Pequena nota
Como verificaram logo à primeira vista, vamos apresentar
hoje um novo colaborador pois a nosso convite acedeu a prestar o seu auxílio ao
ALCOUTIM LIVRE tornando-o assim ainda mais versátil e pujante.
É sempre uma honra para nós podermos contar com um novo
estilo e uma nova visão das coisas. Pelo pouco que conhecemos, estamos certos
que o nosso novo colaborador irá criar, como todos os mais o têm feito,
leitores assíduos aos seus textos, ora em prosa, ora em verso.
O Eng. José Rodrigues, hoje na situação de reformado, é
natural do concelho de Alcoutim mas naturalmente não reside lá.
Aqui lhe deixamos o nosso agradecimento e que com a sua
acção possa contribuir para um melhor conhecimento de Alcoutim e do seu
concelho com a verdade que é apanágio deste espaço.
Inicia o seu trabalho com uma “versalhada” em que
caracteriza os homens e as mulheres da terra a que tem gosto de pertencer,
procurando utilizar os termos próprios das gentes e as actividades que
balizavam as suas vidas.
JV
Escreve
José Rodrigues
Chico Salvado
Pirolito,
natural de Balurcos
(Este conjunto de quadras é uma homenagem ao
passado, de muitos homens e mulheres da minha terra.)
Em noite chuvosa e fria,
De mil novecentos e tal,
Não preciso bem o dia,
Mas era no mês de Natal,
Nasceu um lindo mocito,
Filho querido e adorado,
De Zé Custóido
Pirolito,
E de Sarafina
Salvado.
Nos Balurcos foi parido,
Por obra da graça Divina,
Depois do Zé ter perdido,
O juízo pla Sarafina.
Aos seis meses baptizado.
P´lo padrinho ficou Chico,
P´la mãe quedou Salvado,
E pelo pai Pirolito.
Cresceu com tantas agruras,
Que nem a ler aprendeu,
Foram muitas amarguras,
Q´a puta da vida
lhe deu.
Homem sem ser menino,
Roubaram-lhe a ilusão,
Foi moiral
em pequenino,
Aos quinze anos, ganhão.
Aos vinte deixou a Terra,
Assentou praça militar,
Obrigado a ir à guerra,
Sem razões pra garrear.
Depois desmobilizado,
De volta à terra natal,
Como futuro: o passado,
Pra continuar tudo igual.
De manhã migas de pão,
Para beber, café preto,
Ao jantar, jantar de grão,
À ceia, fejão
careto.
Ainda esteve emigrado,
Mas não foi muito feliz,
Dizia não se ter dado,
Com os ares de Paris.
Voltou de vez prá Terra,
Onde tinha a namorada.
Homem que nasce na serra,
Não troca a serra por nada.
Casou com a Etelvina,
Toda vestida de branco,
Tiveram uma menina,
Que foi de si o encanto.
Matavam sempre um cevão
Pra ter carne para o ano,
Com festa na matação,
Propagando o desengano.
Toucinho na salgadeira,
E a choriça
pendurada,
Durava menos q´uma jeira,
E tinha que ser condutada!
Todos os dias trabalho,
Sempre o mesmo fandango,
Alguma noite de balho,
No outro dia, acefando.
Colhia batatas em Março,
Em Dezembro era o mato,
E com seu macho picarço,
Alquevava de carramato.
Despunha couves
na horta,
Alfaces, coentros, fejão,
Até já tinha a vista torta,
De tamanha esganação.
Em Outubro semeava trigo,
Mondava a seara em Fevereiro.
Só podia contar consigo,
Era assim o ano inteiro.
Não só consigo, contava,
Porque a Etelvina Maria,
Fazia a lida da casa,
Do nascer ao fim do dia.
Colhia figos em Agosto,
As ferrovas em
Setembro,
Em Outubro espremia mosto,
Fazia azeite em Novembro.
Pra montar tinha um burrito,
E uma cabra pra dar lête,
Por companhia um canito,
Q´acudia por Manolete.
Quando vendia um chibinho,
Pela feira de S. Marcos,
Sempre dava algum jetinho,
Pra arramendar os sapatos.
E uma porca no curral,
Criava alguns bacoritos,
Que na feira do Azinhal,
Dava mais uns testanitos.
Um dia acordou o Monte,
E a má nova correu,
Ontem, à meia
nonte,
O Pirolito morreu.
Abateu-se uma desgraça,
Ficou sem pai a menina,
A casa ficou sem graça,
E viúva a Etelvina.
Levaram-no a enterrar,
E diante do corpo do Chico,
Eram todos a encomendar,
A alma do Pirolito!