Pequena nota
Vai fazer dentro de
dias 35 anos que publiquei na imprensa regional este texto que tenta dizer algo
que então conhecia sobre a freguesia de Giões.
Como tem acontecido
com todos os outros incluídos nesta rubrica os textos são transcritos do que
então escrevi. Se fosse hoje abordar tal temática naturalmente não o faría nos
mesmos moldes, pois além de ter adquirido mais conhecimentos, possivelmente,
haveria alguma diferença na abordagem.
O artigo por ser um
pouco extenso foi publicado em dois números seguidos do semanário.
A ilustração que
apresento é nova já que a publicação não a teve. Nessa altura tornava-se muito
dispendioso pois tinha que se recorrer à zincogravura.
Quem não conhecia o
texto, que será a grande maioria dos habituais leitores, tem agora a
oportunidade de lê-lo, devendo, naturalmente, não esquecer o tempo que decorreu
desde a sua publicação.
JV
(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 22 e 29 DE JULHO DE
1977)
Planalto serrano, onde o xisto foliáceo dificulta a
introdução de raízes e consequentemente a existência de arvoredo abundante,
agravado por uma pluviosidade diminuta, a freguesia de Giões tem como limites
naturais, ao Norte, a Ribeira do Vascão que a separa do Alentejo e ao Sul, a da
Foupana que a divide da de Vaqueiros, esta, como Giões, pertencente ao velho,
serrano e extenso concelho de Alcoutim.
A ligação com o Alentejo. Foto JV |
A aldeia que lhe dá o nome situa-se numa pequena elevação
circundada de cerros. Dista cerca de vinte e cinco quilómetros da sede do
concelho, a que está ligada por estradas asfaltadas.
Zona remotamente habitada, ainda perdura lendas de mouras
encantadas, como a que se prende à do Cerro das Relíquias. (1)
D. Pedro III |
A paróquia de Giões foi um curato da apresentação do bispo. (3)
O cura tinha de renda oito moios de trigo e um de cevada. Ao coadjutor pagavam
os fregueses conforme a lavoura que faziam e tinha de renda três moios de
trigo. (4)
Muitos gionenses, no decorrer dos séculos ocuparam lugares
de relevo em vários sectores, a nível concelhio.
Sobre a origem do nome, nada encontrámos que o explicasse.
Num semanário regional (5), um alcoutinense apenas formula a
pergunta: Não teria sido uma família constituída por indivíduos com o apelido
de Gião, que lhe deu o nome? Isto, nada nos diz de positivo. Localmente e
impregnado de tradição oral, nada obtivemos, afirmando os nossos interlocutores
que também eles se interrogavam sobre isso.
Num mapa de 1663, aparece designada por A-dos-Giões (6)
e ainda hoje, de quando em quando, se ouve dizer assim.
Na nossa toponímia encontramos composições semelhantes como:
A-dos-Cunhados, A-dos-Negros, A-dos Francos. Topónimos já estudados e de
explicação mais ou menos definida, “o pronome e a proposição substituíram a
velha designação antroponímica possessiva. (7) Em relação a Giões, quais seriam
os originários possuidores? Os etimologistas terão uma palavra a dizer.
Portal da Igreja Matriz. Foto JV |
A igreja matriz, devido às suas características e
património, é um marco justificativo da importância que a aldeia sempre
desfrutou no consenso concelhio.
De fachada de bico, as três naves que a constituem assentam
em dez colunas, sendo as quatro das extremidades, adossadas às paredes.
Os fustes são lisos e os capitéis simples, despidos de
decoração.
A capela-mor, classificada algures de magnífica, tem tecto
que apresenta pinturas do século XVIII e conserva um retábulo neoclássico. (8)
Cadeiral sem valor artístico.
Altar-mor |
No altar colateral do lado do Evangelho, situa-se Nª Sª do
Rosário, imagem do século XV (10) e também a de Nª Sª das Relíquias e de Santa
Luzia. Santo António de Lisboa, encontra-se no altar colateral do lado da
epístola.
Os dois restantes altares, que completam o conjunto de cinco,
estão junto às paredes laterais. Do lado do Evangelho, o das Almas com Nª Sª
das Neves e Nª Sª da Oliveira, do lado da epístola, Nosso Senhor Jesus Cristo,
crucificado e Nª Sª do Monte do Carmo.
O púlpito quadrangular e de madeira, nada possui de
interesse.
A pia baptismal de boca circular, situa-se sob a torre
sineira. Muito tosca e desprovida de qualquer beleza, nota-se-lhe contudo uma
inscrição que não conseguimos decifrar.
A torre sineira, de secção quadrangular e de quatro olhais,
possui três sinos. O maior pesa 250
kg , foi feito em Lisboa no ano de 1817, sendo dedicado a
Nª Sª da Assunção. Outro, de 170 e que está rachado, tem a imagem de S. Tomé e
foi oferecido pelo prior, José Roiz Teixeira, em 1817. Foi refundido vinte e
três anos depois por conta das três confrarias locais (Santíssimo Sacramento,
Nossa Senhora do Rosário e das Almas), sendo prior, M.R. Ataíde. O mais
pequeno, 70 kg ,
foi feito a troco dos sinos velhos, sendo da mesma época dos anteriores.
Dedicado a S. Pedro, a imagem apresenta um pluvial, mitra e chave. (11)
Entraremos agora no património. No que respeita a
paramentos, foi considerado o mais belo e rico do Algarve.
Vestes sagradas – existem ou existiram: paramento para missa
cantada – tecido persa com fundo branco, muito antigo e composto de casula,
dalmáticas, pluvial, estolas, manípulos e bolsa de corporais.
Véu de ombros – de lhama branca, com aplicações de lhama e
outras cores e bordados a ouro. Feitos cerca de 1840, têm a particularidade de
serem executados na própria freguesia.
Roupas de altar – frontal branco, tecido oriental. (12)
Entre as alfaias sacras, destacam-se uma custódia -cálix do
século XVII, de tamanho médio com campainhas pendentes do ostensório, e uma
bela cruz processional, de prata lavrada e relevada, da mesma época. (13)
Trabalhos realizados no templo. Há poucos anos, não
preservaram elementos de interesse.
Porta da Ermida de S. Domingos. Foto JV |
Há cerca de uma vintena de anos, verificando-se a ruína
acentuada da ermida, a imagem do patrono foi conduzida, em procissão, para a
igreja matriz, onde se encontra, como já informámos.
A ideia da reconstrução, durou pouco. Acabou a ermida, ficou
a feira. Por quanto tempo?
Parece que em tempo recuados, teve romaria pois o povo da
região implorava ao santo protector das terças e quartãs (febres de origem
palustre), remédio para as suas enfermidades. (14)
Deixemos por agora a sede de freguesia e rumemos para outro
seu aglomerado populacional.
O “monte” de Clarines, dos maiores e mais populosos,
situa-se a cerca de dois mil e quinhentos metros. Aí se mantêm as ruínas da
profanada capela de Nossa Senhora de Clarines (tomando o nome do lugar) ou
Nossa Senhora da Oliveira porque foi junto de uma destas árvores, segundo a
tradição, que a Senhora apareceu.
Oliveira de Nª Sª de Clarines. Foto JV |
Também tinha romaria na oitava da Páscoa da Ressurreição. (15)
A imagem de Nossa Senhora tomou o mesmo caminho da de S.
Domingos.
As velhas tentativas para a reconstrução goraram-se, apesar
de se ter chegado a elaborar planta que rebolava não há muitos anos, pelas
gavetas da edilidade.
Escavações nas Relíquias |
Deram com um tecto abobadado, medindo cerca de 60 m2 e as pinturas
encarnadas e amarelas que apareceram, pareciam mouriscas, A um canto, um pote
de barro que só tinha terra. Apareceram também duas moedas, não de ouro, mas
sim de cobre e romanas. (16)
A fonte de que bebia o povo da aldeia e que está entre
pedras vivas, não dava água bastante. Após o terramoto de 1755, houve qualquer
modificação geológica, pois começou a dar água com abundância para beber,
servir e mesmo para regar durante uma hora. (17) Pensamos que estes
dados se referem ao actual poço da aldeia, que em 1874 foi aprofundado devido à
interferência do vereador gionense, Dionísio Guerreiro. (18)
A partir do poço, realizaram-se canalizações que vão
abastecer vários fontanários espalhados pela povoação. Ultimam-se os trabalhos
que estavam relacionados com a energia eléctrica, recentemente inaugurada. Será
a primeira povoação do concelho a receber tal benefício, a que tem jus.
Um pouco fora da aldeia, há outra fonte a que ainda chamam
Fonte Santa. Dizem que era uma lagoa a que chamavam da Senhora da Assunção.
Dela fizeram fonte e antigamente as pessoas que tinha febre bebiam de lá com fé
de que não lhes fazia mal. (19)
Presentemente o caudal abastece um lavadouro público,
melhoramente recente.
A cultura cerealífera e a pastorícia, eram as principais
actividades. Semeavam trigo, cevada e centeio, principalmente próximo da
ribeira do Vascão, que eram os melhores.
Linho com baganha. |
A pastorícia, também comum a todo o concelho e uma das
principais razões de subsistência deste povo, tinha aqui grande expressão. Os
vários currais de pedra solta ainda existentes no cimo dos serros (e muitos
estão destroçados), são uma prova disso.
Mantinham-se grandes rebanhos de gado lanígero e caprino e
os bovinos mertolengos também existiam, apesar da sua criação se ter deslocado
para o Baixo-Alentejo.
É terra de destros caçadores. Uma postura municipal de 16 de
Março de 1869, proibia caçar a tiro e a laço, lebres, coelhos e perdizes nos
meses de Abril a Junho inclusive.
Sendo o terceiro centro populacional do concelho, possui
além de estabelecimentos mistos próprios dos pequenos meios, dois
cafés-cervejarias e uma marcenaria semi-mecânica.
Um edifício escolar relativamente novo e de uma só sala,
situa-se um pouco distante da aldeia. Cobrindo o restante da freguesia, existem
escolas primárias em
Alcaria Alta e Farelos.
A antiga residência paroquial, está ocupada por uma
dependência da Casa do Povo de Pereiro e Giões. Um salão, onde funcionou a
telescola, constitui talvez a melhor sala de convívio do concelho. Numa parede,
um quadro a óleo representando uma vista parcial da aldeia e que tem a
particularidade de ser da autoria de um gionense, embeleza o ambiente.
A Junta de Freguesia, com sede própria e a necessitar de
urgente reparação, mantém um arquivo de manuscritos de interesse.
Exteriormente, uma placa em que o povo da freguesia, em 15 de Agosto de 1954,
homenageou o Dr. João Francisco Dias, médico do concelho, pelos relevantes serviços
prestados.
A par das casas degradadas, umas por debilidade orçamental,
outras por incúria, erguem-se novos prédios de aspecto moderno e com condições
sanitárias.
Não queríamos terminar estes apontamentos sem uma leve
referência a três gionenses: ao pároco José Rodrigues Teixeira, falecido em
Lisboa em 1833 e perseguido desde 1828, pelos guerrilhas (20); ao
professor Joaquim Pedro Teixeira (talvez da mesma família) que a nível de
concelho recebeu vários anos um prémio pelo trabalho desenvolvido – por exemplo
no ano lectivo de 1875/76 (21), habilitou com aproveitamento,
cinquenta e dois alunos; e a última vai para José Centeno de Passos que foi o
primeiro presidente republicano da Câmara Municipal, tendo tomado posse em 11
de Outubro de 1910. (22)
A freguesia tinha em 1976, 621 habitantes, assim
distribuídos: Giões (256), Alcaria Alta (81), Clarines (95), Farelos (98),
Marim, 30, Velhas (50) e Viçoso (11).
Carrascal, Minhova, Mingordo e Cacelinha, foram casais
antigamente habitados.
Bons acessos por estradas asfaltadas, energia eléctrica,
água distribuída por fontanários, fossas comunitárias, enfim o saneamento
básico de que tanto se fala, são justas aspirações deste povo que deseja com
urgência o alcatroamento da estrada que o liga ao concelho de Mértola, por Via
Glória.
NOTAS
(1) - As Mouras encantadas e os encantamentos do Algarve, Ataíde de
Oliveira, 1898, pág. 194
(2) - Dicionário Geográfico, Vol. 17, Torre do Tombo
(3) -Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
(4) - Idem de (2)
(5) - Jornal Povo Algarvio, de Tavira, de 28 de
Julho de 1973, artº de Trindade e
Lima
(6) - Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940
(7) - Lendas, historietas, etimologias (…) , Alexandre de Carvalho Costa,
Barcelos, 1959
(8) - Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, Lisboa,
1976
(9) - Idem de (7)
(10) - Idem de (7)
(11) - Vozes de Bronze, Pinheiro e Rosa, 1946.
(12) - Idem de (6)
(13) - Idem de (8)
(14) - Idem de (2)
(15) - Idem de (2)
(16) - Idem de (2)
(17) - Idem de (2)
(18) - - Livro de actas da C.M. de Alcoutim
(19) - -idem
(20) - Corografia do Algarve, Silva Lopes, 1841
(21) - Livro de Actas da Sessões da C.M.Alcoutim.
(22) - Livro de posses da Câmara Municipal de Alcoutim