quinta-feira, 3 de março de 2011
Migas de azeite
Esta rubrica do blogue recentemente criada por sugestão de um dos colaboradores, nunca teve a pretensão de ser uma página de culinária e muito menos a indicação de receitas, quantidades, tempos de cozedura, etc.
Ainda que, naturalmente, isso faça falta, não é essa a missão que aqui pretendemos passar.
Temos lido nos vários tipos de suporte (papel, digital, etc) a indicação de receitas como típicas de várias zonas do país, completamente adulteradas pela imaginação das pessoas e até com algum sentido comercial. Até temos ouvido dizer que é preciso inovar e enriquecer as receitas. Que inovem sim, que façam aquilo que lhes der na”real gana” mas não digam que são típicas daqui ou dali.
MIGAS ou MIGA são termos muito abrangente e que tem a ver com o verbo migar ou seja, partir em migalhas, cortar aos bocadinhos.
Migar está neste caso relacionado fundamentalmente com o pão ou batata.
Há MIGAS de muita coisa: bacalhau, espargos, alentejanas, boroa, couve e de azeite, entre outras e que têm pontos de origem muito diferenciados.
Quando há 44 anos chegámos a Alcoutim, na casa que nos recebeu perguntaram-nos se gostávamos de migas, a que eu respondemos afirmativamente, acrescentando “muito”.
Quando chegou a altura de as servirem, ficámos um pouco confusos, pois aquelas pouco ou nada tinham a ver com as migas de que gostávamos e que afinal eram “migas alentejanas”feitas com pão tipo caseiro amassado e tostado com o pingo proveniente de leve fritura de enchidos (chouriço, morcela ou negro), entrecosto e toucinho entremeado. Não podiam faltar os dentes de alho tostadinhos que lhe dão um toque muito especial.
O pão era enrolado na frigideira com o auxílio destas gorduras formando uma espécie de bola. Acompanhava-se com a carne frita e os alhos. Eram estas as migas que conhecíamos e apreciávamos que se faziam em nossa casa de meus pais duas ou três vezes por ano, já que a nossa avó materna era alentejana e que apesar de se encontrar fora da sua região de origem, mantinha muitos usos e costumes.
O que nos apresentaram não era nada disto ou por outra, disto só tinham o pão e os alhos. A bola de pão era enrolada pelo mesmo processo mas a gordura utilizada era o azeite. O acompanhamento era feito com peixe do rio (muge) frito e azeitonas. Havia outra grande novidade, grande parte das pessoas juntavam ao acompanhamento o café por onde passavam frequentemente a colher cheia de migas ou seja, molhavam as migas no café.
Depois de uma leve hesitação acabámos por comer e não desgostar.
São estas as migas típicas de Alcoutim e que poderão ser conhecidas como “migas de azeite”. Nunca comemos outras por lá ainda que tenhamos conhecimento que as migas alentejanas (com carne de porco) são por lá conhecidas mas excepcionalmente feitas e dizemos isto porque fizemos pesquisa neste sentido e reproduzindo a grande maioria da informação recolhida.
O que se vê escrito e badalado por aqui e por ali é outra coisa que nada tem a ver com o uso e tradição local.
Isto compreende-se muito bem pois o porco morto anualmente (e nem todos o faziam) tinha de chegar para o ano e a carne devidamente doseada tinha outras aplicações. O azeite era muito mais acessível ao alcoutenejo e daí a sua aplicação.
Era muito tradicional comer sempre de manhã umas migas e talvez daí venha o uso do café que foi sempre muito apreciado por estas gentes.
O acompanhamento das migas tinha muito a ver com a economia das famílias e a utilização do peixe (muge, carapau, sardinha) marcava esses condicionalismos.
Aqui por nossa casa cumpre-se a tradição alcouteneja. Há muito que não comemos “migas alentejanas”, mas para a próxima vez irão ser assim, respeitando as nossas raízes maternas.