Pequena nota
Atendendo a que a
laboriosa povoação de Cortes Pereiras realiza a sua Festa de Verão no próximo
sábado, dia 21, através da já velhinha Associação Unidos do Monte, de que sou
associado, aproveito a oportunidade para na rubrica Ecos da Imprensa transcrever um artigo que publiquei no Jornal do
Algarve já lá vão 22 anos!
Que a Festa seja um
êxito, são os meus votos.
JV
(PUBLICADO NO JORNAL
DO ALGARVE DE 28 DE DEZEMBRO DE 1989)
Desta vez, saímos da vila. Atravessámos a ponte sobre a
ribeira da Cadavais, inaugurada em 1986. Depois de muitos séculos, a vila
fechada nos seus limites naturais, consegue rompê-los e tenta sair da letargia.
Além da expansão que está em marcha, a ponte e a estrada
possibilitaram aos povos do Norte da freguesia de Alcoutim, uma mais estreita
ligação com a sede do concelho.
O poeta-barbeiro, João Madeira, já falecido, referia-se à
situação com estas quadras:
Andam-se 20 km
Para ir às Cortes
Pereiras,
Podendo apenas ser
cinco,
Vejam lá as asneiras!
A ponte e a estrada
feitas,
Darão vida a Alcoutim,
Mas se não as
começarem
Nunca chegarão ao fim.
Depois de passarmos junto do Lar para Idosos, moderno
estabelecimento que muito honra a vila, lá seguimos a estrada municipal 507 que
serpenteia pela aba do Cerro da Mina. Lá no cimo, foi instalado em 1987 um
retransmissor que possibilitou à zona ver o segundo canal da RTP.
De uma das apertadas curvas, desfruta-se um belo panorama
sobre a vila e o Guadiana, apreciando-se também as potencialidades agrícolas
das margens da ribeira de Cadavais. Muito útil para o turismo seria, se o local
fosse arranjado, transformando-o num miradouro. Se fosse possível, como
pensamos, dotá-lo de um bar ou mesmo restaurante, seria ainda melhor.
Quando se atinge a altura, desaparecem as curvas e surge uma
grande recta, ainda que o seja em vários planos.
Caminhamos assim para a parte norte da freguesia da vila,
aquela que confina com o Alentejo, mais propriamente com o concelho de Mértola.
Compõe-se de um conjunto de pequenos aglomerados
populacionais, a pouca distância uns dos outros, quando não juntos, a que se
chama Cortes Pereiras.
Além destes, e com posição bem distanciada, Vascão (antiga
Fonte Almece), Afonso Vicente e Santa Marta, mas é sobre as Cortes Pereiras que
nos iremos debruçar.
São Martinho, Currais (já desabitado), Monte Longo, Casa da
Amêndoa, Piçarral, Monte de Baixo, Monte de Cima, Monte do Poço, Curral da
Arvela (ou Alvéola) e Monte do Sol, constituem aquilo a que chamamos Cortes
Pereiras, que em documentos do século ainda aparecem designados por Cortes das Pereiras. São estas designações que
constam da matriz predial e também o povo assim as usa.
Se o São Martinho mantém uma identidade, impondo-se pelo seu
nome, possivelmente por ser talvez o mais antigo.
Nos princípios do século quando havia necessidade de indicar
as povoações que constituíam a freguesia de Alcoutim, referia-se entre outras,
São Martinho e Cortes Pereiras, que eram considerados “casais”. Também no
século passado e princípios deste, verifica-se que era no São Martinho que
viviam as pessoas mais abastadas e que faziam parte do poder autárquico. Assim,
entre outros, José Martins Cravo, em 1834, além de ser um dos maiores
contribuintes do concelho, desempenhou as funções de vereador e em 1854, José
Martins Capelo fazia parte da Junta de Paróquia. São estes dois homens que
representam as Cortes Pereiras para resolverem o problema da criação do
cemitério em 1843.
Também Domingos Dias Sequeira, entre 1852 e 1857, foi o
“rendeiro do ver, do limite de baixo”, por arrematação. Actividade que os
clamores do povo exigiram em vez da derrama directa.
Ruínas da Capela de S. Martinho. Des. de JV |
O hagiotopónimo S. Martinho pode provir do século XIII-XIV
(repovoamento nacional) que acompanhou a cristianização, revelada neste velho
culto.
As quadras populares seguintes, coligidas por J. Leite de
Vasconcellos (1), demonstram bem a devoção por este santo e mesmo a
supremacia que então este “monte” detinha.
O Monte de São
Martinho
Não é vila nem cidade
É uma capela de oiro,
Donde brilha a
mocidade
O Monte de São
Martinho
Que linda posição
`stá!
Lindas rosas `stá
criando;
Quem delas se gozará?
Onde está a capela de oiro referida na quadra popular?
Ainda é possível determinar o lugar em que se situava. Já
não é muito o que resta, pouco mais que os alicerces.
Desconhecendo-se a data da fundação, em meados do século XVI
já se diz que é antiga. Nesta altura “he huma soo casa pequena de duas ágoas,
madeirada de castanho, mal encaniçada; as paredes são de pedra e barro
desguarnecidas de dentro e de fora”.
Quanto ao altar, “ he d`àlvenaria, está cuberto com humas
toalhas e nelle a imagem de São Martinho de vulto feita e pintada de novo,
encima tem hum ceo de pano de linho. (2)
Era reparada à conta de esmolas dos seus devotos.
O grande arqueólogo algarvio, Estácio da Veiga, também lhe
chama, em 1878, “Ermida Velha de São Martinho”. Nela recolhe um cipó de
mármore, com inscrição funerária, medindo de altura 1,50 m , de largura 0,62 m e de espessura, 0.35 m . De origem romana,
foi encontrado em posição invertida, o que levantou a hipótese de ter sido
aproveitada a base como “mesa”.
Faz parte do Museu Nacional de Arqueologia. (3)
Da correspondência trocada entre o Administrador do concelho
e o Arqueólogo, respigámos: (…) mandei
imediatamente pessoa competente, ao sítio onde se acha o grande monumento
epigráfico de mármore, encarregando-lhe que com o maior desempenho e cuidado o
fizesse conduzir a esta vila. Voltaram depois dizendo que era muito difícil a
sua condução o seu peso em mais de 800 kg como também a longitude de 6 km a percorrer de péssimo e
escabroso caminho, demandando por isso de imensas dificuldades e grande
despesa. (4)
Pensamos que este monumento epigráfico é o cipó a que nos
referimos e que felizmente acabou por ser levado para o sítio indicada.
Quando visitámos o local, e já lá vão cerca de vinte anos,
foi-nos informado pelo nosso cicerone,
nado e criado no São Martinho, que ali era o São Martinho Novo, pois o Velho,
que fica na aba Sul do pequeno cerro, zona rústica ainda assim conhecida, tinha
desaparecido completamente.
Diz a lenda que o santo, muito isolado, aparecia no cimo do
cerro, pois dali avistava os eus irmãos, Santa Marta, Nª Sª das Neves
(Mesquita), Nª Sª da Conceição (vila) e São Marcos do Pereiro.
Por esse motivo, e para não contrariar o santo, construiu-se
a nova capela. (5)
Após a ruína e profanação da ermida, para onde teria ido a
imagem do patrono, já que não aparece nos templos vizinhos? Sempre estes
desaparecimentos misteriosos!
Hoje o São Martinho perdeu a importância que possuía em
relação aos outros montes. Dos nove fogos que ainda possui, só cinco são
habitados, tendo apenas oito habitantes.
O topónimo Corte (normalmente associado), aparece
principalmente no Baixo-Alentejo e Alto-Algarve e tem merecido a atenção de
vários especialistas.
Na Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira diz-se que entre os topónimos mais dignos de nota,
contam-se as várias Cortes. Designando prédios, certamente em substituição dos
casais de acourelamento efectuado com a repovoação nacional.
Pinho Leal (6) expressa-se assim: (…) se em
algumas povoações significa curral de gado, na maior parte delas significa
cohorte (corpo militar dos romanos) e depois, à imitação deles – sobretudo
desde o tempo de Sertório, também os lusitanos se organizaram por cohortes.
Também se dava o nome de cohorte ao sítio em que ela fazia o seu assentamento
ou acampamento.
Alberto Sampaio (7) escreve: Cohors, Cortis,
Curtis – o recinto fechado em volta do qual estavam as construções agrícolas incluindo
os estábulos, aos quais agora a linguagem popular chama Cortes, de que cortelho
é também diminutivo no mesmo sentido. De curtis, significando o conjunto das
edificações com um pátio, derivou-se literalmente Corte.
Corte, de Cohors – Ortis – Cortis, Curtis, em latim clássico
significava o recinto das construções rústicas, passou entre nós, nos tempos
antigos (…) a ter significações como subunidades de cultivadores – courela
murada ou cercada de sebes, mas predominantemente o lugar onde se criam ou recolhem
animais domésticos (…) Vêm depois, num ou noutro destes sentidos, para várias
povoações que com este nome, no singular ou no plural, se encontram espalhados
pelo nosso País – é o que afirma Amadeu Ferraz de Carvalho. (8)
Noutra ocasião, o mesmo autor diz que corte significa –
casal, vila, exploração agrícola. (9)
Viterbo (Fr. Joaquim de Santa Rosa de) no conhecido
Elucidário, diz: “Para com os bons latinos cors ou cohors era, propriamente, um
pátio rústico e descoberto, cercado e guarnecido de currais, manjedouras ou
cobertos, em que os animais e criações do campo se recolhem, guardam,
multiplicam e cevam. Na baixa latinidade, cortis e curtis se tomaram por um
casal, vila, quinta, abegoaria, prédio rústico, horta, quintal e também alcaria
com tudo o preciso e necessário para a lavoura.
Também significaram o arrabalde de uma grande povoação: o
pavilhão, tenda, ou barraca do príncipe, ou general do exército.
Pereiras é fácil concluir a sua ligação à flora, tal como
acontece na aldeia do Pereiro.
Dos outros topónimos pouco há a dizer pois na maioria têm
explicação fácil de concluir, ainda que nem sempre isso aconteça.
Piçarral é o lugar onde há Piçarra, sendo esta, pedra ou
pedreira de xisto ou esquístico.
Curral da Arvela – curral de gado e também da arvela ou
arvéloa, ave insectívora por aqui abundante.
Casa da Amêndoa. Des. de JV |
Em Casa da Amêndoa a origem estará na existência em tempos
de um armazém desse fruto seco.
Em 1872 já aparecem referência ao Piçarral e à Casa da
Amêndoa mas nesta altura não encontramos qualquer referência à cultura da
amêndoa que pensamos não existir.
Em 1859, Manuel Sequeira, das Cortes Pereiras, possuía a
Herdade do Bocarro, de que hoje só deve restar o nome.
Diogo Dias Bocarro era, em 1566, almoxarife do Marquês de
Vila Real (4º Conde de Alcoutim), D. Manuel de Meneses, na vila de Alcoutim e
pela mesma altura, Jorge Bocarro, tabelião, era mordomo da Confraria de Nª Sª
da Conceição.
Monte Longo. Des. de JV |
Dois séculos depois (1771), aparece outro Bocarro, Manuel
Dias, que manifesta na Câmara de Alcoutim o gado que possui.
Parece-nos que o antropónimo acabou por originar o topónimo,
o que sucedeu, o que sucedeu também com a zona conhecida por Barriga, ao sul da
vila, pois no século XVI a família Barriga desempenha lugares de destaque não
só na vila como no Pereiro e Martim Longo. Nesta época, aparecem em documentos,
Vasco Rodrigues Barriga, Afonso Barriga e António Barriga e no século XVIII,
Domingos Costa Barriga e Gregório Barriga.
Actualmente, não conhecemos famílias com este apelido no
concelho, ou extinguiram-se ou, o que é mais provável, deslocaram-se para
outras terras.
Estas gentes tiveram predilecção pela pastorícia, o que
ainda hoje se manifesta, e pela cerealicultura, principalmente o trigo, hoje em
declínio.
Moinho das Cortes Pereitras. Foto JV |
No século XVII são as Cortes Pereiras que na freguesia de
Alcoutim mais gados manifestam (vacum, ovino e caprino).
Produzindo cereais, havia que os transformar em farinha e
daí a existência de moinhos de vento de que restam ruínas, tendo os últimos
deixado de funcionar por volta dos anos trinta dos nossos dias. Na vizinha
ribeira do Vascão, dispunham de algumas azenhas, como as de D. Miguel, do
Melão, do Pedro, D. Ana, dos Cleros (não será Clérigos) e da Ponte.
Diz a lenda que o açude do moinho de D. Ana todos os anos
ruía e que o seu proprietário só resolveu o problema quando prometeu metade do
rendimento ao santo!
A seguinte quadra popular recolhida na zona também demonstra
a importância que os moinhos tinham.
Já não se vai a lavar
À ribeira do Vascão
Dizem que aparece um
medo
No moinho do Melão.
As várzeas do rio, zona do Enxoval e Premedeiros, são
naturalmente os terrenos mais ricos e é aí que possuem os seus mimos – vinha,
de forte implantação pelo menos no século XVI, árvores de fruto, azeitona e
produtos hortícolas. Nos barrancos que correm para a ribeira do Vascão, são
aproveitados os terrenos contíguos para pequenos hortejos que muros de pedra
solta pretendem proteger, principalmente do gado e, quando o xisto o permitiu,
semearam-se, por processos primitivos, amendoeiras, hoje a desaparecerem pela
acção danificadora do mato.
A exploração mineira foi outra actividade de interesse e os
romanos exploraram, segundo Estácio da Veiga, minas de cobre e antimónio.
A Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira indica uma mina de antimónio nas Cortes Pereiras.
Teve a sua concessão, Maria Soledade e outro. O espanhol, Miguel Angel de Leon,
também a explorou, tal como o cidadão inglês, James Henry.
Encontrava-se registada em nome da Mineira Messinense,
situando-se nas proximidades do Monte de Cima, onde ainda há pouco existiam
vestígios.
Destas minas, de que os ingleses foram os únicos clientes,
extraíram-se as seguintes quantidades de mineral. 139 toneladas em 1864
(Administrado por D. Miguel), 6750 em 1883 e vinte mil e quinhentas, em 1885,
último ano de exploração.
Monte de Cima e Monte de Baixo. Foto JV, 1993 |
Encontrámos com data de 5 de Dezembro de 1862, o seguinte
registo: D. Miguel Angel de Leon e Manuel
António d` Almeida, o primeiro súbdito hespanhol, solteiro, engenheiro de
minas, de 35 anos e o segundo, casado, proprietário, de 34 anos e ambos
residentes na vila de Alcoutim que constando que a mina de antimónio existente
nas Cortes Pereiras, freguesia e concelho de Alcoutim, se acha abandonada e
como tal não ser considerada na conformidade da Lei, pretendem que seja
registada como denunciam, pelos suplicantes, em seu nome.
Já antes, 16 de Novembro de 1861, o mesmo D. Miguel tinha
feito o registo de um jazigo de mineral de antimónio e outros metais, em terras
de José Martins Capelo, do monte de São Martinho.
Por testamento de 8 de Dezembro de 1868 é deixado o direito
a duas acções da mina das Cortes Pereiras, por um eclesiástico, a um primo que
foi presidente da Câmara e Administrador do Concelho.
E as referências mineiras continuam.
Mina de prata associada com outros minerais é registada em
27 de Julho de 1872 no sítio do cerro da Casa da Amêndoa e Piçarral, em terras
de Manuel Martins Cravo; em 12 de Abril de 1872, outra de manganés, no sítio da
Vinha Grande (Lourinhã), em terra de José Pedro Rodrigues Teixeira.
Um jornaleiro das Cortes Pereiras, Francisco Afonso, em 13
de Março de 1872, juntamente com dois espanhóis do Porto da Laje, termo do
Granado, registaram uma mina de manganés, associado a outros metais, no sítio
de Ágoas Nascedias, arredores da vila.
Um empregado da Mina das Cortes Pereiras, João António
Madeira Leão manifestou, por Luís Diogo da Silva, residente em Lisboa, uma mina
de cobre na Herdade da Malhada (29.06,1868).
O aspecto comercial foi sempre nulo se não considerarmos
aquelas pequeníssimas actividades próprias dos pequenos meios.
A Casa da Amêndoa, talvez pela sua posição central, alberga
os únicos comércios mistos existentes.
Ultimamente apareceu uma casa de pasto no Monte Longo,
próximo da estrada, que animou muito a zona. Nela se pode tomar a bica brejeira
e os seus acompanhantes, para quem gosta de refrescar-se com uma bebida. Também
se servem refeições e constitui ponto de encontro da zona, sendo fácil
encontrar gentes da vila e dos montes circunvizinhos.
As novas técnicas comerciais originaram o aparecimento de
“estabelecimentos” ambulantes que visitam em dias certos os locais, recebendo
encomendas.
à via romana, Beasuris (Castro Marim) – Pax Yúlia (Beja),
passava por aqui, começando a evitar a foz do Vascão. Depois, esteve séculos
isolada. Segundo dizem, por influência de alguém, abriu-se a estrada municipal
que, não tendo sido feita para servir o povo, não chegou à vila. Com a feitura
da parte restante e a construção da ponte sobre a ribeira de Cadavais, foi
solicitada a mudança nos transportes colectivos públicos (16.02.1987).
Há muito que existe telefone público, um bem a considerar.
Ainda que a todos os “montes” se possa chegar de automóvel, pensamos que é de
inteira necessidade a transformação dos caminhos em estradas pavimentadas.
No aspecto associativo, mantém-se a Lutuosa com cerca de 35
sócios que por morte dão origem a um subsídio de mil escudos. Deixando de ter
razão pelas transformações operadas no campo social, é natural que em breve a
sua extinção seja um facto.
De carácter recreativo e fundada há trinta e seis anos, a
Sociedade Amigos do Monte, com sede própria e somente trinta sócios, atravessa
um período de crise e passava há quinze anos por um período de fulgor.
Depois de se possuir um posto escolar, obtém-se a tão
desejada escola, devoluta em 1983 por falta de alunos. Servia também as
crianças de Vascão e Afonso Vicente.
Agora, as crianças deslocam-se à escola da aldeia de
Pereiro, em transporte camarário.
Houve uma figura pública que marcou fortemente as Cortes
Pereiras e a vida política do concelho no terceiro quartel do século passado.
Trata-se de Miguel Angel de Leon, cidadão espanhol que se naturalizou português
e que é apresentado como engenheiro de minas.
Desconhecendo-se a razão por que veio para o nosso País, mas
que nos parece estar relacionada com a actividade política a que se terá
acrescentado, possivelmente, problemas de ordem pessoal, é dado como chegado em
1860, fixando-se na vila.
Em 1863 já explorava a mina de antimónio. Desenvolve grande
actividade política opondo-se tenazmente ao grupo conservador “reinante” na
vila. Procura defender os mais necessitados, como se pode provar por várias
acções desenvolvidas. A sua imagem política aumenta vertiginosamente o que o
leva, por eleição, à Presidência da Câmara em 2 de Janeiro de 1878, exercendo
também as funções de Administrador do Concelho e representante do mesmo no
Conselho de Distrito.
Por decreto de 2 de Setembro de 1878 é anulada a
naturalização de cidadão português pelo que tem de cessar funções.
Acaba por ser assassinado com um tiro de espingarda pelas
nove horas da manhã do dia 26 de Setembro de 1878.
Nasceu em 1826 e residiu em Madrid até 1856. Viveu cerca de
vinte anos em Alcoutim.
O nome do criminoso, que é dado como natural de Almodôvar,
não corresponde aio que tradicionalmente é apontado, pensamos que se trata de
alcunha.
Em ofício do Administrador do Concelho, informa-se que é a
opinião geral e de todo o critério que o assassinato foi devido a rixas
particulares entre ambos. O assassino residia nas Cortes Pereiras em casas do
assassinado. Sustentam outros, e continua o Administrador, haver certos motivos
que tratarei de pesquisar para me habilitar a informar verdadeiramente. (10)
O que pretende dizer o Administrador é que uma filha do
assassino vivia em casa de D. Miguel como criada e que mantinha relações
íntimas com o patrão e daí o sucedido.
O que a tradição oral transmitiu é bem diferente. O pai da
moça, que tinha boas relações com D. Miguel, é embebedado pelos caciques da
vila que o instigam a cometer o tresloucado acto.
Onde está a verdade?
As promessas eleitorais de D. Miguel, são, segundo o
Administrador do Concelho, as seguintes: Padres, côngruas, derramas, rendeiros
e médico, fora; a passagem de cereais no rio, será livre de direitos e principalmente
declarou que não procurassem já os ladrões pelas estradas, nem nas charnecas,
por que estão todos em Alcoutim. (11)
Por ser considerado ateu, foi-lhe dada sepultura fora do
cemitério católico. (12)
Proprietário da Herdade do Enxoval, em 1876 era um dos
quarenta maiores contribuintes do concelho.
Veio a saber-se que afinal D. Miguel Angel de Leon era um
suposto nome de Pedro Redondo Marquez, que era casado e tinha um filho.
Também não possuía qualquer curso que o habilitasse como
engenheiro. (13)
Ficou-lhe uma filha natural que contava treze anos e que tinha perfilhado. É um dado que a tradição oral não transmitiu, o que de certa maneira não admira. Após a morte do pai, ter-se-ia possivelmente afastado da zona, acompanhando a mãe.
Os alcoutenejos que têm no ouvido o nome de D. Miguel,
trazido de pais para filhos e que naturalmente se vai diluindo, podem, com
estes despretensiosos dados, aclarar situações e completar ideias que se
esboroavam no pensamento.
Para os que nunca ouviram falar dele, e será a totalidade da
nova geração, ficarão alguns dados sobre seta figura polémica.
É conveniente dizer que se Miguel Angel de Leon se escondeu
atrás deste nome, encobrindo o verdadeiro e situações poucas claras, o
Administrador do Concelho, seu antagonista político acabou por fugir para
Aiamonte, onde faleceu, sem regressar ao País, onde tinha à sua espera um
mandato de captura. (14)
As Cortes Pereiras, como parte importante que são da
freguesia de Alcoutim, têm tido sempre elementos seus ligados aos órgãos da
Administração local. Podemos destacar assim, José Martins Cravo, nomeado
licenciador para as eleições de 1834 e depois vereador por alguns anos, ainda
que analfabeto. Foi também representante das Cortes Pereiras na resolução da
criação do cemitério da freguesia.
Põe esta altura, era juiz almotacé, Afonso Guerreiro Drago.
Pertenceram à Junta de Paróquia, Manuel Rodrigues, dos
Currais (1850/51), Manuel Martins Cravo (1852/53 e 1858/59), para recordar só
os mais antigos, do nosso conhecimento.
Em 1859, Vitoriano da Palma, era o Juiz de Paz, substituto.
Nesta zona do nordeste algarvio onde a talisca (xisto)
alimenta a esteva e a roselha e a vida foi sempre difícil, nasceram homens que
pelas suas qualidades natas venceram os obstáculos que a interioridade e
pobreza apresentam. Encontramos assim, entre os seus filhos e de ambos os
sexos, licenciados nos mais variados ramos, desde a medicina ao direito e
outros que, nas profissões que abraçaram se tornaram dignos profissionais,
alcançando posições de chefia e direcção que muito os dignificam e tornando
assim o seu “monte”, que alguns (não todos) teimam em não esquecer, terra mais
conhecida.
NOTAS
(1) Cancioneiro
Popular Português, coordenação de
Maria Arminda Z. Nunes, pág. 76.
(2) Visitações da
Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, Edição CMVRSA, 1987.
(3) Arqueologia
Romana do Algarve, Maria Luísa
Estácio da Veiga Affonso dos Santos, 1971.
(4) Of. Nº 20, de
13 de Janeiro de 1880. in
Livro de Registo de Correspondência Expedida
(5) Alcoutim,
Capital do Nordeste Algarvio, José
Varzeano, 1985.
(6) Portugal
Antigo e Moderno, 1873/1890
(7) As Vilas do
Norte de Portugal, Edição de 1979,
pág.82
(8) A Terra de
Besteiros e o actual concelho de Tondela, Edição de 1981.
(9) “Subsídios para a Toponímia do concelho de Tondela”,
in Jornal Notícias de Viseu, de 3 de
Dezembro de 1922.
(10) Of. Nº 87 de
2 de Outubro de 1879, dirigido ao
Governador Civil de Faro.
(11) Of. Nº 71, de
17 de Julho de 1874, dirigido ao
Governador Civil de Faro.
(12) Of. Nº 115,
de 10 de Dezembro de 1879, dirigido
ao Governador Civil de Faro.
(13) Of. Nº 158., de 2 de Julho de 1878 do Administrador do Concelho, dirigido ao Vice-Cônsul
de Espanha, em Alcoutim e Of. Nº 97, de 14 de Outubro de 1879, da
mesma Entidade e dirigido ao Cônsul Geral de Portugal, em Madrid.
(14) Of. Nº 86, de 6 de Setembro de 1876, ao Governador Civil de Faro.