[Um aspecto do Guadiana em Alcoutim. Foto, JV, 2010]
Foram as boas condições de comunicação fluvial, uma das principais razões para a importância que outrora a vila desempenhou.
O majestoso Guadiana, - Ana ou Anas flúmen durante a dominação romana, (1) - conhecido pelos Árabes por Uádi (rio) Ana, (2) de onde proveio a denominação actual, depois de passar pela grafia Odiana, (3) era a principal via de comunicação. Todo o comércio era feito pelo rio.
Em fenício, Anas, significa ovelha ou ovelhas, enquanto outros querem que seja palavra grega que significa toupeira. Rio das ovelhas ou rio das toupeiras, não destoa das suas raízes já que tem parte do seu curso subterrâneo e uma vasta área das suas margens é excelente para a criação de gado lanígero. (7)
Por aqui passaram os povos invasores da península (Gregos, Fenícios, Cartagineses, Romanos e Árabes), a quem não era estranho o filão mineiro do Baixo-Alentejo.
No período compreendido entre os séculos XII e XIV, apesar da instabilidade fronteiriça, registava-se um intenso tráfego fluvial: madeira, mel, peixe, cereais, etc.. (4)
O foral de Mértola (1254) refere-se à utilização do rio para o transporte de diversas mercadorias. Documentação posterior continua a revelar a importância desse tráfego, sendo uma via de saída dos produtos do Alentejo, principalmente do trigo. (5)
No século XVI o carvão era vendido a espanhóis e a ingleses, transportado através do Guadiana.
Dizia-se que Vila Real de Sto. António engrandecia devido aos géneros da província do Alentejo que a ela chegavam através do rio.
De Mértola até à foz o rio é navegável, alargando-se muito a partir do Pomarão.
O Guadiana é considerado o mais navegável dos rios portugueses. (6)
De carácter estacional, estava sujeito a grandes cheias como os demais, dispõe de boa profundidade, atingindo vinte e quatro metros nas proximidades das Laranjeiras, em resultado da forte pressão das águas face à curva que têm de vencer. (7)
[O Guadiana visto da marginel. Foto JV, 2011]
Segundo Charles Bonnet (1850), as embarcações de guerra podem entrar no Guadiana na maré-alta e aí estacionarem na maré baixa. (8)
Ainda nos nossos dias, as condições de navegabilidade eram boas e nele entravam barcos de grande calado e de várias nacionalidades que iam até ao Pomarão, porto fluvial situado na confluência deste rio com a ribeira de Chança, carregar o minério cuprífero das Minas de São Domingos. Acontecia isto desde 1859, sendo a Inglaterra o primeiro cliente, seguindo-se-lhe a França, Holanda, Bélgica e Alemanha. Só em 1907 os barcos da CUF começaram a fazer esse trajecto. Em 1964 a mina deixou de funcionar e consequentemente acabou esse movimento do rio. (9)
Era sulcado por barcos de todas as condições. Veleiros de vários tamanhos dedicavam-se ao transporte de todo o género de mercadorias.
O trigo produzido nas achadas da redondeza e que abastecia Tavira, era “exportado” pelo rio.
Frequentemente viam-se barcos carregados de sal e materiais de construção.
Baptista Lopes, na Corografia do Algarve, 1841, diz que tem alguns barcos pequenos ou botes que se empregam na condução de frutos para Mértola, Castro Marim e Vila Real, trazendo pescaria.
Este transporte chegou aos nossos dias. Os barcos, aproveitando as marés, vinham rio acima carregados de pescaria. Nos locais propícios, desembarcavam “marujos” (gente de mar da zona de Castro Marim - Vila Real - Monte Gordo) que de canastra ao ombro se introduziam pela serra vendendo o pescado. Alguns por cá ficaram constituindo família.
Em 1453 o infante D. Fernando passou por aqui saindo de Castro Marim, onde passou oito dias com o tio, o Infante D. Henrique, o Navegador, seu pai adoptivo, a caminho de Mértola seguindo para Beja, onde o Rei, com a corte, se adiantou a recebê-lo. (10)
Em 1782 o conde de Vale de Reis, novo governador e capitão-general do Algarve, depois de chegar a Mértola, desce o Guadiana no escaler do governo, é recebido em Alcoutim onde é lida a carta régia de nomeação e instala-se na cidade de Tavira. (11)
Fontes Pereira de Melo, Presidente do Conselho de Ministros, se não passou por aqui, pelo menos a sua passagem esteve planeada em 1874 numa visita que projectou ao Algarve. A Câmara preparou-se para o receber.
Parece que D. Carlos, ainda príncipe, o utilizava nas visitas venatórias que fazia ao concelho.
Foi subindo o Guadiana que Américo Thomaz, na qualidade de Presidente da República, chegou a Alcoutim onde veio, em 1965, inaugurar o saneamento básico.
O correio vinha de Vila Real transportado por barco. O de Lisboa chegava aos domingos e quartas-feiras ao meio-dia e saía às terças e sábados, de madrugada. (12)
Ainda há poucos anos existia uma carreira de vapores que ligava Mértola a Vila Real de Sto. António com escala obrigatória nesta vila.
[Alcoutim. Cais acostável. Foto JV, 2009]
De Mértola saía o vapor às segundas e sextas e de Vila Real às terças e sábados, de Outubro a Junho. De Julho a Setembro efectuavam-se três carreiras por semana: segundas, quartas e sextas para Vila Real e terças, quintas e sábados para Mértola. (13)
O último vapor a ligar as duas vilas de então, foi o Gomes 2º, que fazia o trajecto em duas horas e meia. (14)
Em 23 de Março de 1883 o Gomes 2º não pode fazer a carreira habitual em consequência da cheia do Guadiana. (15)
Também Pinho Leal, autor do “Portugal Antigo e Moderno”, quando visitou o Algarve em 1879 fez a viagem no Gomes 2º.
Nos últimos tempos, a presença de iates ancorados no Guadiana é uma constante.
N.B.
Texto extraído da 2ª Edição, em preparação, de Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia). As notas ficarão para uma hipotética publicação.