Escreve
Gaspar Santos
A PENSÃO MADEIRA
Aspecto da fachada principal. Foto JV, 1971 |
A Pensão Madeira funcionava no edifício onde hoje é a
Farmácia Caimoto, mesmo ao lado da Igreja Matriz de Alcoutim. Era explorada por
Custódia Madeira, uma senhora que tinha três filhos: Alfredo, Palmira e Alzira.
Este edifício foi mais tarde restaurado mantendo todavia a
mesma fachada. A entrada principal era onde hoje é a porta da farmácia e dava
acesso ao 1º andar e terraço. À direita existe um portão de ferro onde outrora
havia um portão de madeira, que dava entrada para o quintal e as cavalariças.
Deixemos a descrição do interior da pensão para José Varzeano que, em solteiro,
esteve aqui hospedado quando já era Pensão Marreiros, nome do novo hospedeiro.
O quintal tinha dois portões que davam para os “estrazes”:
um a meio e outro no topo poente junto ao logradouro da GNR. Nele semeava o
vizinho Domingos Corvo favas, ervilhas e outros legumes, além das ervas de
cheiro com que a Senhora Custódia Madeira condimentava as comidas. Este quintal
foi sacrificado com a construção da actual rua de continuidade com o Largo da
Igreja.
Tinha um poço muito fundo, com cerca de 25 m . Tomo esta medida pelos
metros de corda que a Senhora Custódia comprava quando tinha de substituir a
que servia para içar o balde. No verão apenas tinha pouco mais de um metro e
meio de altura de água. A secção quadrada em alvenaria desde o gargalo até
cerca de 5 m
abaixo do solo, assentava em rocha xistosa. Para baixo, nessa rocha mantinha a
secção quadrada embora mais tosca tal como fora escavado até ao fundo.
Encostava ao muro do gargalo um tanque de lavar roupa que as empregadas da
pensão utilizavam. Tirava-se a água com um balde atado a uma corda e por meio
de uma roldana.
Esse poço fazia parte de um sistema que incluía uma cisterna
localizada no terraço da pensão e que era alimentado a partir do poço através
de água que escorregava por uma telha de canudo encimando o muro, que ainda lá
está a ladear um caminho até ao terraço. A outra margem deste caminho encostada
aos muros de suporte dos quintais vizinhos tinha um canteiro de flores que se
continuava até ao terraço.
A água desse poço tinha mau gosto, não sendo utilizada senão
para lavagens. Meus pais, que sempre tiveram boas relações de vizinhança com a
proprietária da pensão, estavam autorizados a tirar do poço a água que
quisessem, o que nos deu um grande conforto, pois o abastecimento alternativo
era longe e caro. Aqui bastava tirar a água aos baldes do poço e subir a rampa
do muro derrubado para o nosso quintal.
O velho portão da pensão. Foto JV, 1971 |
Para além da água que este poço fornecia, tinha uma outra
utilização igualmente nobre: fazia as vezes de frigorífico quando este
utensílio doméstico ainda não tinha chegado a Alcoutim. A senhora Custódia
Madeira utilizava-o por vezes e outras vezes eram pessoas que lho pediam para
refrescar cervejas ou vinho para alguma festa. Quem conhece o calor dos nossos
verões sabe, com certeza, avaliar a necessidade de bebidas frescas, frescura
essa que esta água tinha o mérito de lhes conferir.
O tipo de pessoas que aqui se hospedavam eram funcionários
públicos em princípio de carreira, caixeiros-viajantes, ou alguma pessoa que se
vinha tratar com o Dr. João Dias. O atendimento e os pratos que serviam, bem
como o grau de satisfação e de fidelidade dos clientes, para não me estar a
repetir, direi que era o mesmo da Pensão Botelho sua concorrente, já aqui
referida no dia 4 de Novembro.
O Senhor Silva era talvez a pessoa mais rica da vila. Além
de ser um grande proprietário de terras e laranjais era funcionário da Câmara
Municipal, tendo chegado a Chefe de Secretaria interino. Era porém um alcoólico
inveterado e tinha fama de ser um D. Juan, parece que com muitas aventuras no
seu passado. Quando apanhava uma bebedeira maior ficava adoentado e ia curar a
ressaca hospedando-se na Pensão Madeira onde lhe davam uns caldinhos e alguma
aspirina até passar.
Da família dinamarquesa (um casal com duas filhas e um
filho) ali hospedados eram todos pintores de quadros a óleo. A sua técnica era
do tipo naturalista e pintavam sobretudo paisagens. Estiveram hospedados duas
grandes temporadas com um intervalo. Os jovens filhos solteiros integraram-se
muito bem na juventude alcouteneja, eram agradáveis e geralmente estimados. Iam
aos bailes e o Henry e uma irmã estiveram à beira de casar em Alcoutim.
O Jorge era um adolescente com forte gaguez mal se
percebendo. Natural do distrito de Leiria, no início dos anos 40 esteve
hospedado na Pensão Madeira enquanto se tratava com o Dr. Dias. Estava
acompanhado de um familiar mais velho. Fomos amigos e convivemos muito pois o
nosso quintal e o da pensão eram contíguos e dava para brincar em baloiços e
com o meu cavalo de madeira. Mais tarde, aí pelos anos 60, fui encontrá-lo
internado no Hospital Júlio de Matos muito revoltado com a vida e também com o
familiar que o acompanhara durante o tratamento. Não foi capaz de superar as
dificuldades de comunicação e a sua mente adoeceu.
A Pensão Madeira também tinha capacidade de alojar as bestas
e até as carroças e/ou charrettes,
meios de transporte que os hóspedes utilizavam quando ainda não havia ou não se
tinha generalizado o automóvel. Era nesse estábulo que o vizinho Domingos Corvo
guardava a sua burra.
No tempo a que me reporto era ali empregada Maria Miquelina,
de Alcoutim, em permanência, com a ajuda de Maria Rufino de Balurcos quando
havia mais trabalho, e ainda outras pessoas em trabalhos de carácter
sazonal.
Com o envelhecimento da dona da pensão esta passou a ser
gerida pelo Senhor Marreiros dando continuidade a esta casa de hóspedes nos
anos 60.