(PUBLICADO NO JORNAL
DO ALGARVE DE 29 DE SETEMBRO DE 1978)
Pessoa amiga, tendo necessidade (e
eu não sei porquê e para o caso não interessa), de saber, ou tentar saber, o
significado da palavra “ALEO” que consta do brasão de armas da velha vila da
margem direita do Guadiana, perguntou-me por intermédio de um familiar, se lhe
podia dizer algo sobre o assunto.
Efectivamente possuo alguns
apontamentos e não tive dúvidas em lhos facultar, com muito gosto.
O meu interesse sobre tal
matéria, já vem há mais de uma década e nunca consegui, dentro das pessoas que
contactei, qualquer explicação.
O que obtive, foi um diálogo útil
com um alcoutinense amigo que também estava interessado em saber a razão da
existência daquele termo.
Anos depois, tive muito gosto em
transmitir-lhe as conclusões a que cheguei. Entretanto, um pároco que passou
esporadicamente pela vila raiana, também demonstrou interesse por tal assunto,
mas desconheço se chegou a alguma conclusão.
Prevendo que possam existir
alcoutinenses interessados em tal questão e usando da benevolência do Jornal do Algarve, respiguei nos meus
apontamentos o que passarei a descrever e que poderá ser considerado um óbolo
para o assunto.
A longevidade de Alcoutim como
vila, deve remontar ao período de após a conquista do sul do País, concretizada
por D. Afonso III.
D. Dinis, D. Afonso IV, D. Manuel
I e mesmo D. José (!), são apontados como monarcas que lhe deram esse
privilégio, mas a maioria dos autores inclina-se para os dois primeiros.
Em tempos remotos, devia a vila
ter o seu selo, visto que teve foral antigo, mas perdeu-se com certeza, razão
por que mostrou desejo de voltar a tê-lo.
Em 21 de Junho de 1927, o
ex-tesoureiro da Fazenda Pública do concelho, José António Guerreiro Gascon,
escreve à Comissão Administrativa da Câmara, presidida pelo professor do ensino
primário, Manuel José da Trindade e Lima, dando conta dos estudos e diligências
por ele empregues para obter os elementos necessários à reconstituição do
brasão de armas do concelho.
A Secção Heráldica da Associação
dos Arqueólogos Portugueses, única entidade com competência e autoridade para
se pronunciar sobre o assunto, aprovou, em sessão de 8 de Junho de 1927, o
seguinte parecer, assinado pelo seu presidente, Afonso Dornelas (1)
“Armas” – De vermelho com o GRITO “ALEO” em letras de ouro, circundado por
ramos de oliveira frutados da sua cor. Em chefe, um castelo de prata
acompanhado por duas cabeças, uma de carnação branca coroada de ouro e outra de
carnação negra, com turbante de prata. Coroa mural de quatro torres. Listel
branco com letras pretas. O campo de armas é de vermelho por este esmalte
representar em heráldica os feitos de guerras, as vitórias e ardis e a vila de
Alcoutim foi teatro de lutas. (2)
“O brasão de armas foi aprovado
em sessão da Câmara de 7 de Junho de 1928, sendo a Comissão administrativa
composta por, Manuel José da Trindade e Lima (presidente), José Francisco Ginja
e José Teixeira.
Deliberou-se também que todos os
documentos referentes a este assunto fossem cuidadosamente guardados no arquivo
da secretaria da Câmara (?!), que da acta se extraísse uma cópia de teor para
ser enviada ao Arquivo Nacional, da Torre do Tombo onde deve ficar registada e
arquivada; que ao chefe da secretaria da Câmara, aposentado, Manuel António
Torres, seja enviada uma cópia da acta com o agradecimento desta Câmara pelas
diligências efectuadas e oficiar ao tesoureiro Guerreiro Gascon,
comunicando-lhe a resolução tomada e o vivo reconhecimento pelo seu trabalho neste
assunto. “ (1)
Parece-nos de interesse fazer
algumas considerações.
Reparámos que o pórtico
renascença da igreja matriz é encimado por um brasão esculpido na pedra, cujo
escudo é do tipo francês e nele aparece, em lugar de destaque, a inscrição “ALLEO”,
circundada por ramos de azinheira frutados. A mesma palavra medieval surge-nos
igualmente sobre um fundo azul e branco (cores da monarquia) na Capela de Nª Sª
da Conceição.
Assim, séculos antes da
constituição do actual brasão de armas da vila, a palavra “aleo” já aparecia
referenciada com evidência. Admira-nos que no parecer não seja apresentada uma
explicação mais completa sobre este termo, visto ser só apresentado como “o
grito”
Na presença desta lacuna tentámos
encontrar algo que nos levasse a uma explicação.
Não nos admirou verificar que o
mesmo “ALEO” faz parte do brasão de armas da cidade de Vila Real. Começa a
encontrar-se um caminho. A cidade transmontana tem algo de ligado à vila
algarvia? Certamente que sim.
D. Manuel I, erigiu a vila em
condado a favor dos primogénitos do marquês de Vila Real. Há divergências na
data. Enquanto uns pretendem que seja 1520 (data do foral novo), outros
afirmam, talvez com mais razão, ser 13 de Junho de 1497. Abrimos aqui um
parêntese para dizer que mesmo em frente da habitação que a tradição aponta
como “palácio” condal, situa-se a capelinha de Santo António, santo popular
festejado nesse dia. Não haverá qualquer ligação entre estes dois factos?
O primeiro conde de Alcoutim foi
D. Fernando de Meneses, filho do 1º Marquês de Vila Real, que casou com D.
Maria Freire de Andrade, filha de João Freire de Andrade, Senhor de Alcoutim,
possuidor de muitas herdades no termo, algumas de que ainda resta o nome
(Bacelar, Pontal, Finca Rodilha, Posto Fuzil, Diogo Lopes, Rossio, etc.)
aposentador-mor da Casa Real e de D. Leonor da Silva, filha de Pedro Gonçalves
Malafaia, vedor da Fazenda de D. João I.
D. Pedro de Meneses, primeiro
Marquês (*) de Vila Real e primeiro governador de Ceuta, encontrava-se em
Lisboa, repousando das canseiras do cargo, jogando o truque com o rei. Chegam
entretanto notícias de que os mouros tinham posto cerco à cidade, desejando
recuperá-la. D. Pedro, notando a preocupação do monarca, tranquiliza-o
dizendo-lhe que ele, com aquele “aleo” iria a Ceuta e os mouros fugiriam com
medo. E dizendo isto, mostrava um grosso pau de zambujo com que estava jogando.
O cerco pôde ser levantado com o auxílio prestado de Portugal. (3)
O “aleo” (pau de zambujo) teria
ficado, assim, como símbolo de D. Pedro de Meneses, tronco do marquesado de
Vila Real e do condado de Alcoutim. O seu túmulo gótico que se encontra na
igreja da Graça, em Santarém, possui a palavra medieval entre ramagens
heráldicas. (3)
Encontrámos outra referência ao
“aleo” de D. Pedro de Meneses: no Dicionário Geográfico (1747), do Padre Luís
Cardoso, lê-se. No fim da villa
(Azurara), para a parte do norte, junto ao rio Ave, está hum armazém, em cuja
frente se vê esculpido em huma pedra o ALEO, ou pau de zambuj, que D. Pedro de
Meneses, conde de Vianna e tronco da Real Casa de Villa – Real, recebe da mão
do Senhor Rey D. João I, com que se ofereceo a defender a cidade de Ceuta,
contra os mouros. (4)
Parece-nos assim que encontrámos
a razão da existência do “ALEO” no brasão de armas desta vila.
O “castelo”, significará a praça-forte
que foi, a carnação branca representará o cristão vencedor e a negra, de
turbante, o mouro vencido. Os ramos de oliveira frutados a abundância desta
árvore na região, principalmente nas margens do Guadiana. No brasão esculpido
no pórtico da igreja matriz, a oliveira é substituída pela azinheira, árvore
que aqui foi muito abundante, principalmente no interior do concelho e em
especial na freguesia de Vaqueiros, que pertenceu sempre, apesar do seu
afastamento, ao termo de Alcoutim. A coroa mural de quatro torres, é a
representativa de vila.
Distante de uma peritagem ou
mesmo com um mínimo de formação para chegar a uma conclusão científica (se
assim se pode chamar e o caso requer), procurámos dar uma explicação. Muito
grato ficávamos se alguém nos viesse informar do contrário. Isso bastaria para
nos satisfazer.
NOTAS
(1)
– Livro de Actas da Câmara Municipal
de Alcoutim, 1926 – 1930, pág.38 v. e 39
(2)
– Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira
(3)
– Santarém no tempo, Virgílio Arruda,
1971.
(4)
- Azurara (concelho de Vila do Conde)
Subsídios para a sua monografia, Bertino Guimarães, Eugénio da Cunha e
Freitas e Serafim das Neves, Porto, 1948
(*)
– Não foi 1º Marquês mas sim 1º Conde. O seu neto, com o mesmo nome e daí a confusão
é que foi 1º Marquês e pai do 1º Conde de Alcoutim.
Pequena nota
Este texto foi publicado há 34 anos!
Como sempre fazemos, constitui a reprodução do original ainda que
possamos já ter detectado erros e falhas.
O ”grito” que li na escrita do escrivão da Câmara e que tinha sentido
no texto, parece afinal ser“grifo”, que eu admito não ter aqui o sentido de ave
mas sim forma de letra também conhecida por itálico ou então alguma designação
técnica de heráldica que desconheço.
No Diário da República nº 37 de 13 de Fevereiro de 1985 Iª
Série (p.346) foi publicada a Portaria nº 92/85, de 13 de Fevereiro e do
seguinte teor:
Atendendo à solicitação formulada pela Câmara Municipal de
Alcoutim, distrito de Faro, e ao parecer favorável da Associação dos Arqueólogos
Portugueses:
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da
Administração Interna, que a constituição heráldica das armas, bandeira e selo
do referido município seja aprovado de harmonia com o disposto no artº 14 do
Código Administrativo, nos seguintes termos:
Escudo – vermellho, com o grifo «ALEO» em letras de ouro
circundado por ramos de oliveira frutados, de sua cor. (...)
Nunca percebi a razão da
publicação desta Portaria pois a constituição heráldica das armas, bandeira e
selo já existiam desde 1927,
a não ser que o tivesse sido por uma questão de
legalização.
JV