[Chaminé antiga. Foto JV, 2010]
Iremos começar desta vez pelo topónimo cujo significado nos pode proporcionar algumas interpretações.
Na Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira (1) diz-se que é alusivo a oficinas onde já no século XV, pelo menos, se trabalharia o ferro.
José Pedro Machado, escreveu:- Do s.m. ferraria, inicialmente “Mina de Ferro”, “oficina metarlúrgica”, sítio em que os Romanos ou os Pós -Romanos descobriram ferro nativo, ou escórias antigas, isto é, vestígios de trabalho antigo; e também local em que se trabalhou o ferro, e isto segundo Leite de Vasconcellos (Opúsculos., III, p 367) (2)
Esta explicação poder-nos-á levar a concluir que a existência da pequena povoação, “monte” terá a ver com a exploração mineira representada pela mina da Cova dos Mouros ou das Ferrarias que lhe fica próximo, situada numa grande herdade, hoje desmembrada, designada por Herdade da Malhada ou das Ferrarias.
Não vamos incluir neste artigo a abordagem à Mina da Cova dos Mouros, a maior que existiu no concelho de Alcoutim e que iremos fazer em tema próprio, como merece.
[Casa típica com chaminé. Foto JV, Maio de 2010]
A notícia mais antiga que possuímos desta pequena povoação é-nos dada pelo processo nº 10478, instaurado pelo Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Évora contra Gaspar Guerreiro ou Gaspar Martins Guerreiro, que vivia da sua fazenda, filho de Manuel Guerreiro e de Maria Estevéns, natural de Ferrarias, Freguesia de S. Pedro de Vaqueiros, concelho de Alcoutim, morador no concelho de Almodôvar e casado com Domingas Francisca.
O réu é preso em 5 de Fevereiro de 1700 e acusado de ter fugido da casa de seus pais, com dez ou doze anos, trocando o nome de Gaspar por João, para não o conhecerem. Casou pela 2ª vez com Domingas Guerreiro, sendo ainda viva a 1ª mulher pelo que é acusado de bigamia.
Denunciado pelo sogro (presumimos que seja o 1º) transitou da cadeia pública de Évora para a prisão do Limoeiro em Lisboa em 30 de Agosto de 1701. Por provisão de 13 de Janeiro de 1702, foi-lhe comutado o degredo. (3)
Vamos então à procura do pequeno monte, que terá por fundador, como tudo indica, o latifundiário local e em tempos recuados que virão após as conquistas de Alcoutim e de Tavira, a que se seguiu o desbravamento da serra.
Tomando a estrada que parte de Martim Longo para Vaqueiros, após a passagem da ponte da Ribeira da Foupana entramos na freguesia de Vaqueiros e vamos encontrar à esquerda a indicação de Ferrarias, caminho de terra batida que seguimos.
Além de estreito, é mau e lá o vamos seguindo como podemos. Do lado direito o “Parque Mineiro”, empreendimento turístico inaugurado em 11 de Outubro de 1997 (4) e que nos mostra a antiga mina de cobre da Cova dos Mouros com reconstituições pré-históricas, dando ao visitante a sensação de estar numa viagem através dos tempos.
[Burros pastando. Foto JV, 2010]
O caminho continua e conseguimos passar por um barranco de alguma dimensão.
Um pouco mais à frente descobre-se o pequeno monte, num serro, de onde se vislumbram os contornos da serra algarvia.
Pouco arvoredo e no vale próximo corre a ribeira da Foupana, linha divisória das freguesias. Num prado pastavam vários burros, hoje bem poucos no concelho mas que foram abundantes pelo menos há cinquenta anos.
[Rua do monte. Casas caiadas e com barras. Foto JV, 2010]
São notórias as construções ao gosto regional, sendo as habitações caiadas, havendo mesmo a utilização dos ocres amarelados ou azuis para as barras. Ainda se podem ver os característicos poiais, uma velha e interessante chaminé, fornos, alguns derruidos pelo tempo e falta de utilização mas, há ainda pelo menos um que serviu recentemente.
No centro da pequena povoação uma casa “apalaçada” de dimensões fora do comum para a zona e que foi mandada construir pelo lavrador do monte para a sua residência mas que segundo nos informam não chegou a acabar.
O núcleo de habitação com motivos geométricos decorativos está assinalado no Regulamento do Plano Director Municipal, tal como outros vestígios medievais em que se inclui um povoado islâmico no Cerro dos Mouros.
Por ali, ainda se pode respirar ar puro.
[Casa de lavrador restaurada e recuperada para outras funções. Foto JV, 2010]
Quando foi vendida a herdade também incluiram a parte urbana que restauraram para dar apoio ao empreendimento turístico que já referimos. É nela que podem pernoitar com sossego absoluto os visitantes que o desejem e com marcação prévia.
A electricidade foi levada à povoação em Novembro de 1999 (5) e como tal o acesso devia ter sido consideravelmente melhorado, o que não aconteceu.
Voltamos a recuar no tempo para dizer que segundo as Memórias Paroquiais de 1758 o monte tinha quatro vizinhos, número semelhante ao indicado para Bentos, Galachos, Pomar e Mesquita, todos da mesma freguesia.
Em 1852/53, Manuel Afonso, deste “monte”, era o Juiz Eleito e em 1858 pertencia à Junta de Paróquia.
Em 1860, Manuel da Palma que vivia neste monte e José Rodrigues, de Alcaria Alta da Serra, freguesia de Cachopo, eram os proprietários da Herdade das Ferrarias.
Segundo declarações prestadas por uma residente em 1996, no seu tempo de jovem, viviam sete casais e algumas crianças. Dedicavam-se à agricultura e à pastorícia em moldes de subsistência.
Faziam-se grandes bailes de “canto”, vinham moças e moços de Santa Justa, Alcaria Alta e de outros montes. Enquanto uns cantavam outros dançavam ao som da “flaita”. E conclui: É certo que a miséria era muito maior que é hoje, mas as pessoas eram muito mais unidas. (6)
Segundo informação que nos foi prestada por um antigo presidente da Junta de Freguesia em 1998, o monte tinha cinco fogos sendo dois habitados.
O caminho que atravessa o monte continua vislumbrando à saída e um pouco afastado, uma construção nova e relativamente recente. Fomos aconselhados a não segui-lo pois podíamos ter problemas para atravessar o barranco. O caminho vai dar à Mesquita, a Malfrade e à aldeia de Vaqueiros.
NOTAS
(1)–Vol. 34, p 161.
(2)–Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte/Confluência, 1993, p 635.
(3)-ANTT / Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Évora, proc. 10478
(4)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 5, de Novembro de 1997, p 39.
(5)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 7 de Março de 2000, p 15.
(6)–Jornal da Serra, nº 16 de Novembro de 1996.