segunda-feira, 27 de maio de 2013

Alcoutim - 1918 / 20

Mais uma fotografia que nos foi amavelmente cedida por um leitor que nos solicitou um comentário.

Fizemos uma contraproposta no sentido de obter autorização para a sua publicação na nossa rubrica Câmara Escura acompanhada dos habituais comentários.

A nossa proposta foi imediatamente aceite, o que muito nos satisfez.

Alguns dados são referidos com a precaução necessária, pois os elementos obtidos são poucos.

Que a fotografia representa Alcoutim, vista do sul, na margem do Guadiana, ninguém tem dúvida.

Parece-nos que a foto é tirada de uma embarcação que desceria ou subiria o rio e isto pela espécie de gradeamento-protecção que aparece no primeiro plano.

Existe um postal comercial editado por uma firma de Vila Real de Santo António, dos anos 30, que aqui já apresentámos, obtido com um ângulo muito semelhante.

Poucas diferenças existem entre ambas, apenas pormenores.

A atracagem de pequenas embarcações é no mesmo lugar, ao “Pinhão” e em ambas se vêem pequenos barcos.

Avulta, naturalmente, o grande casarão pintado com ocre de cor escura, distinguindo-se do outro casario também por essa circunstância.

Nessa altura, a construção, que ainda existe com algumas transformações que o tempo e funções obrigaram a executar, servia de Secção da Guarda-Fiscal criada em 1885, incluindo a parte alfandegária que lhe estava anexa.

Há dados oficiais que temos publicado em outras circunstâncias que referem precisamente isso.

Antes desta ocupação tudo indica que tivesse pertencido à Mina da Cova dos Mouros situada na freguesia de Vaqueiros, que Pinho Leal refere no seu conhecido Portugal Antigo e Moderno como uma grande mina de cobre, servindo de entreposto comercial, com armazéns e serviços de escritório, já que o minério sairia por via fluvial.

Com a morte do seu principal accionista, o Visconde do Carregoso, a mina entrou em decadência e o Estado adquiriu o imóvel para instalações de departamentos próprios de fronteira, como a Alfândega com o seu corpo de guardas e depois a Guarda-Fiscal.

Quando se deu a extinção desta com um século de existência, o edifício que pertencia ao Ministério das Finanças foi adaptado para instalação dos seus Serviços locais de Finanças, o que ainda hoje acontece.

Na parte superior, vê-se algo do castelo onde se notam um resto de ameias, hoje conservadas e alguma vegetação na chamada “esplanada”, parte acrescentada e artilhada durante as Guerras da Restauração. Esta vegetação foi em parte banida, pois o seu raizame provocava desmoronamento das muralhas.

Do lado esquerdo da foto um interessante edifício com água furtada, porta e duas janelas, ainda o conhecemos de pé e de que hoje só resta a superfície.

São notórios os muros protectores dos edifícios, hoje o do lado esquerdo bastante degradado e a desmoronar-se, enquanto os outros foram reforçados e modificados.

A casa que se vislumbra por trás do edifício central, parece-nos ser a que pertenceu à família Rosário e onde hoje existe um local de repouso com bancos e espelho de água alegrado por um conjunto de repuxos. Este espaço tem o nome de Jardim Francisco do Rosário.

No seguimento do edifício central podem ver-se três aberturas (pontos negros) que constituiu uma habitação e hoje transformada em espaço comercial (Bar). Também é muito antigo o edifício que se segue de que se notam quatro aberturas, sendo duas maiores (portas) e as outras janelas. O acesso, devido ao desnivelamento, tal como o edifício anterior, é feito por escadaria. Encontra-se praticamente na mesma e está em venda.

Seguidamente, uma pequena casa onde murou o saudoso alcoutenejo Manuel João, vulgo Balbino e que se encontra hoje em estado de degradação.

O último edifício de que se vêem quatro aberturas constitui a hoje conhecida “Casa dos Condes” de Alcoutim, transformada em espaço de cultura, mas que quando chegámos à vila ninguém o referia.

Por último, a árvore que aparece na fotografia, parece-nos menos exuberante do que na do postal, pelo que admitimos que esta fotografia seja mais antiga.

Claro que nada de cais novo que só veio a ser construído em 1944.

Feito o nosso comentário à foto e havendo, como no começo referimos alguns dados que a acompanharam, sabemos que a mesma foi encontrada no espólio de duas senhoras irmãs do médico veterinário, Dr. José Maria de Sousa Dias Goulão (falecido em 1963), que esteve colocado na Intendência Pecuária de Serpa entre 1918 e 1920.

Atendendo a que tudo indica que a fotografia tivesse sido tirada no primeiro quartel do século passado, pelas razões apresentadas e que existe um relacionamento tácito entre o Dr. Dias Goulão e o Guadiana, a que Serpa não é alheia, é natural que na altura tivesse utilizado, por opção, a via fluvial ainda que mais extensa, muito mais cómoda. Todos sabemos que ainda em finais do século XIX, princípios do seguinte, eram frequentes os assaltos às diligências que transportavam os passageiros que pernoitavam em estalagens, muitas delas com más condições.

Poucas pessoas tinham máquina fotográfica na altura, mas o médico veterinário tinha estatuto e certamente sensibilidade para isso.

Sabemos que poucos anos antes o Dr. Afonso Costa foi figura central de um comício na Mina de S. Domingos e para lá chegar utilizou esta via, como nos informaram os alcoutenejos de então. A passagem do conhecido político por aqui originou uma alcunha “Afonso Costa” que se manteve como substituição de nome próprio até ao desaparecimento do visado.

Com a chegada do comboio a Vila Real de Santo António tudo ficou mais facilitado. Nessa época toda a vida do Baixo Guadiana era efectuada através da grande auto-estrada que o Guadiana constituía. Existiam ligações fluviais quase diárias entre Vila Real e Mértola, com passagem por Alcoutim. Por outro lado, o porto fluvial exportador do minério da mina de S. Domingos estava muito activo com vários barcos esperando pela sua altura de carregar.

Ainda que houvesse “ponte-barca”em Mértola para vencer o Guadiana, talvez fosse mais prático aproveitar o “autozorra” (espécie de carruagem para transportar pessoas entre a Mina e o Pomarão) e que utilizava o caminho-de-ferro das vagonetas.

Não esquecer que os Presidentes da República, Almirante Américo Thomaz e Dr. Jorge Sampaio, quando visitaram oficialmente a Vila de Alcoutim, fizeram o trajecto por via fluvial.

Da Mina para Serpa não conhecemos o que se passava, mas seria semelhante ao que acontecia nas redondezas.

Admitimos como já referimos que a foto tivesse sido tirada pelo Dr. Dias Goulão entre 1918/20 e numa viagem pelo Guadiana com destino a Serpa, ou vice-versa. Tudo são conjecturas que podem nada  ter a ver com a realidade.

Queremos expressar aqui o nosso agradecimento ao Senhor Eng. Carlos Machado, reformado da EDP, residente em Coimbra, genro do referido médico veterinário, que teve a amabilidade de nos enviar a fotografia e ainda outra que ficará para mais tarde, que nos forneceu os elementos que possuía e que acedeu a que fizéssemos a Câmara Escura de hoje.

Resta-nos terminar com estas palavras que nos enviou e são bem significativas: A razão do meu interesse por Alcoutim reside no facto de ter gostado imenso do local de todas as vezes que por lá passei, especialmente uma vez em que fiquei com minha mulher num hotel ou pousada sobre o Guadiana, já lá vão uns anos.

Bem-haja, Eng. Carlos Machado.