Escreve
Daniel Teixeira
AS ESCOLAS
Este nosso jornal tem a sorte de ter entre os seus
colaboradores uma Professora Primária, Lina Vedes, já aposentada, que tem
contado uma parte, pelo menos, daquilo que foram os dramas e as primeiras
experiências dos professores formados aqui no Magistério de Faro, anos 50 e
poucos.
Nessa altura eu estava longe de saber que um dia viria a
frequentar uma Escola mas quando anos depois chegou a minha vez, as coisas não
me pareceram ser muito semelhantes àquelas que a Lina Vedes relata e isto
porque já tinham passado alguns anos, as coisas vão evoluindo (nem sempre bem)
e no meu tempo o professor primário embora se imaginasse que não vivia na
abundância tinha já um estatuto económico e financeiro mais elaborado, para ser
simpático, ao mesmo tempo que as escolas que frequentei tinham também já
algumas condições diferentes para bastante melhor do que aquelas que foram as
Escolas no campo e as primeiras escolas dos primeiros professores.
Mas em
Alcaria Alta , já com os meus 10 anos, pelo menos, acabei por
encontrar coisas bem semelhantes àquilo que a Lina Vedes descreve embora com
intervenientes diferentes. Na altura funcionava por essa serra o sistema das
«Regentes Escolares» e salvo erro só em Alcoutim havia professores com a
formação própria. A minha mãe, por exemplo, com mais uns quantos anos que eu como
é claro foi fazer o exame da 4ª classe a Alcoutim e ainda no meu tempo nem
todas as Escolas de Faro tinham essa faculdade, de fornecer o Diploma do final
do Ensino Básico (4ª Classe).
Em minha casa ainda ficaram alguns moços e moças
filhos(as) de amigas da minha mãe ou do meu pai, que viviam na cidade e vinham
fazer o exame da 4ª ao Bom João, onde havia uma Escola, na altura na Rua Ataíde
de Oliveira. O ficar lá em casa era apenas por uma noite, e isto para evitar um
acordar muito cedo nas suas casas e a deslocação até ao local do Exame, que era
visto também com alguma solenidade e preocupação pelos intervenientes (pais e
filhos).
Pois bem e entrando em Alcaria Alta , antes
da chamada Escola Nova (agora fechada) estar construída as aulas eram dadas
numa divisão emprestada para o efeito por um dos Lavradores lá do Monte. Num
dos anos em que lá estava ou a minha Escola começou mais tarde ou a deles
começou mais cedo e tive então oportunidade de ver os alunos da Serra em aulas. Para mim e
embora a vida me tenha preparado para muita coisa, só o fez mais tarde, e achei
muito estranho que as cadeiras fossem também emprestadas pelo Lavrador e que os
alunos escrevessem e tivessem o livro em cima do seu colo.
Edifício escolar há muito desactivado. Foto JV |
A Professora (Regente) comia e dormia em casa dos Lavradores
e segundo me pareceu só ia ao seu Monte ao fim de Semana, que na altura era só
o Domingo, embora fizesse para acabar as aulas mais cedo no Sábado a fim de se
poder meter a caminho, a pé. Boleias em carro de mula naquela altura, e
dependendo dos Montes, eram por vezes mais complicadas do que ir a pé: a volta
que se tinha que dar para seguir caminho mais largo que desse para carro de
mula podia duplicar ou triplicar o percurso.
Havia um sistema que poderia ser mal visto, por pessoas de
fora, e que em pequena parte tinha a sua razão abstracta de ser, que eram as
ofertas à professora: ovos, azeite, mel, coisas deste género. Não faltava a má
língua também por causa disso e por causa da Escola ser numa casa particular,
mas pelo que me apercebi havia sempre um ar de gozo na conversa, do género:
«Pois, deste mais uma dúzia de ovos à professora, já tens a moça passada (de
classe)» ou «fulano e beltrano não chumbam nenhum ano pois os pais são os donos
da escola», o que era seguramente embaraçante.
Ao que me parece havia de facto quem não passasse mas também
por aquilo que fui reflectindo depois, era também uma forma da própria regente
não sofrer avaliação negativa mandando para exame quem iria provavelmente
chumbar oficialmente. Por outro lado o ensino não me parecia ter grande
qualidade, nem era possível, naquelas condições: tenho uma prima velhota que
foi colega da minha mãe e que escrevia lá para a nossa casa a dar notícias mas
só a minha mãe conseguia lê-la e calculo que os moços da minha idade teriam
também esse problema se não se aperfeiçoassem depois porque escrever em cima
dos joelhos não fomenta uma boa caligrafia.
O que mudou? Quase nada neste aspecto, se descontarmos os
desnivelamentos entre o antes e o agora: uma parte substancial da formação que
é hoje dada se não for complementada no dia a dia acaba por perecer tal como
aquela que era dada literalmente «em cima dos joelhos».