sexta-feira, 4 de junho de 2010

Alcoutim anseia naturalmente à vida

(ENVIADO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO POPULAR EM 30 DE MAIO DE 1968)

Pequena nota
Mais um excelente artigo do nosso colaborador póstumo que parece ter sido escrito ontem, tal a actualidade que grande parte apresenta.
O autor, como já informámos os leitores, deixou de dar título aos artigos, ficando este à disposição do jornal.
Não sabemos se o artigo foi publicado, mas pensamos que sim, apesar da referência à catastrófica campanha do trigo.
O título foi tirado do texto.

JV







Escreve

Luís Cunha



Na medida em que este concelho de Alcoutim, mercê de contratempos vários, vê descer em quantidade e qualidade os seus efectivos humanos ao mínimo biológico, à zona em que começa a tornar-se perigosa a sustentação, torna-se evidente a imperiosa necessidade de acudir-lhe com recursos substanciais de toda a ordem.

A magreza dos solos completamente esgotados, a debilidade económica e o atraso cultural das populações, restante da emigração – velhos rotineiros e inválidos - , não oferecem a menor garantia de conservação e existência dos quadros da hierarquia social, e muito menos, como é evidente, de com eles compor os mecanismos indispensáveis a uma necessária renovação.

[Seara. Foto JV, Maio 2010]

O acerbo do problema justifica plenamente um cuidadoso estudo, por equipa de técnicos competentes, das potencialidades inexploradas da região, estudo que nunca pecará se insistir com particular atenção nas peculiaridades deste homem xerófilo, seco como a terra em que vive e que não sente de água a menor necessidade.

A concorrência altamente infeliz de factores de ordem natural e humana, geram um condicionalismo impeditivo da continuação desse antigo modo de vida de uma agricultura de simples sustentação com o trigo por base:- completamente isolado e à margem de toda a comunicação, sem riquezas mineiras ou quaisquer outras que uma estrada possa valorizar tornando-as utilidade a satisfazer necessidades humanas, com solos paupérrimos e sem juventude capaz de adaptações a novos processos, afigura-se indispensável, embora todos os prejuízos apontados, a transformação desta agricultura contingente em outro sistema económico de maior segurança.

A arborização em larga escala a que os solos de xisto foliáceo parecem prestar-se, poderia constituir, quando conjugada com o trigo de sustentação e uma rudimentar criação de gado, um finca pé a outro modo de vida, mas esta transformação do sistema de simples celeiro ou despensa em armazém de sobras, implica tremendas e complexas adaptações para cujo estudo se requer a mais prudente cautela.

[Maioral com o seu rebanho. Foto JV, Maio de 2010]

A moto-mecanização é naturalmente indispensável mas como técnica superior ao nível cultural do indígena, requer um especial cuidado de uso a fim de se não repetirem os distúrbios a que deu lugar ultimamente a substituição do velho arado pela charrua que elevando temporariamente a produção muito acima dos máximos económicos redundou cedo na total degradação dos solos, frustrando todas as promessas.

Alcoutim anseia naturalmente à vida, mas os seus caminhos são incomensuravelmente grandes para tão pequenas posses.

Daí o apelar auxílio confiante em que este não faltará no momento oportuno, superando todos esses embaraços.