USOS E COSTUMES
AS JANEIRAS
As “Janeiras” são um canto popular de peditório, acompanhado muitas vezes de instrumentos musicais, alguns rudimentares e cantavam-se na véspera de ano novo e na véspera do dia de Reis.
Enquanto no sotavento algarvio são conhecidas por “charolas”, na serra designam-nas pelo seu nome mais vulgar “Janeiras”, certamente por terem lugar nesse mês.
Conforme as regiões são conhecidas além destas duas designações, por “Cantar os Reis” ou as “Boas – Festas”.
Estes cantares tradicionais têm origem remotíssima, havendo mesmo quem os considere anteriores ao cristianismo.
Em tempos recuados teriam tido alguma expressão, mas hoje, quando aparecem não passam de uma tentativa de recriação ajustada aos novos tempos.
Nos inícios dos anos 60 do século passado ainda eram muito utilizadas na Beira-Alta, onde tomei contacto com elas, já que nunca conheci tal na minha região natal.
Os cantadores embuçados por causa do frio batiam à porta e quando perguntavam quem era, os de fora diziam:
- Quer que cante ou que reze?
Quando optavam pela reza, ela saía pelas almas dos defuntos daquela casa.
Se se cantava usavam-se versos alusivos e em honra dos visados, sendo a grande parte transmitida de geração em geração e onde só os nomes mudavam. Não se deixava de pedir a chouriça e um copo de caseiro.
Tenho conhecimento que em 1987 um grupo de janeireiros de Afonso Vicente se deslocou às Cortes Pereiras e uma das casas escolhidas para o canto foi a do Sr. Mestre, que respondeu dentro da sua casa com a seguinte quadra:
Vivo no monte das Cortes Pereiras
Mas sou natural de Afonso Vicente
Levantei-me da minha cama
Para dar de esmola a esta gente.
AS MAIAS
Até meados do século passado, esta festa profano-religiosa, que terá sido herdada dos romanos, era muito praticada em todo o Algarve.
Foi muito praticada neste “monte” tendo sido a senhora minha sogra, que aqui nasceu, que me a referiu e descreveu, o que utilizei para abordar esse tema no meu livro, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (Subsídios para uma monografia), 1985.
Escolhiam uma casa espaçosa onde no 1º de Maio armavam um trono e colocavam uma boneca vestida de branco e ornamentada com jóias e fitas, além das numerosas flores e ramagens silvestres que colhiam nos campos.
Ficava assim armada a Maia, que era visitada por toda a população do monte e que ia tecendo os seus comentários comparando-a com outras de anos anteriores ou do seu tempo, o nosso tempo é sempre o melhor!
Nessa casa se cantava e dançava por vezes ao toque de uma “flaita” de beiços e por vezes fazia-se uma “função” (comia e bebia-se) passando-se um dia divertido.
No dia 3, que chamavam de Bela (Vera) Cruz, substituía-se a boneca por uma cruz coberta de ramagens e flores, continuando a dança com a qual se rematava a festa.
Segundo informação recolhida de quem a ela assistiu, a última Festa da Maia, aqui realizada, teve lugar em casa do Ti André em 1940.
[Casa, hoje restaurada em que teve lugar a última "Maia". Foto JV]
Pinho Leal descreve as Festas das Maias que viu no Algarve, nomeadamente em Tavira, Castro Marim e Vila Real de Santo António e que apresentavam aspectos diferentes ainda que a base fosse a mesma. (1)
Estas Festas que em terras maiores chegavam a causar desacatos pelas rivalidades, tiveram um período em que foram proibidas.
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(1) – Portugal Antigo e Moderno – Dicionário - ... Lisboa 1875, Vol. 5. pág. 37
SANTOS POPULARES
[Des. de J.V.] Os três Santos Populares, Sto. António, São João e São. Pedro também eram aqui festejados, armando-se para o efeito um grande mastro no Terreiro do monte, largo relativamente amplo e ideal para estes festejos.
O mastro era constituído por um pau comprido que se fixava aprumadamente no chão e se revestia de ramagens (murta, loendro, mentrastros e outras) e flores. Na parte superior do mastro situava-se a charola feita normalmente de cana e conforme a habilidade dos “artistas”. A decoração fazia-se com papel de seda de várias cores e fitas rematando a mesma, de uma maneira geral, com uma bandeira no topo.
Não faltava a fogueira de alecrim para se saltar. Cantava e dançava-se em bailes de roda e mais tarde ao toque de gaitas ou foles.
Depois havia a prática de sortes, queimando-se alcachofras, deitando-se moedas de pouco valor no fogo, recolhendo na noite de S. João, antes do nascer do sol, água de nove poços que bebiam e nela se lavavam, pois era considerada virtuosa. Virtude semelhante oferecia a água onde se punham de molho raminhos de alecrim, deixando-a ao relento.
Estas sortes tinham por base a saúde e o amor.
Naturalmente que tudo isto desapareceu com o decorrer dos tempos.
“PEDIR OS SANTOS”
É como por aqui se designava este velho costume que vem de tempos imemoriais.
Tinha lugar no dia de Todos os Santos, ou seja, 1 de Novembro. Diz-se que em Portugal esse hábito desenvolveu-se a partir do Terramoto de 1 de Novembro de 1755, onde homens e mulheres batiam às portas das casas que ainda se encontravam de pé pedindo uma esmola por Todos-os-Santos.
Diz-se que esse hábito passou depois para as crianças.
Três jovens de Afonso Vicente e na casa dos cinquenta disseram-me que ainda pediram os santos e davam-lhe ervilhanas, marmelos e romãs, tudo produtos então produzidos localmente.
NOVENAS
As novenas são práticas ou exercícios de devoção que se realizam durante nove dias seguidos e daí o nome. Tem a sua origem na tradição católica.
Essa tradição começou entre a ascensão de Jesus ao céu e a descida do Espírito Santo, ao passarem-se nove dias. A comunidade cristã teria ficado reunida em torno de Maria, de algumas mulheres e dos Apóstolos , por este período. Teve assim lugar a primeira novena cristã.
As novenas realizam-se com vários objectivos e em Alcoutim, povo que vivia da agricultura, eram feitas para pedir que chovesse para as sementeiras se desenvolverem ou pelo contrário, se chovia muito, para as não estragar.
Certamente, que eram realizadas em vários montes do concelho, mas só tenho conhecimento da sua realização no Monte de Clarines e no de Afonso Vicente e também na vila, na Capela de Sto. António e organizadas pela devota D. Clarisse Cunha, aqui com um sentido que desconheço.
No mau ano agrícola de 1942, a falta de água foi tanta que os afonso-vicentinos organizaram-se para implorar a ajuda Divina e ao cair da tarde, em procissão, dirigiram-se a sete lugares do povoação que estavam na direcção dos seguintes templos: NªSª da Conceição (vila), São Martinho (Cortes Pereiras), Sta. Marta (Santa Marta), São Marcos (Pereiro) Espírito Santo e Mesquita, concelho de Mértola e Nª Sª dos Mártires (Castro Marim).
[Ruinas da Capela de Santa Marta. Foto de JV, 1990]
Implorava-se assim: Senhor Divino Deus Meu, mandai-nos água por misericórdia. Bendito Louvado Seja o SS Sacramento da Eucaristia. O fruto é do Ventre Sagrado da Virgem Puríssima Santa Maria. (1)
Mais tarde, as promotoras das novenas eram, segundo informação oral recebida, Ti Lucrécia, Catarina Inês, Maria Rosária e Maria José Isidoro, tudo gente que não conheci.
A mesma informadora, ainda jovem, afirma que a última que se realizou no monte foi em 1968.
OS BAILES
Até meados do século passado realizavam-se com frequência bailes que eram organizados por jovens do monte.
Nos anos30 vinham moços da freguesia do Espírito Santo, que confina com a de Alcoutim, nomeadamente do monte da Mesquita,então com mais população do que a própria aldeia do Espírito Santo (antiga aldeia dos Crespos).
Os bailes eram de roda, cantando-se, por influência daqueles, à alentejana. Ficava um par no meio da roda que ia sendo substituído por outro conforme era puxado e isto dependendo do cumprimento de regras.
Durante longos anos, a ligação de alentejanos desta zona a afonso-vicentinas e vice-versa foi um facto de que ainda existem vários exemplos. Aliás, o monte de Afonso Vicente, em todos os aspectos esteve sempre mais ligado a Mértola do que a Vila Real de Santo António.
As casas mais usadas para a realização de bailes eram as de Maria Martins, Maria Joaquina Santos e Florência Gomes.
Dizem-nos que por vezes tinham lugar dois bailes na mesma noite!
Nos períodos de descanso das danças era hábito entrar-se a versejar ao despique e isto motivado por galanteios mal sucedidos ou nos seus primórdios.
Foi-me possível recolher um desses despiques que ocorreu há dezenas de anos.
Sou do monte de Tacões
Eu não nego a geração,
Eu chamo-me Maria Dionísia,
Manuel Mestre é meu irmão
Sou da Serra, sou Serrenha
Eu não nego a geração
Eu não sou como a menina
Que é de lá e diz que não.
Vai à merda, vai à merda
Mas não digas a ninguém
Que é para saberes sozinho
O gosto que a merda tem.
As cantiguinhas de merda
Só saem de uma moça louca
Hei-de um dia ir à merda
Para lhe encher a boca.
(CONTINUA)