Escreve
M Dias
Alcoutim e Vila Real de Sto António, foram as vilas onde
cresci e me fiz gente. A 1ª,guarda o meu registo de nascimento e o dos meus
irmãos, o de minha mãe e toda a família materna. Estão guardados também aí os
nossos registos de batismo, na igreja de S. Salvador ou igreja matriz.
Entre estas duas, passamos por Castro Marim onde se
encontram os registos de nascimento do meu pai, meus avós e toda a sua família.
Em Alcoutim, foram-me dadas as vacinas dos 1ºs anos de
vida, e os cuidados médicos indispensáveis. Fiz os meus exames de 3ª e 4ª classe,
assistia todos os anos à Feira e Festa de Alcoutim, (onde me deliciava com os nogás em folha de laranjeira, as batatas
doces cozidas em grandes panelões a vapor) e outros eventos à época muito importantes,
como a visita do Presidente da República, ou do Sr Bispo. Nesses dias,
vestíamos a roupinha nova e bonita, a batinha branca da escola impecavelmente limpa,
e com a nossa bandeira, vermelha e verde com o escudo amarelo ao meio feita de
papel de seda, colada com cola de frasco a um pauzinho de cana, com ajuda da
nossa professora, começávamos a tarefa aí um mês antes. Sim, porque nesse tempo
as aulas começavam ás 9h e terminavam só as 17h.
No monte adorava apanhar peixinhos no regato, com um
cesto que, posicionado a jusante da corrente, os peixinhos ficavam presos ao
serem empurrados e quase enchiam o cesto para regalo dos nossos gatos.
No mês de maio algumas vizinhas compunham lindas Maias,
(bonecos de palha vestidos a rigor), cada um representando as tradições de
trabalho.
Comíamos até nos lambuzarmos e não poder mais, os
deliciosos favos que o pai e alguns vizinhos tiravam das colmeias.
Pelo Sto António e S João, era uma alegria saltar as
fogueiras e fazer bailes de roda à volta dos mastros, bem cheirosos com hortelã
da ribeira, mantrasto, alecrim,
marcela e as floridas alcachofras. No dia seguinte pela fresquinha, a mãe ia lá
acima e trazia figos lampos e algumas ameixas deliciosas para o pequeno almoço.
Pelo Natal, apanhávamos musgo e enfeitávamos um
altarzinho com degraus onde colocávamos o menino Jesus com as searinhas e as
laranjas à moda do Algarve (árvore de Natal surgiu anos mais tarde e só nas
cidades). Comíamos galo caseiro ou carne de porco da matança, alguns doces, dos
que mais gostava eram os bolinhóis, massa frita, com sabor a laranja e
polvilhada de açúcar e canela, se houvesse em casa, claro.
Cada um tinha uma prendinha, naquela zona chamava-se
oferta, geralmente uma barrinha de marmelada ou um pequeno chocolatinho.
O Carnaval era trapalhão e divertíamo-nos imenso,
especialmente a tentar descobrir quem eram os mascarados que se vestiam de
mulher, os homens, e vice-versa. A máscara era muito simples, quase sempre, um
saco de pano com buracos para os olhos e boca. Andavam de casa em casa e faziam
muitas trapalhices.
Antes, dávamos banho, como se diz no Algarve, com água
aquecida ao sol no balde grande de zinco.
Voltávamos a casa
dos pais apenas na tarde anterior ao 1º dia de aulas.
Ainda hoje me enjoa quando recordo o cheiro intenso a
peixe cozido, sardinha, cavala, carapau, atum, das inúmeras fábricas de peixe
que nesses idos anos 50 empestavam aquela vila, e redondezas, hoje cidade de
Vila Real de Stº António, mas, nada que não compense a beleza e policromia
daqueles grupos enormes de mulheres que de bicicleta percorriam desde a Aldeia
Nova, logo as 6,30h da manhã a caminho das fábricas, daquele rio, do jardim
ribeirinho, do Cine Foz, da esplanada do Mariani onde nos deixavam entrar sem dinheiro,
quando o filme estava para sair, da feira da praia com a variedade de carrosséis
onde andávamos uma vez no ano, mas nos encantava aquela música, aquelas luzes,
as longas sestas que dormíamos no quarto da tia, acordados pela belíssima voz
da vizinha Maria Teresa que cantava as canções do top desse tempo, e os jogos
da macaca e dos berlindes no terreiro em frente à minúscula casinha da avó.
E as extensões de couve-flor que se estendiam pelas
hortas junto à estrada e que avistávamos do trem e que eu batia o pé, e gritava
que queria couves de açúcar....!
Muitas, muitas e doces recordações das minhas duas Vilas.