Sanlúcar, o Guadiana e Alcoutim. Foto JV, 1991 |
Desde que entrou na posse dos
portugueses, vem de sempre a posição raiana de Alcoutim.
O Guadiana actuou como marco
divisório fronteiriço, salvo excepções, como nas zonas de Serpa-Moura ou ao
sul, onde tremulou a bandeira portuguesa na actual cidade de Aiamonte. A
tradição de que o primitivo castelo de Sanlúcar tivesse sido obra de D. Sancho
II quando investiu por este lado está, segundo pensamos, por provar.
D. Dinis |
Alcoutim e Sanlúcar, as irmãs
“siamesas” como bem as definiu Luís Cunha, estiveram sempre e referimo-nos às
suas gentes, viradas e não de costas, uma para a outra, com enormes carências
devido, principalmente, ao seu isolamento.
Se a passagem clandestina
sempre existiu, a legalizada com o consequente pagamento de impostos fez-lhe,
segundo parece, companhia até 1936.
Sabe-se que o surto de
comércio externo, ao longo do século XV, obrigou movimento alfandegário e que,
Diogo Pereira criado de D. Afonso V, obteve a recebedoria da Alfândega desta
vila. (1)
O mesmo rei retirou a D. Maria
Freire a dízima da alfândega de Alcoutim, dando-lhe em contrapartida dezasseis
mil reais de tença.
Um decreto de 13 de Janeiro
de 1834 reuniu os antigos serviços de Alfândega Grande do Açúcar, da Alfândega
do Tabaco e da Casa das Índias, na Alfândega Grande de Lisboa. Ao mesmo tempo,
foram fixadas as atribuições do pessoal, organizou-se com carácter militar o
corpo de guardas da mesma Alfândega e regulamentaram-se os respectivos
serviços. (8)
Nesta altura, mais
precisamente em 6 de Setembro daquele ano, é nomeado interinamente escrivão da
Alfândega de Alcoutim, José Pires dos Reis, isto enquanto sua Majestade não mandar o contrário, de sentimentos livres
que tem prestado serviços à causa da Liberdade.
Do Palácio das Necessidades,
em 20 de Dezembro de 1837 é expedida a seguinte correspondência:- Manda a Rainha, pela Secretaria de Estado
dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, remeter ao ajudante do Procurador
Geral da Coroa as inclusas cópias autênticas da Representação do Director da
Alfândega Grande de Lisboa, e do ofício a que ele se refere do Administrador do
Concelho de Alcoutim, acerca das prevaricações e violências cometidas por
alguns Empregados da Alfândega daquela vila, a fim de que servindo os ditos
documentos para a formação do corpo de delito, promova pelos Agentes do
Ministério Público os termos Judiciais que tiverem lugar por semelhante facto.
Palácio das Necessidades |
O Decreto de 27 de Abril de
1842 fornece a Alcoutim o seguinte quadro da Alfândega: um subdirector que será
também recebedor e verificador, um escrivão de receita, que será também
contador, um porteiro que será igualmente medidor e pesador, um meirinho, dois guardas a cavalo e dois a pé.
Vem a ocupar o lugar de
Subdirector António Pedro Teixeira, nomeado por carta de D. Maria II de 18 de
Abril de 1845. (10)
A Câmara deliberou sobre a
extensão do terreno que deve pertencer à fiscalização da Alfândega da vila.
Assim, foi considerado todo o terreno
que vai desde a ribeira do Vascão até à de Odeleite, aliás, é este o espaço que
há muito tem sido fiscalizado. (11)
Acontece que o Juiz Ordinário
e Subdirector da Alfândega residiam nas Casas da Câmara onde estavam também os
seus serviços de Alfândega. Entende a Câmara que esta situação não lhe convinha
e que à mesma só competia fornecer uma sala para as “Audiências do Juízo”. Foi
resolvido oficiar ao interessado neste sentido que não se mostrou disposto a
abandonar a residência. (12)
Em 28 de Janeiro do mesmo ano,
o Subdirector da Alfândega apresenta à Câmara uma proposta para tornar os seus
serviços mais eficientes e esta só responde dois anos depois!
Analisado o assunto, (13)
tomaram-se as seguintes posições:
Escaler |
2º - Que estabelecido o
escaler, será mais conveniente haver em lugar de porteiro, um meirinho, o qual
satisfaça, além das obrigações do seu cargo, também as que são indicadas pelo
Subdirector.
Sabemos que em 1846 eram
guardas da Alfândega, Mateus António Xavier e Francisco Maria Xavier de
Andrade, sendo Justino José Gomes Monteiro considerado empregado de Alfândega.
Em 1854, António da Silva era chefe de guardas da Alfândega, por carta De D.
Pedro V datada de 8 de Abril (14) enquanto Sebastião José de Freitas, por Mercê
de D. Maria II, datada de 12 de Maio de 1853, é nomeado guarda a pé, por um
ano, da mesma Alfândega. (15)
Em 1858 o lugar de Chefe de
Guardas passou a ser desempenhado por António Simão Vieira. (16)
A reforma aduaneira
introduzida pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1864 coloca a Delegação da
Alfândega de Alcoutim dependente da Alfândega de Olhão, considerada de 2ª
classe. (17)
Manuel António de Almeida que
tinha sido escrivão da Alfândega em 1855 passa a Subdirector da mesma por carta
de 20 de Março de 1863. (18)
E as transformações na rede
alfandegária continuam.
Em 1875 foi criada uma secção
para a fiscalização externa das Alfândegas, compreendendo a área desde Olhão
até Mértola, sendo nomeado seu chefe, António José Ramos Faísca Caimoto, da
vila de Alcoutim. (19)
Dois indivíduos (pai e filho)
são presos pelos guardas da alfândega, devido a terem insultado os remadores da
mesma. (20)
Os guardas, no exercício da
sua função, entre Lutão e Martim Longo, atiraram sobre o sangrador, José de
Sousa Barão, provocando a morte do animal que montava. (21)
O Tribunal de Contas em
acórdão de 1 de Junho de 1880, proferido no processo de gerência de L. F. de M.
e Brito, na qualidade de Subdirector da Alfândega desta vila, no período de 12
de Julho até 9 de Setembro de 1874 (?), condena-o ao pagamento de 29$834 réis.
Os éditos correram por esta Administração do Concelho. (22)
Pelo ofício nº 19, de 25 de
Fevereiro de 1881, informa o Administrador, o Delegado do Procurador Régio da
Comarca de Tavira que se ignora se é ou não vivo o referido funcionário e no
caso de o ser, qual a sua residência e possíveis haveres.
Diz o Administrador que se
lembra de, pelo menos, há trinta anos, ter sido transferido para a Alfândega de
Setúbal e sabe igualmente que é natural da cidade de Faro, locais onde poderão
ser obtidas mais informações. (23)
Em 1882 Fontes Pereira de
Melo procede a outro reajustamento alfandegário, sendo Alcoutim classificado
como delegação de 2ª classe.
Como se vê, várias
transformações sofreu a Alfândega alcouteneja mediante as reformas
introduzidas, pautadas umas pelo cariz político outras tomando em consideração
o movimento operado. Com maiores ou menores atribuições, ora como delegação ora
como posto, a verdade é que ia servindo, fundamentalmente, o interesse das duas
povoações.
Os mercados da vila, no 4º
domingo de cada mês, eram importantes pelo intercâmbio comercial de gado
grosso, cavalar e muar e a transacção de ovos e aves com destino ao país
vizinho aferia-se pelo mesmo diapasão.
Era importante também a
comunicação humana em termos de verdadeira amizade e sob todos os pontos de
vista. Os cruzamentos sanguíneos mais apertavam esses laços. (24)
Depois a Guerra Civil
espanhola pôs fim a tudo isto e a fronteira fechou em 1936, segundo dizem, por
imposição do Generalíssimo Franco. A rígida interdição da comunicação,
retirando ao rio a função de elo de ligação, fez dele barreira isoladora.
Começou por abrir em Setembro
pelas Festas da Vila e pela Páscoa, pelas da Virgem de La Rábida. Depois foram
contemplados o Natal e outras situações.
O tratado luso-espanhol de
1960 previa tal abertura, mas ainda hoje se espera por ela. (25)
Luís Cunha foi um acérrimo
defensor da abertura da fronteira, não na qualidade de Presidente da Câmara que
era, mas sim como simples alcoutinense que se honrava de ser. O talento da sua
pena demonstrou bem a justeza do seu sentir.
Ambas as povoações mantêm
esse grande desejo que naturalmente floriu com o 25 de Abril.
Fernando Lopes Dias,
presidindo à Comissão Administrativa, Júlio António Rosa, primeiro presidente
eleito e Manuel Cavaco Afonso, que efectuou três mandatos, nunca descuraram tal
assunto, colocando-o em posição de prioridade. As forças vivas de Sanlúcar
apoiaram sempre iniciativas deste tipo e muitas vezes tomaram a “liderança” do processo.
Em 1974, o prof. Trindade e
Lima, que foi presidente da Câmara, quando a fronteira ainda estava aberta,
defende a sua reabertura no jornal O Povo
Algarvio, de Tavira. (26)
Em 1979, o jornal O Dia noticiava, segundo revelação do
presidente Júlio Rosa, uma reunião em Huelva entre os responsáveis pelos
distritos e das localidades fronteiriças, para avaliarem da possibilidade da
reabertura da fronteira. (27)
Desconhecemos as conclusões
dessa reunião.
Em 1981, o vereador,
Francisco Ribeiros, em declarações prestadas ao Correio da Manhã, diz que a abertura da fronteira poderia
contribuir para o descongestionamento do tráfego em Vila Real de Santo
António. (28)
É lançada nova ofensiva pela
municipalidade alcouteneja em 1983, com cobertura pela imprensa. Reivindicam
mesmo que a ponte internacional sobre o Guadiana seja construída em área da sua
jurisdição, ligando a vila a Sanlúcar. (29)
O Alcaide de Aiamonte chegou
a tomar posição sobre o assunto, não o apoiando, naturalmente.
Em entrevista ao Correio da Manhã, o presidente da
Câmara, Manuel Cavaco Afonso, declarava:- Sempre que há campanhas eleitorais, é
o ponto quente, mas só que essas campanhas passam e a fronteira continua por
abrir.
Estes últimos parágrafos
escritos em 1985 estão desajustados nos dias de hoje. Não houve a abertura
formal da fronteira, que nunca foi conseguida, mas a integração dos dois países
na Comunidade Europeia tudo modificou.
NOTAS
(1)
– História de Portugal, J. Veríssimo
Serrão, II Vol. p. 234.
(2)
– Brasões da Sala de Sintra, Anselmo
Braamcamp Freire, Vol. III, pág.349IN-CN (Edição facsimilada da de Coimbra,
1930.
(3)
– PT-TT-RGM/E/113883 – D. Maria I, liv.13, fl. 190.
(4).
- Livros de actas das reuniões da Irmandade.
(5)
– PT – TT – RGM/E/ 106672 – Chancelaria de D. Maria I, liv. 19, fl. 197.
(6)
– PT – TT – RGM/E/ 116136 – Chancelaria de D. Maria I, liv. 26, fl. 49.
(7)
– PT – TT – RGM/C/10/94509 – Chancelaria de D. João V, liv. 10 fls. 316.
(8)
– Dicionário de História de Portugal
(Direcção de Joel Serrão), Vol I pp 95 e 96.
(9)
- História de Portugal, Joaquim
Veríssimo Serrão, Vol. VIII, p. 299.
(10)
– PT – TT – RGM/H/232303 – Chancelaria de D. Maria II, liv.23, fls. 171-172.
(11)
– Acta da Sessão da Câmara Municipal de
Alcoutim de 21 de Janeiro de 1843.
(12)
– Acta da Sessão da Câmara Municipal de
Alcoutim 6 de Outubro de 1843.
(13)
– Acta da Sessão da Câmara Municipal de
Alcoutim de 10 de Março de 1845.
(14)
– PT – TT – RGM/I/ 217090. Chancelaria de P. Pedro V, liv. 4, fl. 218.
(15)
– PT – TT – RGM/H/232393, Chancelaria de D. Maria II, liv. 39 fl. 282.
(16)
– PT – TT - RGM/I/ 216818, Chancelaria
de D. Pedro V, liv. 14, fl. 212.
(17)
– História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão Vol. IX, p. 287.
(18)
– PT – TT – RGM/J/2/184293, Chancelaria de D. Luís I, liv. 2, fl.241.
(19)
– Of. Nº 57 de 20 de Outubro de 1875.
(20)
– Of. Nº 48 de 29 de Março de 1877.
(21)
- Of. nº 186, de 7 de Dezembro de
1877.
(22)
– - Ofs. nºs 48 e 67 de 6 de Julho e
7 de Julho de 1880, do Administrador do Concelho.
(23)
- Of. nº 19 de 25 de Fevereiro de 1881 do Administrador do Concelho ao Delegado
do Procurador Régio da Comarca de Tavira..
(24)
- “Alcoutim e S. Lucar (Vilas de Portugal e de Espanha) devem reatar a amizade
que as unia”, Luís Cunha, Diário Popular
de 13 de Maio de 1968.
(25)
- “Uma estrada marginal ligando Alcoutim a Castro Marim oferecia extensa zona
venatória ao turismo”, Luís Cunha, Jornal
do Algarve de 7 de Abril de 1973.
(26)
- O Povo Algarvio de 5 de Novembro de
1978.
(27)
– “Em estudo a abertura da Fronteira com San Lucar”, O Dia de 13 de Maio de 1979.
(28)
– “Alcoutim insiste em ter aberta a sua fronteira” Correio da Manhã de 20 de Agosto de 1981.
(29)
– “Alcoutim quer ponte sobre o Guadiana e porto de recreio”, Jornal do Algarve de 25 de Agosto de
1983 e ainda “A ponte do Guadiana”, Correio
da Manhã, de 29 de Agosto de 1983.