sábado, 12 de junho de 2010

1ª Feira de Artesanato de Alcoutim

Pequena nota

Atendendo a que decorre neste fim-de-semana a XXV Feira de Artesanato & Etnografia de Alcoutim, lembrámo-nos de evocar a 1ª que teve lugar no Castelo da Vila e certamente já perdida na memória das pessoas.
JV

[O tosco cartaz da 1ª feira de Artesanato, 1986]

As feiras deste tipo após o 25 de Abril começaram a aparecer por todo o país. Umas foram-se mantendo, melhorando, progredindo, enquanto outras acabaram por se extinguir.

Em 1986 e em Alcoutim, por proposta do vereador da oposição, Dr. Francisco Amaral, a Câmara aprovou a realização de uma feira de artesanato em Alcoutim no sentido de mostrar o ainda existente e tentar reactivar o que se encontrava em vias de extinção.

Nomeada a Comissão Organizadora e presidida pelo vereador proponente, além do apoio da Câmara obtém subsídios de várias Entidades.

A feira realizou-se nos dias 9 e 10 de Agosto e teve como palco o Castelo da Vila, na altura sem grandes condições mas que já tinha beneficiado de algumas obras, muito limpo e já com água canalizada. Nada tinha de comparável ao que conhecemos em 1967 e que se manteve até 1974 com alta erva cortada pelo dente dos ovinos que sustentava, ou então servindo de pocilga e mesmo de hortejo, sendo isto algumas fases por onde passou.

Nessa altura o dinheiro para a sua organização era pouco, encontrando-se o concelho numa fase importante de desenvolvimento de infra-estruturas que consumiam o orçamento municipal.

Esta 1ª Feira foi feita com base nos artesãos do concelho que aderiram à iniciativa com todo o empenho. Foram espalhados pelo recinto e eram protegidos do sol por esteiras feitas de cana, delimitados os seus espaços por pequenos barrotes facetados por onde passavam cordas de ligação. Muito a propósito (o que penso hoje não acontecer), a existência de uma tabuleta que identificava a arte, oferecendo alguns dados fundamentais sobre ela e também dados biográficos sobre o artesão.

Entre outros, lembramo-nos da presença de cadeireiros, cesteiros, doceiras, ferreiros, tecedeiras e fabricantes de medronho.

Poderemos aqui indicar algumas notas que recolhemos nessas tabuletas:

CESTARIA
Manuel Francisco
Idade – 70 anos
Naturalidade – Corte da Seda
Exerce há 62 anos e aprendeu em Espanha (Sanlúcar)
Material – A cana e a verga são adquiridos nos barrancos.
Trabalho que se pode fazer – cestos, canastras e condessas. A fase mais importante do trabalho é o debrum. Começa-se por pelar as canas que são rachadas fininhas, em primeiro lugar é feito o fundo até à largura desejada, depois é começada a parede do cesto e só depois de terminada é que é feita a asa.
Local de venda – Residência. A razão da menor procura é a existência de plásticos.

CADEIREIRO
Manuel Francisco.
Idade – 63 anos.
Naturalidade –Fortim ((Vaqueiros)
Não frequentou a escola. Exerce a actividade há 14 anos.
Material – Madeira, palha, pregos, cepilho e rebote. Com o cepilho ou rebote raspa-se a madeira. Depois de raspada, prega-se e faz-se o assento com palha. A madeira tira-se da árvore e só se utiliza depois de seca. Os pés têm forma arredondada e são feitos com o auxílio da faca que os descasca ou são facetados quando existe o cepilho ou rebote. A parte mais interessante de se fazer é o assento.

Esta descrição que transcrevemos é pouco elucidativa pela dificuldade do artesão em a fazer e pela falta de conhecimento de quem recebeu a informação.
Entre outras coisas faltou referir o trado, a junça e a tabua.

[Os típicos cadeireiros trabalhando. Foto JV, 1986]

TECELAGEM
Senhorinha Gonçalves.
Idade – 62 anos.
Naturalidade – Penteadeiros (Martim Longo).
Não frequentou a escola. Aprendeu com a avó e exerce há 47 anos.
Material – Linha, lã e tear. Faz mantas, tapetes e toalhas de linho.
Vende na Feira de Castro Verde.

[A representante Senhorinha Gonçalves. Foto JV, 1986]

TECELAGEM
Maria Teixeira
Idade – 66 anos.
Não frequentou a escola.
Material – Lã, retalhos, linho, linha e tear.Urde-se, isto é, prepara-se o fio para ser lançado no tear. Depois de lançado, enrola-se no órgão. Mete-se no “restelo” para fazer a divisão dos fios e finalmente há uma 4ª fase que tem o nome de “tampeirar”, isto é, atar os fios às “canas”.

ALBARDEIRO
António José Pereira.
Idade – 51 anos.
Naturalidade – Soudes (Pereiro)
Exame da 4ª classe.
Exerce há 30 anos, aprendeu em Alcaria Alta.
Material – Palha de centeio, serapilheira, cabedal e fio de lã, para enfeitar. Fio, agulha e dedal. Albardas, molins e miniaturas.
Faz-se o molde, enche-se com palha. Forra-se em cabedal. É cosido com fio e leva também algum enfeite em lã. A fase mais importante é a armação.

LACTICÍNIOS
Maria Teixeira Ferreira
Idade – 49 anos.
Naturalidade – Vaqueiros.
Material – Leite, cardo, sal e cincho.
Trabalho: Queijo e almece.
O leite é coalhado, depois põe-se a ferver num tacho. Em seguida põe-se a arrefecer. Depois de estar normal, deita-se o cardo e o sal, quando estiver coalhado junta-se com uma escumadeira e mete-se no cincho e só depois de estar no cincho várias horas e já meio seco é que são mudados para um tabuleiro.
Vende na residência.

APICULTOR
Manuel Ferreira António.
Idade – 44 anos.
Naturalidade – Serro (Vaqueiros).
Tem a 4ª classe.
Exerce há 30 anos e aprendeu com o pai.
Material – Cortiça, crestadeira e máscara (peneiro).
Põe-se o cortiço no campo com um enxame lá dentro. Passados 40 dias está capaz de tirar as abelhas para outro cortiço, ficando a cera e o mel. Tira-se o favo que se espreme para a peneira, separando-se assim o mel da cera. Lava-se a cera que ainda tem resíduos de mel. Essa água é fervida com mais um pouco de mel e quando fica apurado o líquido obtido constitui a água-mel.

[O belíssimo mel do concelho de Alcoutim estava bem representado. Foto JV, 1986]

DOCEIRA
Jerónima Antónia Fernandes.
Idade – 55 anos.
Exerce há 35. Aprendeu com a Ti Ana Brandoa.
Produto – nógado.
1 kg. de miolo de amêndoa com pele e 0,75 l de mel.
Põe-se o mel a arfelar, tem-se a amêndoa ripada à mão. Quando o mel estiver a arfelar, deita-se a amêndoa ripada. Mexe-se com uma colher de pau sempre, até alourar. Quando estiver a alourar baixa-se o fogo. Tem-se uma tábua molhada com um pano. Estende-se rapidamente com o rolo da massa também molhado, têm-se o papel vegetal cortado em quadrados. Coloca-se uma camada de nógado e a seguir o papel e assim sucessivamente até se obter uma série de 10 quadrados.

[Comprando doces. Foto JV, 1986]

Apresentamos assim uma série de artesãos que estiveram presentes na 1ª Feira de Artesanato de Alcoutim e todos naturais do concelho, reproduzindo o que as tabuletas continham. Mais estiveram presentes.

Na “esplanada do castelo” foi servida uma caldeirada de peixe do rio típica da região e que hoje é difícil conseguir por falta de peixe capaz, pelo menos é isso que temos encontrado nas tentativas feitas.

A primeira feira, apesar das deficiências naturais, foi um êxito e daí a sua continuação.

A pedido da Comissão Organizadora (1) foi-nos solicitado uma pequena palestra sobre o artesanato do concelho e que viemos a proferir.

[José Varzeano proferindo a pequena palestra. Foto IN, 1986]

Assistimos depois a mais duas ou três realizações, colaborando numa com uma exposição fotográfica e de pintura, que teve lugar na Capela de Nª Sª da Conceição.

Assistimos, sem o termos projectado, à XXIV e onde verificámos transformações muito acentuadas. A organização melhorou imenso em muitos aspectos, contudo, do artesanato alcoutenejo resta muito pouco.

As tabuletas, que referimos e que consideramos importantes, foram banidas possivelmente pela falta de artesãos locais.

Aqui fica o que conseguimos reunir sobre a 1ª Feira de Artesanato de Alcoutim que já vai na XXV edição.

Nota
(1)-Ofício nº 10/86, de 15 de Julho.