Escreve
Gaspar Santos
A Alcoutim e a Cinfães ligam-me fortes laços afectivos. Pelo
nascimento e pelo casamento, já que eram de Cinfães os pais e avós de minha
mulher. Observo semelhanças e diferenças no modo de ser destes dois povos que
hoje aqui comparamos.
Cinfães e Alcoutim foram sempre dois concelhos agrícolas
pobres, e hoje, por razões que desconheço, estão no fim da tabela dos
indicadores de qualidade de vida. Mas ambos têm orgulho do seu passado.
Cinfães orgulha-se de
ser berço do explorador Serpa Pinto que ligou por terra pela primeira vez
Angola e Moçambique de costa a costa. Alcoutim orgulha-se do médico e
benemérito Doutor João Francisco Dias. E do seu passado histórico, dos seus
castelos e da colaboração que deu na fixação das fronteiras de Portugal.
Alcoutim. Praça da República. Foto JV, 2009 |
Presumo que Cinfães tem esses indicadores assim tão maus por
causa da economia paralela, isto é, que não é contada nas estatísticas; ao
contrário de Alcoutim em que esses indicadores, sendo igualmente maus e sendo contados,
devem estar correctos.
Há em Cinfães uma certa vida agrícola e pecuária que não
entra nos circuitos comerciais. Aquilo que no campo se consome passa
despercebido, ou melhor entra nos 10% que por defeito é considerado nas
estatísticas, mas que deverá ser bem maior: os frangos caseiros, os ovos, as
galinhas, borregos, cabritos e porcos; as couves, legumes e cereais, além das
batatas, castanhas, cerejas e vinho. O mesmo se pode considerar do trabalho
artesanal que aqui se oferece e se pratica sem o conhecimento estatístico.
Povos pobres de recursos, aquilo que comem apresenta
diferenças quiçá estranhas. O cinfanense come o tomate quase apenas em salada,
não come queijo fresco e ainda menos o almece ou requeijão já que não aproveita
o leite dos animais que cria. Não come a cabeça nem dos peixes nem dos animais
terrestres, mas não sabe explicar porquê. Não é muito apreciador de peixe,
salvo o bacalhau, a sardinha, a pescada e o polvo. Comem com alguma frequência
borrego (a que chamam anho) e cabrito, só animais muito jovens e só assados no
forno. Não comem habitualmente ovelha nem carneiro, nem cabras e bodes.
Por estes exemplos se verifica um pouco como o alcoutenejo é
mais aproveitador dos recursos, digamos de mais “boa boca”. O cinfanense não se
adapta facilmente à dieta mediterrânica que se pratica no Algarve e em
particular aos pratos de Alcoutim que tão bem têm sido descritos neste blogue
por José Varzeano.
Um familiar de minha mulher que foi funcionário das finanças
no Algarve nos anos 20 do século passado, dizia que “gostaria que lhe pusessem
uma venda nos olhos para não ver o que comia”. Nunca se habituou à gastronomia
algarvia. Uns pedreiros de Cinfães que trabalharam para mim em Alcoutim comiam
ali quase apenas frango assado e febras de porco (desde que não fosse porco
preto). Comiam carne de porco à alentejana mas deixavam de lado as amêijoas.
Comer outros mariscos, nem pensar!
Em Alcoutim chove pouco. Enquanto em Cinfães, além de chover
mais, há nascentes de água e fontanários por toda a parte. Por isso, aqui a
agricultura é sobretudo de regadio. Aliás não podia ser de outra maneira, pois
as terras são muito permeáveis, provenientes de rochas graníticas degradadas, e
os solos são mais ácidos e com carência de cálcio e ferro, ao contrário dos de
Alcoutim.
Cinfães. Coração da vila. Foto GS, 2012 |
Também é muito
diferente o comportamento das autoridades no aspeto agrícola, o que tem a ver
com as Leis da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional
(RAN). Por exemplo o corte das silvas é fomentado em Cinfães e proibido em
Alcoutim, o que dificulta a apanha dos frutos que caem quando há silvas e mato
debaixo das árvores.
Os cinfanenses são mais religiosos. No Verão todos os
fins-de-semana são de festas de Santos, com muitos foguetes, fogo-de-artifício
e procissões nas diversas aldeias. Por isso de manhã somos muitas vezes
visitados por músicos percutindo enormes bombos a anunciar o peditório. Para
ajudar a custear os festejos costumam fazer leilões com ofertas da população,
sendo tradicionais as ofertas de carros de lenha grossa para as lareiras. A
noite depois é muito divertida com arraiais a que chamam noitadas. Em Alcoutim
predominam as festas laicas, embora se realizem também festas religiosas.
Alcoutim tem como fronteira leste o grande Rio Guadiana e
Cinfães tem como limite Norte o grande Rio Douro. Ambos os concelhos são
banhados e sempre foram servidos por estes rios como “autoestrada” de ligação
ao mundo.
Mas Alcoutim está mais bem servido de estradas. Em poucos
minutos pode-se estar em
Vila Real Santo António, na Scut Via do Infante ou em
Mértola, por estrada IP que apenas galga pequenos serros.
Cinfães tem como limite Sul a Serra da Gralheira (1.116 m ) e a Serra de
Montemuro (1.382 m )
e o concelho desenvolve-se na pendente sobre o Douro. As estradas são sinuosas
num autêntico caracol, o que dificulta os acessos. Fora as perigosas estradas
municipais o concelho é atravessado pela EN 222 que dá acesso a nascente a
Castelo de Paiva e para poente a Régua, Lamego, Vila Real e Bragança, e pela EN
321 que liga a sede do concelho a Castro d’Aire e A24 para Viseu e Coimbra e
para norte Vila Real e Bragança. Mesmo estas EN têm tantas curvas que transitar
nelas é sempre uma demorada gincana.
As primaveras de um e outro concelho vêem-se engalanadas por
flores brancas de frondosas árvores que cobrem os montes, mais em Cinfães com
as cerejeiras do que em Alcoutim com as amendoeiras outrora fonte de riqueza e
lendas, mistérios e encantamentos, e agora em extinção.
Na questão dos recursos tanto materiais como humanos Cinfães
supera em muito
Alcoutim. Para só falar do mais saliente e sem grandes pesquisas,
Cinfães além de uma Unidade Básica de Urgências tem várias clínicas gerais,
dentárias e oftalmológicas e de análises clínicas e radiológicas. Tem na sede
do concelho um mercado municipal, dois supermercados, vários talhos,
restaurantes e cafés; três lojas de ferragens e de máquinas agrícolas, além de
uma Cooperativa que resultou da extinção do antigo Grémio da Lavoura. Na sede
do concelho há também duas bombas de combustíveis além de várias outras em
localidades das 15 freguesias.
Há no concelho de Cinfães algumas empresas de reinserção que
cedem pessoal para trabalhar, pelo que por aqui não é difícil, ao contrário do
que se passa em Alcoutim, arranjar pessoal. Por outro lado também há oficinas
de ferreiro, canalizador, vidraceiro etc.
Outra semelhança que as estatísticas oficiais revelam é
ambos os Municípios não estarem endividados, o que é uma raridade nos tempos
que correm.