quarta-feira, 7 de março de 2012
O futuro agrícola de Alcoutim
Escreve
Gaspar Santos
[Douro Património Mundial. Foto GS, 2010.
Como gostaríamos de ver os serros de Alcoutim.]
Sou um alcoutenejo de nascimento e de coração. Não possuo qualquer parcela de terra onde possa experimentar aquilo em que acredito.
Começo recordando as palavras com que Daniel Teixeira terminava a sua colaboração neste blogue no dia 5 de Fevereiro de 2012:
E era assim, tudo era assim, sempre foi que eu me lembre, e penso (é lógico) que não terá sido só em Alcaria Alta: houve realmente muita coisa que faltou, não sei exactamente o quê, que suprisse a escassez e a depreciação das produções de cereais e fornecesse alternativas e isto em devido tempo, antes de deixar que o processo de pauperização progressiva se instalasse: quanto menos independente o meio maior a evolução da dependência: Um dia alguém pensará nisto com conta peso e medida...
É exactamente para reflectir sobre a dramática desertificação humana e abandono das terras em todo o concelho que hoje escrevo. A desertificação, na verdade, dá-se por redução da população, enquanto, pelo contrário, a cobertura vegetal dos terrenos até aumentou, quer pelo avanço da floresta natural quer pelo cultivo do pinheiro.
No Jornal O Público de 2 de Fevereiro de 2012 dizia Pedro Lomba: “ O Estado interferiu activamente: …. Inúmeros governos a partir do cavaquismo foram incitando ao abandono dos campos. A Política Agrícola Comum, a transformação da nossa economia numa economia de serviços e os juros bonificados liquidaram o país da TV rural….O Estado que acabou com a Agricultura recomenda que voltemos aos campos.”
Sempre tenho dito e escrito que nunca aceitei que se tenha deixado abandonar os campos, mas não tinha a solução de como evitá-lo. E, por isso, agora concordo absolutamente com a ideia de que se deve voltar a cultivar os campos. Inclusive penso que com o empobrecimento que aí vem é bem capaz de induzir muitas pessoas a terem que recorrer à agricultura.
A produção local de alimentos é necessária e fundamental e indispensável para garantir alguma independência que nos evite surpresas, caso haja quebra de abastecimento ou encarecimento do preço daquilo que importamos.
Entre outros benefícios, a nossa dívida externa reduzia se produzirmos alimentos em vez de os comprarmos ao estrangeiro. Sempre era algum dinheiro que não saía…como já me aconteceu em Alcoutim, comprar batatas-doces importadas dos Estados Unidos da América.
Já nos basta que a gasolina, o gasóleo e o gás natural sejam o nosso principal sorvedouro de divisas.
Tenho a convicção de que o grande recurso de Alcoutim e que precisa de voltar a ser explorado é a terra, para que os proprietários satisfaçam os impostos sem ser à custa do dinheiro ganho noutra actividade.
Isto sempre me intrigou: como era possível ter um meio de produção, como é a terra, abandonada, sem produzir e, mesmo assim, conseguir pagar os impostos? Não estou a ver outro tipo de empresa que faça este milagre. Uma camionagem satisfazer impostos e não transportar pessoas; uma tipografia fechada e a pagar impostos; ou um restaurante pagar impostos e ter a porta fechada, sem atender clientes!
Mas também há, é verdade, quem não consiga este milagre, mesmo explorando a terra. Assim foi o caso que se deu no início dos anos 60 do século passado. Os proprietários não puderam pagar os impostos e os terrenos com 19.600 hectares que se avistam a norte da Vila de Alcoutim foram vendidos em hasta pública com uma base de licitação de cerca de 600 contos. Na sequência da compra deste terreno pelo Senhor Barata e do uso que lhes deu, este é um caso que se pode citar como um mau exemplo da sua utilização posterior. Ele arroteou aquela terra, fez socalcos e plantação de árvores, que não foram as mais indicadas, por serem muito consumidoras da água, muito escassa nestas terras.
Para além de outras ocupações do recurso terra, duas culturas me parecem as mais rentáveis e ao alcance de um pequeno investimento. São os figos de tuneira e, sobretudo, a vinha. Mas o incremento da alfarrobeira e do olival também não serão para esquecer, além da pastorícia.
Mas tudo isto está na mente e nas mãos dos proprietários das terras. Da sua vontade e da sua iniciativa. Sem o seu querer, a sua adesão, e sem trabalho, nada se conseguirá.
Em Portugal há muitos exemplos do sucesso da vinha. Cito dois, ambos graças ao trabalho e à tenacidade e perseverança dos homens: As vinhas do Douro, hoje Património da Humanidade; e as vinhas da Ilha do Pico nos Açores.
[Tuneira em flor.Foto JV]
No Pessegueiro o Senhor Mário Nunes é uma pessoa entendida na cultura e utilização do figo de tuneira que ele entende ser uma cultura importante com futuro a explorar.
A vinha, para uva de mesa ou para fazer vinho, em todo o nosso concelho tem condições excepcionais para o seu cultivo. O vinho é bom e tem elevada graduação até para um vinho espirituoso. O vinho do concelho de Alcoutim, com dois ou três anos de envelhecimento, converte-se num vinho licoroso que faz lembrar o vinho da Ilha do Pico.
[A vinha continua a ser uma hipótese. Foto JV]
O investimento não é elevado para a sua plantação e é reproduzido em poucos anos. Para os produtores mais exigentes não será mau recorrer a um enólogo por si ou por iniciativa das entidades oficiais do Ministério da Agricultura, para que lhe recomende a casta ou qualidade da uva mais conveniente para o objectivo em vista.