segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Irmandade de Nª Sª da Conceição na Vila de Alcoutim


A partir da Restauração da Independência, foi instituída a Confraria de Nossa Senhora da Conceição dos Soldados, já que este culto tinha um carácter patriótico e estava relacionado com as vitórias obtidas nas batalhas de Ameixial e Montes Claros. (1)

Silva Lopes informa que a capela tem rendimento próprio com que sustenta um capelão e é administrada pela Câmara. (2)

Em 1867 o Governador Civil oficia à Câmara Municipal perguntando se cede a administração da Real Capela à Junta de Paróquia da vila, ao que esta responde que achando-se na posse há mais de um século da administração da referida capela, entende que não devia ceder dela, não obstante não poder mostrar outro título de posse, senão a real e efectiva que desde tempos imemoriais conserva.
Na capela lá estava a divisão destinada às reuniões da Real Confraria, divisão que em 1837 era conhecida pela “Casa de S. Francisco”.

Em 1518 na “visitação” efectuada pelos representantes da Ordem de Santiago(4) é mandado fazer ao Prior Rui Martins um livro onde sejam registadas as propriedades da Capela para que a todo o tempo se saiba que são da dita ermida.

É vasta a relação onde se encontram courelas, malhadas de colmeias, mortórios (terrenos estéreis), vinhas, moradas de casas, hortas, etc.

Nestes bens estava indicada uma courela de matos em Vasquam (Vascão).

Parece que no século XVI pelos lados do Vascão ainda imperava o mato. Somos de opinião que esta courela de matos é, anos depois, designada por Herdade do Vascão.

[Óleo de JV, 1968]

Outra herdade que lhe pertencia era a do Atacado, entre a vila e as Cortes Pereiras, que em 1826 pagava de décima 720 réis e parece que foi aforada a várias pessoas já que em 1875, António Gomes, das Cortes Pereiras, requer à Câmara que lhe seja admitido remir a quinta parte daquele foro, de trinta alqueires de trigo, que lhe pertence pagar. (7) Sabemos que em 1925, ainda Manuel Silvestre Martins Corvo pagou 150 alqueires de trigo, transformando-os em dinheiro e referente a cinco anos.

Na freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, mais propriamente nas Cortes de S. Tomé, actuais Cortes Nova e Velha, possuía a Capela Real outra herdade, de que era foreiro em 1851, José Dias.



Apresentou-se este com seu filho, Francisco Dias, na Câmara, pretendendo que fosse feito um novo emprazamento a favor de seu filho, passando o foro para mais dez alqueires de trigo, o que ficou a constituir o foro anual de oitenta alqueires.

Foi lavrada então nova escritura de aforamento, pelo tempo de três vidas, sendo a primeira a do dito Francisco, este indicará a 2ª e a 2ª a 3ª. Também este foro veio a ser remido pois em 7 de Novembro de 1878, foram entregues pelo Administrador do Concelho seis inscrições de dívida pública que totalizam 1.900 réis e provenientes daquela alienação. (8)

Esta herdade, em 1826, pagava de décima 2.160 réis.

Em 1850, um foreiro de propriedade pertença da Capela de Nª Sª da Conceição, residente na aldeia do Pereiro, “vendeu” a quatro indivíduos, sendo três da mesma aldeia e um dos Tacões, terrenos das courelas que não lhe pertenciam.

Devido à situação de insolvência do referido enfiteuta, que já devia cinco anos de foro, a Câmara acabou por resolver possibilitar aos “compradores” de pagarem o competente laudémio de quarentena. (9)



O Presidente da Câmara, na Sessão de 25 de Junho de 1849, propõe à mesma e é aprovado, que os foreiros à Capela de Nª. Sª. da Conceição sejam obrigados a vir lavrar escrituras de aforamento pois os livros de contas e o Tombo dos Bens da Capela levaram consumo.

Em 1876 acusa-se a recepção de um ofício que era acompanhado de uma lista de 656 foros à Capela que devem ser vendidos (remidos) perante o Governador Civil, no dia 10 de Julho de 1876, cuja lista foi para o efeito afixada. (10)

Apesar disto, em 1916, a Câmara constata haver bastante atraso no pagamento de foros, pelo que deliberou mandar avisar os foreiros no sentido de efectuarem os respectivos pagamentos e em caso de o não fazerem, que sejam accionados os mecanismos judiciais para as cobranças se efectuarem. (11)

Em 1927 há mais notícias de remição de foros.

O prof. Trindade e Lima, presidindo à Câmara Municipal, apresentou a seguinte proposta: Que autorizando o Artª 609 do Código Administrativo, as Câmaras a fazerem durante dez anos a remição obrigatória dos foros de que sejam credores, e tendo a Real Capela de Nª Sª da Conceição alguns foros e sendo a mesma, desde a sua fundação, administrada por esta Câmara, estando pois na sua posse desde sempre, proponho que durante o corrente ano económico, esta Câmara ao abrigo do que legalmente está legislado, procedesse à remição obrigatória dos aludidos foros. A proposta foi aprovada por unanimidade. (12)

Desde 1766, só podiam servir como tesoureiros da Irmandade, indivíduos que soubessem escrever. (13)

Apresentamos agora um quadro que organizámos de alguns tesoureiros que serviram a Real Confraria de Nª. Sª. da Conceição.



Os tesoureiros da Confraria passaram a ser remunerados a partir de 1898 com a verba de 5$500. (14)

Em 1837 foi recomendado ao tesoureiro da Confraria que começasse a vender o trigo proveniente dos foros, visto ser agora o tempo em que ele mais rende. (15)

O tesoureiro, em 1853, chama a atenção para a necessidade de se transformar o trigo em dinheiro, já que é preciso pagar-se a décima e outras despesas próprias. A Câmara decidiu que só se vendesse quando o preço chegasse a dezassete vinténs. (16)

A António Guilherme, porteiro da vila, foi mandado que trouxesse em pregão de venda, cinquenta e sete alqueires de trigo para serem vendidos a quem mais oferecer. Foi arrematado por 400 réis o alqueire, montante oferecido por José Pedro Roiz Teixeira. (17)



Em 1877, os 54 alqueires foram vendidos por quarenta mil oitocentos e vinte réis a António José Maria Xavier.

Em 1931, ainda se punham à cobrança, até 31 de Dezembro, os foros da Capela de Nª.Sª. da Conceição, sendo o preço do litro de trigo de 1$50..(18)

As contas da Irmandade eram presentes para julgamento, nas “Casas de Aposentadoria do Desembargo de Sua Magestade que Deos Guarde, ao Provedor e Contador de Sua Real Fazenda nas Comarcas deste Reino dos Algarves”.

A partir de 1831, as contas começaram a ser julgadas no Conselho do Distrito, depois de serem aprovadas pela Câmara.

No auto de exame efectuado às contas de 1842/43, o Administrador António Joaquim Pinto achou que estavam dignas de merecerem aprovação do Conselho do Distrito.

Mais informa que na falta de inventário e tomo respectivo, a Municipalidade declarou ter desaparecido pela Guerra Civil de 1833 e não ser possível substituir a tempo de poder acompanhar o livro de contas, não se juntam as certidões solicitadas. (19)

No termo de aprovação lavrado em 22 de Novembro de 1843, na Secretaria do Governo Civil de Faro, informam que o saldo “grandioso” verificado deve ser dado a juro para aumentar os rendimentos da Confraria. (19)

Informa a Câmara que não é possível dar a juro o líquido da Capela, por ser este diminuto. O saldo que diz estar em poder dos Herdeiros de António Sebastião de Freitas (93$998 réis), não tem sido satisfeito porque os mesmos herdeiros foram em 1833, quando emigraram para Faro, roubados e saqueados na sua casa pelos guerrilhas. Justificaram depois ter no saque entrado os géneros da mesma Capela. Diz também que é impossível, por falta de títulos, cobrar judicialmente as dívidas que figuram nestas contas, não se sabendo em que propriedades eram impostos tais foros e até não existindo nem se conhecendo os supostos foreiros. (19)

Respondendo a 4 de Julho de 1849, ordena o Governador Civil que dentro de um mês se obriguem os herdeiros do tesoureiro alcançado a pagar a importância há muito tempo em dívida e de que são responsáveis.

O Conselho do Distrito deverá ser informado do resultado desta sua deliberação. (19)
Em 12 de Julho de 1855, solicita o Administrador do Concelho ao Conselho do Distrito que praticará um acto de justiça se os dispensasse do pagamento ou permitindo que o fizessem em prestações anuais não excedentes à décima parte do alcance. (19)

Em 17 de Dezembro de 1856, ordena o Conselho do Distrito que, tendo tomado em consideração a boa administração e os interesses da Capela, haja de se activar a cobrança da mencionada dívida. (19)

Vamos encontrar, em 1856, na receita, a importância de 13$998 réis entregue por conta do alcance do tesoureiro António Sebastião de Freitas que exerceu durante muitos anos as funções de escrivão da Câmara. (19)

Só em 1860 é completado o pagamento do referido alcance (18) que levou cerca de vinte e sete anos a satisfazer e sem juros !
Vamos terminar com referências de carácter histórico que nos parecem de interesse.

A Irmandade, em 1834, alumia a Capela pelos festejos do casamento da Rainha D. Maria II com o príncipe D. Augusto (19) e em 1835, em acção de graças pela chegada de Sua Majestade a Rainha D. Maria II.(19) No mesmo ano, a 4 de Abril, alumia-se novamente devido à passagem do aniversário natalício de D. Maria II e por fim, e desejando dar público testemunho de amor e respeito à memória da mesma Augusta Soberana, fizeram-se solenes exéquias pelo seu eterno descanso, com a pompa compatível com os meios disponíveis. (20)

[Um aspecto da Igreja, vendo-se o escadório]

NOTAS

(1)-Alcoutim - Algarve – Portugal, Francisco Lameira, Setembro/1994.
(2)-Corografia do Algarve.
(3)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Julho.
(4)-Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio, Hugo Cavaco, 1987.
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 25 de Fevereiro de 1856.
(6)-Acta da Sessão da C.M.A. de 1 de Fevereiro de 1877.
(7)-Of. nº 78 de 23 de Junho de 1875.
(8)-Acta da Sessão da C.M.A. de 31 de Outubro de 1878.
(9)-Acta da Sessão da C.M.A. de 26 de Agosto de 1850.
(10)-Of. nº 58 de 29 de Junho de 1876.
(11)-Acta da Sessão de 6 de Julho de 1916.
(12)-Acta da Sessão de 19 de Fevereiro de 1938.
(13)-Livro de Rª e Dª da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1744.
(14)-Livro de Rª e Dª da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1785.
(15)-Acta da Sessão da C.M.A. de 19 de Fevereiro de 1837.
(16)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Dezembro de 1853.
(17)-Acta da Sessão da C.M.A. de 11 de Maio de 1873.
(18)-Acta da Sessão da C.M.A. de 23 de Julho de 1931.
(19)-Livro de Rª e Dª da Real.Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1858.
(20)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Dezembro de 1853.