quinta-feira, 22 de março de 2012

A desaparecida Ermida do Espírito Santo, na Vila de Alcoutim, estaria ao culto em 1855?

(PUBLICADO NO JORNAL DO BAIXO GUADIANA Nº 83 DE 27 DE JANEIRO DE 2007)


Há dezoito anos fizemos publicar no Jornal do Algarve, mais precisamente no número de 2 de Fevereiro de 1989, um pequeno escrito que intitulámos “A desaparecida Ermida do Espírito Santo, na Vila de Alcoutim”.

Tinha por fim acrescentar alguma coisa ao pouco que tínhamos escrito sobre ela no nosso trabalho, Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, (subsídios para uma monografia), Edição da C:M.Alcoutim, 1985 e isto devido ao que tínhamos obtido no excelente trabalho Visitações da Ordem de Santiago no sotavento algarvio, Edição da C.M. de Vila Real de Sto. António, 1987 e de autoria de Hugo Cavaco.

Quando chegámos a Alcoutim na década de sessenta, existiam um mínimo de ruínas que o nosso desenho procura retratar e não foi fácil saber o nome da invocação pois todos diziam que era a “igreja do rossio” por se localizar perto daquele que ainda existia na altura mas que em meados do século XIX e antes da alienação da sua melhor e maior parte, dividida em vinte e sete fracções, nele se situava.

Sobre a ermidinha, eu tinha-a visto desenhada e por deferência do sr. José Madeira Serafim, num quadro oferecido pelo Doutor José Leite de Vasconcelos a Manuel António Torres, natural da vila, considerado seu informador epistolar, (1) que foi vereador e presidente da Câmara e mais tarde seu secretário, funções de que se aposentou.

Mais tarde verifiquei que se tratava de uma reprodução do desenho existente no Livro de Duarte de Armas que eu já sabia existir mas que desconhecia o seu conteúdo.

A minha curiosidade levou-me a tentar encontrar alguma referência escrita o que não consegui obter nos arquivos que me foi possível consultar: Misericórdia, Câmara Municipal e Repartição de Finanças! Nem uma palavra, nem mesmo a quando da Cheia Grande do Guadiana (1876/77) onde admiti que algo tivesse sido escrito já que com certeza ficou completamente submersa. Já estaria em absoluta ruína nessa altura e daí não terem sido referidos os estragos? É possível.

Um dos principais aliciantes de quem investiga é por vezes encontrar “coisas”que não está procurando e que quando o fez lhe levou muitas horas de trabalho e mesmo de desespero! Foi o que me aconteceu no passado mês de Novembro quando me desloquei propositadamente a Faro para no Arquivo Distrital procurar dados que considerava importantes para um trabalho que ando a realizar, o que de certa maneira obtive, só não sendo mais positivo porque enquanto uns dos dados estarão na Torre do Tombo, os outros encontram-se ainda na Conservatória do Registo Civil de Alcoutim.

Ao pesquisar os assentos de óbito da freguesia de Alcoutim, aparecem-me dois, seguidos e do mesmo dia, 20 de Agosto de 1855, o primeiro referente a D. Maria do Carmo Xavier Casqueiro de Sampaio, casada com Manuel Francisco Piçarra, natural da cidade de Elvas, residente na cidade de Tavira, o outro de Eduardo Augusto Xavier Casqueiro de Sampaio, solteiro, natural da Vila de Moira, (Moura) igualmente residente em Tavira e que presumo serem irmãos ou pelo menos parentes próximos. Não se indica a idade em qualquer deles e os assentos são lavrados pelo Padre António José Madeira de Freitas (tio).

O que a nós nos chamou a atenção foi o facto de ambos terem sido sepultados na Ermida do Espírito Santo, extramuros desta Vila de Alcoutim.

Significará isto que nessa altura a ermida ainda se encontraria de pé e ao culto? Não encontrámos nas proximidades daquela data mais ninguém com tal sepultura.

As pessoas viviam em Tavira, o que teriam vindo fazer a Alcoutim? Teriam aqui familiares ou seriam aqui proprietários? A família Xavier por essa altura possuía vários elementos espalhados pelo concelho, nomeadamente em Alcoutim, Pereiro e Martim Longo (nesse ano era um Xavier o maior contribuinte da freguesia) e nas freguesias vizinhas de Odeleite, Cachopo e do Espírito Santo. Igualmente temos conhecimento da deslocação para a cidade de Tavira de um membro, pelo menos, desta família.

A situação sugere-nos a deslocação das vítimas de Tavira, onde a cólera-morbo já se faria sentir, para estas paragens de ares mais puros e com a epidemia mais distante. Sabemos que de 28 de Julho a 15 de Outubro de 1856 a presença da terrível epidemia, tinha obstado à realização das sessões da Câmara. (2)

A sepultura na ermida porquê, uma vez que o cemitério já estava em funcionamento há alguns anos?

Sugerimos duas hipóteses: ou a ermida pertenceria à família, obtida após a implantação do liberalismo, fazendo parte de um dos vinte e sete talhões em que o melhor terreno do rossio foi divido por deliberação da Câmara Municipal da altura (3) e assim a família teria o interesse e autorização para o efeito, ou tratando-se de vitimações por tal doença haveria a necessidade da sepultura ter lugar em local distante para evitar contágios e daí a referência no assento a extramuros desta Vila.

Será assim? Não sabemos, mas com os elementos que dispomos até agora, são as hipóteses que consideramos mais viáveis.

Para quem não sabe, dizemos que as ruínas da ermida foram removidas para possibilitar a construção do Lar de Alcoutim.


NOTAS

(1) - Etnografia Portuguesa, Tentame de Sistematização pelo Dr. J. Leite de Vasconcelos, VOLVI, organizado por M.Viegas Guerreiro, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983.

(2) - Saúde e Assistência em Alcoutim no século XIX, António Miguel Ascensão Nunes (José Varzeano), Ed. da Câmara Municipal de Alcoutim, 1993, pág. 16

(3) – "Coisas Alcoutenejas . Os Rossios", José Varzeano, in Jornal do Algarve – magazine, de 30 de Junho de 1994.