Escreve
Gaspar
Santos
Fruto da evolução natural, a perdiz pode vir a ser, no
futuro (como diria Darwin) um animal do tipo “galinha”, tal é a sua tendência
para não usar as asas. A perdiz logo que sai do ovo usa predominantemente as
patas para correr com enorme velocidade. E quando os seres duma espécie, não
usam (ou usam pouco) um órgão ao longo de muitos séculos dá-se a atrofia desse
órgão (as asas), ao mesmo tempo que o intenso uso de outro (as patas) as faz desenvolver.
A perdiz está a tornar-se sedentária, inclusivamente faz o
ninho e choca os ovos numa pequena cova no chão.
É pouco frequente usar as asas e apenas para transpor vales
ou estradas situadas em plano mais baixo, em geral, para se defender, pondo-se em fuga. Dai que no início
da época de caça por falta de uso quase não sabe voar. Com o treino para fugir
aos caçadores, ganha um voo decidido e rápido de tal modo que eles dizem que
ela tem guizos nas asas. Mas cansa-se muito. Depois de dois ou três voos
seguidos na frente dum grupo de caçadores que vão a passo, muito mais devagar,
ela cansada torna-se mansa a ponto de se deixar apanhar à mão.
Não usar as asas torna-a vulnerável e, muitas vezes, isso
é-lhe fatal!
Meu avô tinha uma pequena e verdejante horta num barranco no
meio de um terreno de amendoeiras e de cereal, muito seco no verão. Situava-se
nas encostas muito pendentes para o Guadiana, a um quilómetro a norte do
Montinho das Laranjeiras, junto do caminho do Balurco. Se ele não tomava as
necessárias precauções as espécies cinegéticas (coelhos, lebres e perdizes),
que iam beber a uma minúscula fonte donde colhia água para regar, comiam-lhe as
couves todas.
Utilizava dois métodos para defender as couves e ao mesmo
tempo caçar uma perdizinha, de vez em quando. Em ambos os métodos de capturar as
perdizes aproveitava o conhecimento que havia dos seus hábitos. Um método era o
aboiz e outro era o laço simples.
O
aboiz era um engenhoso sistema de armadilha colocado no caminho que a perdiz
percorria sempre que vinha da zona de charneca para a horta e que ali ficava
marcado por uma vereda livre de ervas. A armadilha aproveitava um rebento em
vara, das que se formam em baixo no tronco da oliveira, para servir de mola
quando dobrada, e na ponta tinha um laço corredio de fio de sapateiro bem
encerado que ficava levemente enterrado no caminho que ela percorria. Quando a
perdiz passava, pisava o mecanismo de disparo da armadilha e o laço
aprisionava-lhe as patas. Aproveitava assim o hábito rotineiro de fazer sempre
o mesmo caminho habitual. No youtube
podem ver-se descrições deste sistema também usado no Brasil com o nome de
Armadilha de laço.
Com a devida vénia retirado de refugio-da-memoria.blogspot.com |
O laço simples de fio de sapateiro encerado era colocado em
duas ou três ou mais portas praticadas numa sebe de mato curto de cerca de 40 cm colocada de forma a
impedir as perdizes de se aproximarem das couves. A perdiz para entrar por uma
daquelas portas teria que enfiar a cabeça no laço, e na tentativa de entrar
ficava presa pelo pescoço. Aproveitava aqui o facto de a perdiz não saltar a
sebe mas preferir procurar uma porta sem deixar o chão.
Nunca averiguei se meu avô apanhava muitas perdizes com
estes tipos de armadilhas. A horta dele, era perto do Posto da Guarda-fiscal e,
embora não situada no caminho das rondas dos seus agentes, era quase impossível
eles não suspeitarem de nada.
Sabendo ou não desta prática, a G.F. nunca o incomodou,
Quando agora recordo este assunto surge-me a ideia de que os agentes não diziam
nada, mas participavam pela sorrelfa comendo algumas perdizinhas sem
incomodarem o meu avô.