Escreve
Daniel Teixeira
Depois do que escrevi na última crónica sobre a (in)
evolução do conceito de vizinhança e embora reconheça que faz parte do meu ser
tentar lutar na minha medida pela sua boa memória anterior, ainda que reconheça
também a sua impraticabilidade no presente, gostaria de esclarecer alguns
aspectos que no curto das crónicas nunca cabem.
Tenho feito parte de todo um conjunto de iniciativas e sites
(até mesmo no facebook da moda) cujo objectivo, ainda que não confessado nem
programado de antemão, pretende encontrar uma plataforma de entendimento entre
o passado e o presente no que se refere a formas de estar e relacionamentos.
A antropologia cultural, que desde muito novo me cativa, é
para mim mais do que a mera recolha de elementos e anotações sobre
acontecimentos: para mim esta disciplina tem uma função socialmente importante
se tivermos em conta que ela deve procurar funcionar como um elemento de conhecimento
do passado e do presente que sejam ambos ao fim e ao cabo reconhecidos no mesmo
campo expressivo. Quer isto dizer que não se faz antropologia (seja ela a
cultural ou outra) que tenha como objectivo único ser um inventário estático do
passado ou do presente.
Porque é que eu tenho de uma forma geral retratado as
pessoas que conheci em Alcaria Alta, por exemplo, como pessoas que perderam
batalhas? Nunca tem sido porque a culpa, a fundamental culpa seja delas, dessas
pessoas. Retrato a situação que conheci no tempo em que a conheci e o tempo era
de derrota. Falei de algumas tentativas quase todas ou mesmo todas frustradas
em que alguns procuraram encontrar nesgas de esperança e confiaram nas suas
ambições até que chegaram à altura em que não podiam confiar mais e que só a fé
os fazia mover dado que os resultados eram já nulos.
Na sua grande parte, tal como eu e os meus familiares,
tivemos de partir e a tal nesga de oportunidade que foi negada àqueles que
ficaram acabou por ter o seu lugar nas cidades, na emigração em geral, num
outro lugar. O esgotamento dos meios locais foi-se esvaindo como água numa
peneira.
O que eu procuro recordar é a luta, a capacidade de luta,
que essas pessoas que foram ficando, ou as que regressaram depois de estadias
mais ou menos prolongadas e se confrontaram com a necessidade de viverem um
pouco melhor, mas nunca aquele viver bem que almejavam. E é essa capacidade de
luta que faz falta agora neste mundo todo que é o nosso e que augura novas
batalhas perdidas todos os dias.
Talvez o sacrifício e a capacidade de sofrer dos
montanheiros deste período de que tenho falado seja, ao fim e ao cabo, uma
escola para aqueles que por esse período não passaram e nem pensaram passar.
Talvez este passado, tantas vezes olvidado e desprezado até, talvez ele venha a
fazer mesmo falta porque neste momento, independentemente da dualidade campo -
cidade, a capacidade de lutar, esta capacidade que eu conheci, vai seguramente
fazer mais falta ainda.