Escreve
Gaspar Santos
Havia várias tabernas ou vendas na Vila de Alcoutim. Lá se vendia para levar para casa ou se bebia ali mesmo vinho, cerveja ou aguardente e ainda outras bebidas alcoólicas. Também vendiam vinagre.
O aspecto típico duma destas casas era um balcão, atrás do qual havia umas estantes com os produtos expostos e na parte inferior dois barris, um de vinho tinto outro de vinho branco, e por vezes outro de aguardente de bagaço ou medronho, providos das respectivas torneiras. A cerveja era vendida em garrafas que vinham em conjunto acondicionadas em grades de madeira.
Os típicos barris de madeira cintados de aço, que vinham pelo Guadiana de barco, caíram em desuso quando o transporte passou, com os camiões, a ser feito porta a porta e todos aqueles produtos passaram a ser acondicionados em garrafões de vidro que eram mais leves de carregar e descarregar.
As tabernas tinham uma ou duas mesas, bancos corridos ou bancos individuais em pequeno número onde as pessoas se sentavam para permanecer mais um pouco ou então eram servidas de pé ao balcão. Outras tabernas tinham uma divisão mais discreta a que se dava o nome de escondidinho, onde eram acolhidos clientes mais diferenciados o que não significa que fossem menos borrachos do que os demais.
A higiene era reduzida, por não haver água corrente. Na maioria havia em cima do balcão um alguidar onde os copos eram passados por água. As melhores já tinham um pequeno depósito com torneira onde os copos eram lavados em água corrente.
As tabernas desempenhavam uma função social e de convívio, no tempo em que não havia cafés nem restaurantes. A outra alternativa, mais cara, era fazer uma refeição numa casa de hóspedes.
Complementavam e substituíam assim as casas de hóspedes na sua função de restaurante. Era nas tabernas que comiam o seu quase sempre pobre farnel, descansavam, trocavam novidades, as pessoas que vinham à vila abastecer-se, pagar os impostos, obter licenças e tratar de outras questões burocráticas, enterrar os seus mortos, consultar o médico ou vir à farmácia; ou onde os caçadores à tarde no seu regresso da caça comiam os restos do almoço e bebiam um copo.
Também era nas tabernas que faziam as suas refeições muitas pessoas de fora, de poucas posses, que então acorriam em grande número a Alcoutim consultar o Dr. João Francisco Dias – aquilo que costumo chamar de turismo de saúde, e que não tinham capacidade financeira para ir a uma casa de hóspedes.
As tabernas, como já dissemos, eram também centros de convívio. Conversava-se, jogava-se às cartas, às damas, ao dominó e…cantava-se à alentejana, o flamengo ou o fado. Mas os cantares não eram para divertir espectadores, era para divertir os próprios cantadores, sem preocupações de qualidade e muito menos culturais. Aliás cantavam quando as gargantas e a mente já estavam um bocado dormentes e o próprio cantar tinha até um certo ar"chocarreiro".
Nos Montes também havia tabernas ou vendas. O comerciante que aqui se estabelecia era muitas vezes um sapateiro ou um carpinteiro. Ele tinha disponibilidade para o atendimento, interrompendo por momentos o que estava a fazer no seu ofício, além de que o tempo também não era ainda um factor com a importância que os ingleses já lhe davam: time is money.
Quando se tratava de comércio um pouco maior, e justificava uma atenção mais constante por ter mais artigos em venda e vender mais já se tratava de uma mercearia, que tinha também o serviço de entrega da correspondência dos CTT e do telefone público, para além da venda de bebidas. Por vezes, quando o comerciante era mais dinâmico, não só vendia, também comprava para exportar produtos da terra: amêndoas, alfarroba, cereais, favas secas e figos.
Nos montes além das funções descritas para as da vila, as vendas tinham ainda um salão que muitas vezes servia para realizar animados bailes.
A venda por vezes estava identificada, embora para os moradores locais não fosse necessário. Lembro-me que nos Guerreiros do Rio na rua onde morava o meu avô havia uma taberna que tinha na fachada uma tábua que pomposamente dizia: JOSÉ GONÇALVES HABILITADO. Por vezes eu remoía á volta do “habilitado”. Hoje penso que se tratava de afirmar para todos os interessados que estava munido de todas as licenças, que não era uma venda clandestina.
As licenças de que me inteirei, nesse tempo eram: A licença de porta aberta, a licença da Junta Nacional dos Vinhos e a licença de venda de tabaco. Mas é natural que houvesse mais. Uma dessas licenças detalhava um a um todos os artigos que na venda se podiam adquirir. A licença da venda de vinhos era paga anualmente no Grémio da Lavoura, o seu escalão mínimo incidia sobre 1000 litros, nos seguintes termos: Autorizada a venda de 1000 litros de vinho e seus derivados. O fiscal da JNV podia lá aparecer, observava durante uns instantes as vendas que realizavam e alterar para 1500, 2000 ou mais litros.
Taberna da Ti Maria José Luísa |
-Taberna da Ti Maria José Luísa/Ti Pimenta, onde é hoje a Caixa Agrícola. Era muito virada para os pescadores e gente do rio. Por encomenda ela até confeccionava muito bons guisados ou caldeiradas.
-Taberna da Ti Maria Balbina, logo a seguir, onde hoje está o mini mercado Soeiro, também muito virada para as fainas do rio, mas que eu conheci já em processo de proximidade de fechar as portas.
-Taberna Vicente Romana, no mesmo lado da mesma rua, a seguir ao edifício dos Paços do concelho. Quando fechou deu lugar ao talho do Joaquim do Rosário.
Taberna Joaquim do Rosário |
-Taberna Manuel Serafim, na Praça da República, onde hoje é o café da Lurdinhas/Caldeira.
- Taberna Ti Maria do Nascimento/Ti Pimenta, na Rua da Misericórdia, onde hoje é a casa de Ilda Afonso. Além da taberna exploravam também aqui um talho. Quando cessou de funcionar e se mudou para as escadinhas da Rua da “Aparada”, Manuel Serafim instalou neste local uma padaria que aqui laborou vários anos.
-Taberna do Leopoldo Martins, na Rua da Misericórdia em frente da Ti Maria do Nascimento, na casa da família Custódia Madeira.
Rua Portas de Mértola. Foto JV |
- Taberna da família Simões, mais tarde do Chico Canelas. Tinha duas portas providas de escadas para a rua. Na primeira era a mercearia e na outra os vinhos. Vendia também farinhas para fabrico de pão. Às vezes funcionava a cozinha para fazer um ou outro petisco por encomenda, sobretudo coelhos ou lebres.
- Fora desta rota, ao cimo da Rua D. Sancho II, numa casa de Isabel Teixeira, o mestre Carlos Sapateiro teve uma taberna, com pouca expressão, pois era só para ele e alguns amigos que aqui vinham conviver.
As vendas ou tabernas com as funções sociais que descrevemos, ainda existem, mas em menor número no concelho de Alcoutim, com um ou outro aspecto mais actualizado. Algumas evoluíram para cafés ou para restaurantes. No concelho de Cinfães que conhecemos bem, antigamente existia aquilo a que chamavam venda, tal como em Alcoutim, mas como quase toda a gente produzia vinho as vendas não o vendiam tanto…