sábado, 21 de julho de 2012

As vilas da minha infância



Escreve

M Dias



Alcoutim e Vila Real de Sto António, foram as vilas onde cresci e me fiz gente. A 1ª,guarda o meu registo de nascimento e o dos meus irmãos, o de minha mãe e toda a família materna. Estão guardados também aí os nossos registos de batismo, na igreja de S. Salvador ou igreja matriz.

Entre estas duas, passamos por Castro Marim onde se encontram os registos de nascimento do meu pai, meus avós e toda a sua família.

Em Alcoutim, foram-me dadas as vacinas dos 1ºs anos de vida, e os cuidados médicos indispensáveis. Fiz os meus exames de 3ª e 4ª classe, assistia todos os anos à Feira e Festa de Alcoutim, (onde me deliciava com os nogás em folha de laranjeira, as batatas doces cozidas em grandes panelões a vapor) e outros eventos à época muito importantes, como a visita do Presidente da República, ou do Sr Bispo. Nesses dias, vestíamos a roupinha nova e bonita, a batinha branca da escola impecavelmente limpa, e com a nossa bandeira, vermelha e verde com o escudo amarelo ao meio feita de papel de seda, colada com cola de frasco a um pauzinho de cana, com ajuda da nossa professora, começávamos a tarefa aí um mês antes. Sim, porque nesse tempo as aulas começavam ás 9h e terminavam só as 17h.

No monte adorava apanhar peixinhos no regato, com um cesto que, posicionado a jusante da corrente, os peixinhos ficavam presos ao serem empurrados e quase enchiam o cesto para regalo dos nossos gatos.

No mês de maio algumas vizinhas compunham lindas Maias, (bonecos de palha vestidos a rigor), cada um representando as tradições de trabalho.

Comíamos até nos lambuzarmos e não poder mais, os deliciosos favos que o pai e alguns vizinhos tiravam das colmeias.

Pelo Sto António e S João, era uma alegria saltar as fogueiras e fazer bailes de roda à volta dos mastros, bem cheirosos com hortelã da ribeira, mantrasto, alecrim, marcela e as floridas alcachofras. No dia seguinte pela fresquinha, a mãe ia lá acima e trazia figos lampos e algumas ameixas deliciosas para o pequeno almoço.

Pelo Natal, apanhávamos musgo e enfeitávamos um altarzinho com degraus onde colocávamos o menino Jesus com as searinhas e as laranjas à moda do Algarve (árvore de Natal surgiu anos mais tarde e só nas cidades). Comíamos galo caseiro ou carne de porco da matança, alguns doces, dos que mais gostava eram os bolinhóis, massa frita, com sabor a laranja e polvilhada de açúcar e canela, se houvesse em casa, claro.
Cada um tinha uma prendinha, naquela zona chamava-se oferta, geralmente uma barrinha de marmelada ou um pequeno chocolatinho.

O Carnaval era trapalhão e divertíamo-nos imenso, especialmente a tentar descobrir quem eram os mascarados que se vestiam de mulher, os homens, e vice-versa. A máscara era muito simples, quase sempre, um saco de pano com buracos para os olhos e boca. Andavam de casa em casa e faziam muitas trapalhices.

 No Carnaval era hábito comer filhoses e na Páscoa os confeitos (amêndoas que nos ofereciam os padrinhos), as madrinhas ofereciam pão doce, (as costas) no dia de todos os Santos.

 Aos 5/6 anos já viajava de Alcoutim a V Real com o meu irmão mais velho 3,5 anos, o Zé, sempre que começavam as férias escolares. Lá morava a nossa avó, numa casinha minúscula com a nossa tia solteira que dedicou a sua vida à mãe e aos sobrinhos (eu e os dois irmãos). Cabíamos todos e ainda se arranjava espaço se alguém chegava e não tinha transporte para casa.

 De manhãzinha, pouco depois do nascer do Sol, lá íamos com a avó para a praia que ficava a cerca de 10 minutos a pé mesmo contando com as tropelias que fazíamos pelo caminho. Atravessávamos a mata e ajudávamos a avó a apanhar caruma dos pinheiros que ajudava a acender o carvão onde se assavam os belos peixinhos que se compravam ali mesmo no areal.

Antes, dávamos banho, como se diz no Algarve, com água aquecida ao sol no balde grande de zinco.

 Voltávamos a casa dos pais apenas na tarde anterior ao 1º dia de aulas.

Ainda hoje me enjoa quando recordo o cheiro intenso a peixe cozido, sardinha, cavala, carapau, atum, das inúmeras fábricas de peixe que nesses idos anos 50 empestavam aquela vila, e redondezas, hoje cidade de Vila Real de Stº António, mas, nada que não compense a beleza e policromia daqueles grupos enormes de mulheres que de bicicleta percorriam desde a Aldeia Nova, logo as 6,30h da manhã a caminho das fábricas, daquele rio, do jardim ribeirinho, do Cine Foz, da esplanada do Mariani onde nos deixavam entrar sem dinheiro, quando o filme estava para sair, da feira da praia com a variedade de carrosséis onde andávamos uma vez no ano, mas nos encantava aquela música, aquelas luzes, as longas sestas que dormíamos no quarto da tia, acordados pela belíssima voz da vizinha Maria Teresa que cantava as canções do top desse tempo, e os jogos da macaca e dos berlindes no terreiro em frente à minúscula casinha da avó.

E as extensões de couve-flor que se estendiam pelas hortas junto à estrada e que avistávamos do trem e que eu batia o pé, e gritava que queria couves de açúcar....!

Muitas, muitas e doces recordações das minhas duas Vilas.