[Maioral Chico e a "Esquisita". Foto JV] Por esta zona é na maior parte das vezes designado por “maioral das ovelhas” ou “maioral das cabras”, conforme os animais que guarda.
Tentámos recolher dados sobre esta figura da região, que segundo afirmam, ocupou lugar de primazia no meio rural.
Ainda que o seu modo de vida seja o mesmo do Minho ao Algarve, o pastor da Serra da Estrela, por exemplo, será diferente do pastor da Serra Algarvia, mais propriamente o alcoutinense, pois tem que se enquadrar, forçosamente, no meio ambiente.
Pastor e patrão concertavam-se no dia de S.Pedro, nas feiras da região que se realizavam em 29 de Junho, por invocação daquele santo: Odeleite, S.Pedro de Sólis e Vaqueiros (notar que este topónimo reflecte característica pastoril e a matriz tem por orago S. Pedro).
Contrato anual era o único (!) dia livre do pastor.(1)
Podemos resumir as linhas base desses contratos verbais mas que valiam, tanto como se tivessem a presença de um “tabelião de notas”:
[Maioral Chico com as suas ovelhas. Foto JV]
1 - O pastor podia levar consigo, por cada dez ovelhas do patrão, uma sua que passava a pertencer ao rebanho. O conjunto das suas ovelhas constituía o pegulhal.
2 - Recebia anualmente uma certa quantia que pouco mais passava de um simbolismo.
3 - Direito a toda a alimentação, sendo uma das refeições substancial.
4 -. Vestuário - uma muda composta por botas, chapéu, casaco, colete, calças, ceroulas, camisa e uma manta de lã.
5. - Direito à ganhoa, a melhor borrega das ovelhas do patrão, escolhida pelo pastor.
6 - Direito a um dia de leite por semana e referente a todas as ovelhas. Nos outros dias, as suas davam leite para o patrão.
7. - Além de toda a lã de suas ovelhas, recebia uma arroba pelas do patrão.
8 .- Direito de 15 a 20 alqueires de trigo, sendo o alqueire igual a vinte litros.
9 - A si destinada, o patrão fazia uma “folha” de um ou dois alqueires de trigo, mas o trabalho de ceifa já tinha de ser feito por conta do pastor, normalmente realizado pela mulher, filhos ou outros familiares.
Eis pois, em traços gerais, os termos que norteavam o contrato pastor/patrão.
O pastor usava pelica e safões (localmente ceifões) de lã, adquiridos por ele.
Eram ajudados pelo zagal, rapazola pago pelo patrão a um escudo diário (na altura) e que além da alimentação, tinha direito a umas solas nas botas. Ficou bem conhecida na zona a maneira como um lavrador dos arrabaldes da vila mandou pôr solas nas botas do zagal, fazendo substituir as cardas por outros objectos mais duráveis... e próprios de outros seres vivos!
[Maioral com o seu gado. Foto JV]
O outro auxílio, não menos valioso, era prestado pelos cães e ainda hoje existem por aqui muitos exemplares “Serra de Aire” a que localmente chamam “cão-macaco”, que têm características muito próprias para estas funções.
No Inverno, época mais trabalhosa, o patrão também ajudava, já que o auxílio se tornava indispensável.
Em Março, os borregos eram desmamados e ficavam mais ao cuidado do zagal.
Além do inseparável cajado e da amiga naifa, o pastor ou maioral transportava a marmita, mochila por ele feita de pele de cabra e onde levava os alimentos, um corno de boi para o azeite e vinagre e o barquino, recipiente de pele de chibo, igualmente da sua confecção e onde transportava a água potável.
[Cabrada no Pereirão. Foto JV]
Fumava normalmente de cachimbo que fazia e nas horas de descanso, sentado em ponto estratégico, entretinha-se fazendo palhetos com a navalha, (lâminas de madeira para mexer as papas), pisadores (utilizados para fazer açordas e gaspachos), colheres de cabos trabalhados a seu gosto e rocas também decoradas.
O gado bebia uma vez por dia nos barrancos e ribeiras e o ovino pernoitava em redis móveis, pois havia necessidade de fazer uma estrumação equilibrada. Só as ovelhas forras (as que não foram lançadas ao carneiro) e as cabras recolhiam aos currais, situados, normalmente, em locais altos e cercados de muros de pedra solta e completamente destapados. Ainda hoje se podem ver muitos destes currais, estando, contudo, a maioria desmantelados.
O pastor, como nómada que é, pernoitava em pequena cabana e mais vulgarmente sob a cancela, uma pequena armação de forma mais ou menos rectangular, colocada de maneira que evitasse o vento e o protegesse, ainda que levemente, da chuva e da geada. Ao lado, o indispensável fogo crepitava.
Estes abrigos eram construídos de arbustos secos, palha ou feno.
Quando os rebanhos eram de gado caprino, o pastor tinha direito todos os dias ao leite das suas cabras.
A presença dos “cercados”, instituição que parece ser de origem mourisca (2), terrenos de melhor qualidade que eram aproveitados para a plantação de árvores e por vezes mimos hortícolas e que eram cercados por muros de pedra solta mais ou menos altos, vindo-lhe daí o nome, justificavam-se precisamente para protecção dos gados.
A ovinicultura e a caprinicultura são apontadas como hipóteses de aproveitamento do solo pobre da serra.
Hoje, as coisas já não se passam assim, existem modificações que os tempos trouxeram.
No concelho de Alcoutim ainda existe algum gado mas que é guardado pelo seu proprietário.
Já existem vedações próprias para manter o gado controlado em locais mais evoluídos, havendo mesmo bebedouros para os animais e não a ida do gado aos pegos mais próximos como acontecia antigamente.
Existe também o controlo feito através de um fio ligado a geradores de energia como uma bateria.
Hoje o guardador de gado, de uma maneira geral, dorme em sua casa, a não ser em casos muito especiais como acontece na época própria em que as ovelhas parem. Muitas vezes possui um velho veículo automóvel que ali foi colocado e que o acolhe quando necessário.
NOTAS
(1) – Estes contractos foram-me explicados principalmente pela senhora minha sogra, Isabel Costa, (1906-1977) natural de Afonso Vicente, freguesia e concelho de Alcoutim.
(2) - “Caminhos e Estradas são Suprema Aspiração da Gente de Vaqueiros “, Luís Cunha, Jornal do Algarve de 10 de Dezembro de 1973