terça-feira, 2 de abril de 2013

Quando nevou no meu "monte"!


Escreve
António Afonso

O "Monte" de Pêro Dias. Vista aérea.

Aquele fim de Outono e início de Inverno vieram acompanhados de grandes chuvadas, de tal modo, que comprometeram as sementeiras do trigo, cevada e aveia. Todas as linhas de água transbordaram e os terrenos ficaram ensopados.

Em Janeiro regressaram os dias solarengos, embora frios. À volta do monte e pelos campos tudo verdejava, os regatos, os ribeiros e a ribeira da Foupana; corriam águas límpidas e cristalinas, todas apressadas em chegar ao mar.

 Nos finais desse mês o tempo atmosférico mudara de novo, o céu carregou-se de nuvens negras acompanhado de rajadas de ventos fortes e frios que sopravam do Norte; o frio era intenso e as temperaturas desceram bastante.

Apesar da minha tenra idade, recordo aquele 02 de Fevereiro de 1954, dia da Nossa Senhora das Candeias. Teve lugar um acontecimento acompanhado de imagens únicas, as quais ficaram bem gravadas na minha memória, decoradas de relatos de pessoas mais velhas que presenciaram o fenómeno.

Ao final da tarde, as crianças que regressavam a casa, vindas da escola situada no monte da Barrada, foram surpreendidas pela ti Custódia que vinha a correr com o seu rebanho de ovelhas. Ordenou-lhes que a acompanhassem rapidamente para o monte, pois baseada na sua experiência e na observação dos ventos fortes e agrestes e do céu coberto de nuvens cor de chumbo, que não tardaria a cair neve.

Chegados a casa os miúdos merendaram, aqueceram-se junto à lareira e relataram aos pais o que tinha acontecido. Depois da ceia, a noite continuava fria e desagradável, fomos para a cama mais cedo que o habitual. Logo de manhãzinha a mãe levantou-se para ir para a cozinha, que ficava separada da casa onde dormíamos e ao abrir a porta deparou-se com um manto branco que tudo cobria, ruas, telhados e campos. Foi junto de nós e deu-nos a novidade.


Ficamos boquiabertos com tanto branco! Tudo aquilo era inédito para nós e a maioria das pessoas jamais tinha presenciado a neve. Talvez alguém tivesse ouvido falar dela na lenda das Amendoeiras em flor ou no poema Balada da Neve, de Augusto Gil.

Como o meu pai estava a trabalhar fora, a mãe agarrou numa pá e abriu um carreirinho até à cozinha. A água que tínhamos nos cântaros congelou e nós íamos ao quintal buscar neve que introduzamos numa panela de ferro junto ao fogo; com o calor aquele “algodão” liquidificava, que coisa extraordinária!

Um pouco por todo o país tinha nevado. No Algarve desde Vila Real de Santo António até Aljezur, existem registos que o testemunham… Na aldeia de Cachopo o manto atingiu 60 centímetros de altura.

Recordo que dos beirais estavam pendentes estalactites de gelo. A miudagem fazia e atirava bolas de neve uns aos outros; os mais velhos deram largas à sua imaginação, e fizeram um grande boneco de neve com os olhos feitos de azeitonas pretas, o nariz era uma cenoura e a boca uma pequena laranja; colocaram-lhe um cachecol no pescoço e um velho chapéu na cabeça.

Como o tempo não permitia ir à escola todos se divertiram com alegres brincadeiras.
Até hoje, jamais presenciei outro nevão, mas frequentemente recordo com muita saudade esta vivência da minha infância!