(PUBLICADO NO JORNAL ESCRITO Nº 59 DE JANEIRO DE 2004 – Encarte de “O Algarve nº 4776, P. IV)
Em meados de Dezembro último, em dia de baixa temperatura na Serra Algarvia, ao cair da tarde, um automóvel pára à entrada do “monte”. Reparo que me reconhecem. Perguntam-me:- onde mora o António Mestre ?
Eu tinha que sair na altura e logo arranjo quem me substitua na indicação, mas antes que saia, ainda me perguntam se não sabia nada sobre a oração das almas, já que foram ao “livro” e nada encontraram. Só tive tempo de informar que se vier a sair a 2ª edição, já existe algo sobre tal assunto.
[António Mestre, cantador da Oração das Almas. Foto JV]
A procura de António Mestre, moço da minha idade, tinha a ver com esse canto de peditório, visto ser, tanto quanto creio, uma das únicas pessoas das redondezas que o sabe, como lho ensinaram, letra e música e que aprendeu, em muito jovem, nos Balurcos, para onde foi servir, como na altura acontecia e se dizia, na década de cinquenta do século passado.
A primeira referência que tive deste canto de base religiosa, aconteceu em 1967/68 quando num programa de televisão fiquei surpreso com a indicação da recolha ter sido feita em Cabaços, Alcoutim.
Nunca mais me lembrei de tal só que, em 1981 ao adquirir o excelente trabalho intitulado Cancioneiro Popular Português, de Michel Giacometti com colaboração de Fernando Lopes-Graça, deparei, a pág. 95 com a oração das almas que há alguns anos tinha ouvido no programa televisivo "Povo Que Canta", igualmente de autoria de Michel Giacometti.
[O monte dos Cabaços. Foto JV]
Só por volta de 1988/89 encontrei, esporadicamente, quem soubesse cantar tal oração, precisamente o Sr. António Mestre, residente no monte de Afonso Vicente, que me informou, como já disse, que a tinha aprendido em jovem, nos Balurcos e de que nunca se esqueceu.
Tempos depois tive oportunidade de confrontar a letra constante da recolha efectuada pelo brilhante etnógrafo com a cantada por António Mestre, verificando algumas falhas. O andar dos tempos teria ido deixando alguns versos pelo caminho pelo que nem todos chegaram ao ouvido e memória do ainda cantador.
Admitimos que o canto de peditório fosse costume de todo o concelho e áreas circunvizinhas, prática que foi desaparecendo com o decorrer dos anos e que se manteve conhecida, pelo menos até à entrada da década de sessenta do século passado no interior serrano alcoutenejo, onde o total isolamento a isso era propício.
Se António Mestre a aprendeu, certamente aconteceu o mesmo a outros balurquenses e se não sabiam toda a letra, tinham a música no ouvido.
A Associação de Solidariedade Social, Desporto e Arte, com sede na Escola Primária desactivada no Balurco de Cima, pretendia recordar tão antigo costume.
Esta Oração das Almas, cantava-se no dia de Finados (2 de Novembro) como canto de peditório, participando assim do culto dos mortos, tal como a Encomendação das Almas, que difere da primeira por não incluir qualquer forma de peditório no cerimonial. Enquanto a Encomendação é considerada um costume estritamente português, a Oração parece ter origem na Abadia de Cluny e se espalhou entre vários povos cristãos, sofrendo a influência de quem os adoptou.
A Oração das Almas constitui uma lamuriante melodia a que os cantadores impõem requebros de voz característicos e visa a salvação das almas do Purgatório.
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Cancioneiro Popular Português - Michel Giacometti em colaboração com Fernando Lopes-Graça, Circulo dos Leitores, 1981