Mais uma fotografia que nos foi amavelmente cedida por um
leitor que nos solicitou um comentário.
Fizemos uma contraproposta no sentido de obter autorização
para a sua publicação na nossa rubrica Câmara Escura acompanhada dos habituais
comentários.
A nossa proposta foi imediatamente aceite, o que muito nos
satisfez.
Alguns dados são referidos com a precaução necessária, pois
os elementos obtidos são poucos.
Que a fotografia representa Alcoutim, vista do sul, na
margem do Guadiana, ninguém tem dúvida.
Parece-nos que a foto é tirada de uma embarcação que
desceria ou subiria o rio e isto pela espécie de gradeamento-protecção que
aparece no primeiro plano.
Existe um postal comercial editado por uma firma de Vila
Real de Santo António, dos anos 30, que aqui já apresentámos, obtido com um
ângulo muito semelhante.
Poucas diferenças existem entre ambas, apenas pormenores.
A atracagem de pequenas embarcações é no mesmo lugar, ao
“Pinhão” e em ambas se vêem pequenos barcos.
Avulta, naturalmente, o grande casarão pintado com ocre de
cor escura, distinguindo-se do outro casario também por essa circunstância.
Nessa altura, a construção, que ainda existe com algumas
transformações que o tempo e funções obrigaram a executar, servia de Secção da
Guarda-Fiscal criada em 1885, incluindo a parte alfandegária que lhe estava
anexa.
Há dados oficiais que temos publicado em outras
circunstâncias que referem precisamente isso.
Antes desta ocupação tudo indica que tivesse pertencido à
Mina da Cova dos Mouros situada na freguesia de Vaqueiros, que Pinho Leal
refere no seu conhecido Portugal Antigo e Moderno como uma grande mina de
cobre, servindo de entreposto comercial, com armazéns e serviços de escritório,
já que o minério sairia por via fluvial.
Com a morte do seu principal accionista, o Visconde do
Carregoso, a mina entrou em decadência e o Estado adquiriu o imóvel para
instalações de departamentos próprios de fronteira, como a Alfândega com o seu
corpo de guardas e depois a Guarda-Fiscal.
Quando se deu a extinção desta com um século de existência,
o edifício que pertencia ao Ministério das Finanças foi adaptado para
instalação dos seus Serviços locais de Finanças, o que ainda hoje acontece.
Na parte superior, vê-se algo do castelo onde se notam um
resto de ameias, hoje conservadas e alguma vegetação na chamada “esplanada”,
parte acrescentada e artilhada durante as Guerras da Restauração. Esta
vegetação foi em parte banida, pois o seu raizame provocava desmoronamento das
muralhas.
Do lado esquerdo da foto um interessante edifício com água
furtada, porta e duas janelas, ainda o conhecemos de pé e de que hoje só resta
a superfície.
São notórios os muros protectores dos edifícios, hoje o do lado
esquerdo bastante degradado e a desmoronar-se, enquanto os outros foram
reforçados e modificados.
A casa que se vislumbra por trás do edifício central,
parece-nos ser a que pertenceu à família Rosário e onde hoje existe um local de
repouso com bancos e espelho de água alegrado por um conjunto de repuxos. Este
espaço tem o nome de Jardim Francisco do Rosário.
No seguimento do edifício central podem ver-se três aberturas
(pontos negros) que constituiu uma habitação e hoje transformada em espaço
comercial (Bar). Também é muito antigo o edifício que se segue de que se notam quatro
aberturas, sendo duas maiores (portas) e as outras janelas. O acesso, devido ao
desnivelamento, tal como o edifício anterior, é feito por escadaria.
Encontra-se praticamente na mesma e está em venda.
Seguidamente, uma pequena casa onde murou o saudoso
alcoutenejo Manuel João, vulgo Balbino e que se encontra hoje em estado de
degradação.
O último edifício de que se vêem quatro aberturas constitui
a hoje conhecida “Casa dos Condes” de Alcoutim, transformada em espaço de
cultura, mas que quando chegámos à vila ninguém o referia.
Por último, a árvore que aparece na fotografia, parece-nos
menos exuberante do que na do postal, pelo que admitimos que esta fotografia
seja mais antiga.
Claro que nada de cais novo que só veio a ser construído em
1944.
Feito o nosso comentário à foto e havendo, como no começo
referimos alguns dados que a acompanharam, sabemos que a mesma foi encontrada
no espólio de duas senhoras irmãs do médico veterinário, Dr. José Maria de
Sousa Dias Goulão (falecido em 1963), que esteve colocado na Intendência
Pecuária de Serpa entre 1918 e 1920.
Atendendo a que tudo indica que a fotografia tivesse sido
tirada no primeiro quartel do século passado, pelas razões apresentadas e que
existe um relacionamento tácito entre o Dr. Dias Goulão e o Guadiana, a que
Serpa não é alheia, é natural que na altura tivesse utilizado, por opção, a via
fluvial ainda que mais extensa, muito mais cómoda. Todos sabemos que ainda em
finais do século XIX, princípios do seguinte, eram frequentes os assaltos às
diligências que transportavam os passageiros que pernoitavam em estalagens,
muitas delas com más condições.
Poucas pessoas tinham máquina fotográfica na altura, mas o
médico veterinário tinha estatuto e certamente sensibilidade para isso.
Sabemos que poucos anos antes o Dr. Afonso Costa foi figura
central de um comício na Mina de S. Domingos e para lá chegar utilizou esta via,
como nos informaram os alcoutenejos de então. A passagem do conhecido político
por aqui originou uma alcunha “Afonso Costa” que se manteve como substituição
de nome próprio até ao desaparecimento do visado.
Com a chegada do comboio a Vila Real de Santo António tudo
ficou mais facilitado. Nessa época toda a vida do Baixo Guadiana era efectuada
através da grande auto-estrada que o Guadiana constituía. Existiam ligações
fluviais quase diárias entre Vila Real e Mértola, com passagem por Alcoutim.
Por outro lado, o porto fluvial exportador do minério da mina de S. Domingos
estava muito activo com vários barcos esperando pela sua altura de carregar.
Ainda que houvesse “ponte-barca”em Mértola para vencer o
Guadiana, talvez fosse mais prático aproveitar o “autozorra” (espécie de
carruagem para transportar pessoas entre a Mina e o Pomarão) e que utilizava o caminho-de-ferro
das vagonetas.
Não esquecer que os Presidentes da República, Almirante
Américo Thomaz e Dr. Jorge Sampaio, quando visitaram oficialmente a Vila de
Alcoutim, fizeram o trajecto por via fluvial.
Da Mina para Serpa não conhecemos o que se passava, mas
seria semelhante ao que acontecia nas redondezas.
Admitimos como já referimos que a foto tivesse sido tirada
pelo Dr. Dias Goulão entre 1918/20 e numa viagem pelo Guadiana com destino a
Serpa, ou vice-versa. Tudo são conjecturas que podem nada ter a ver com a
realidade.
Queremos expressar aqui o nosso agradecimento ao Senhor Eng.
Carlos Machado, reformado da EDP, residente em Coimbra, genro do referido
médico veterinário, que teve a amabilidade de nos enviar a fotografia e ainda
outra que ficará para mais tarde, que nos forneceu os elementos que possuía e
que acedeu a que fizéssemos a Câmara Escura de hoje.
Resta-nos terminar com estas
palavras que nos enviou e são bem significativas: A razão do meu interesse por Alcoutim reside
no facto de ter gostado imenso do local de todas as vezes que por lá passei,
especialmente uma vez em que fiquei com minha mulher num hotel ou pousada sobre
o Guadiana, já lá vão uns anos.
Bem-haja, Eng. Carlos Machado.