrigues, dos Currais (1850/51), Manuel Martins Cravo (1852/53 e 1858/59), para recordar só os mais antigos, do nosso conhecimento.

Em 1859, Vitoriano da Palma, era o Juiz de Paz, substituto.

Monte de São Martinho. Foto JV, 1993
Nesta zona do nordeste algarvio onde a talisca (xisto) alimenta a esteva e a roselha e a vida foi sempre difícil, nasceram homens que pelas suas qualidades natas venceram os obstáculos que a interioridade e pobreza apresentam. Encontramos assim, entre os seus filhos e de ambos os sexos, licenciados nos mais variados ramos, desde a medicina ao direito e outros que, nas profissões que abraçaram se tornaram dignos profissionais, alcançando posições de chefia e direcção que muito os dignificam e tornando assim o seu “monte”, que alguns (não todos) teimam em não esquecer, terra mais conhecida.


NOTAS

(1)     Cancioneiro Popular Português, coordenação de Maria Arminda Z. Nunes, pág. 76.
(2)     Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, Edição CMVRSA, 1987.
(3)     Arqueologia Romana do Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, 1971.
(4)     Of. Nº 20, de 13 de Janeiro de 1880. in Livro de Registo de Correspondência Expedida
(5)     Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, José Varzeano, 1985.
(6)     Portugal Antigo e Moderno, 1873/1890
(7)     As Vilas do Norte de Portugal, Edição de 1979, pág.82
(8)     A Terra de Besteiros e o actual concelho de Tondela, Edição de 1981.
(9)     “Subsídios para a Toponímia do concelho de Tondela”, in Jornal Notícias de Viseu, de 3 de Dezembro de 1922.
(10) Of. Nº 87 de 2 de Outubro de 1879, dirigido ao Governador Civil de Faro.
(11) Of. Nº 71, de 17 de Julho de 1874, dirigido ao Governador Civil de Faro.
(12) Of. Nº 115, de 10 de Dezembro de 1879, dirigido ao Governador Civil de Faro.
(13)  Of. Nº 158., de 2 de Julho de 1878 do Administrador do Concelho, dirigido ao Vice-Cônsul de Espanha, em Alcoutim e Of. Nº 97, de 14 de Outubro de 1879, da mesma Entidade e dirigido ao Cônsul Geral de Portugal, em Madrid.
(14)  Of. Nº 86, de 6 de Setembro de 1876, ao Governador Civil de Faro.