Pequena nota:
Não conhecia nada do Monte dos Medronhais e não me lembro de alguma vez ter lido algo sobre ele a nível das minhas pesquisas, nomeadamente no arquivo histórico camarário quando o consultei de 1986 a 1988 por deferência do então Presidente da Câmara, Manuel Cavaco Afonso.
Através das Memórias Paroquiais (1758) encontrei referência a alguns montes da freguesia de Martim Longo de que desconheço a sua existência e por esse motivo postei em 24.06.2011 Martim Longo, montes indicados nas Memórias Paroquiais (1758) e que não identifico, solicitando aos visitantes / leitores qualquer informação sobre o assunto. Até hoje, nunca me chegou qualquer informação sobre o assunto através do meu e-mail.
Gostei muito de ter aprendido com o nosso colaborador a existência deste monte tipo alentejano e o que escreve sobre ele são parâmetros que normalmente abordamos.
Aqui deixo o meu obrigado ao António Afonso e pode ser que ele conheça algum dos montes que refiro na minha postagem de 24.06.2011.
JV
Escreve
António Afonso
O ALCOUTIM LIVRE muito tem escrito sobre os montes do concelho, contudo, haverá um ou outro que escapou, por desconhecimento da sua existência.
Hoje irei falar sobre um pequenino Monte, perto de Martim Longo, «Os Medronhais». Este monte fica situado um pouco a Norte da sede de freguesia, talvez a dois quilómetros de distância, por um caminho de terra batida, em direcção ao Moinho do Ferreiro.
Visitei-o uma única vez, acompanhando um amigo, que me convidou. Teríamos cerca de doze anos e fomos levar uma cabra, cuja intenção era juntá-la ao rebanho para arranjar namorado; (chibato, bode) passada uma semana o animal voltou a casa e decorridos os cinco meses de gestação, passou à condição de mãe solteira e independente. Recordo que o aglomerado possuía as casas de habitação, as instalações para os animais, nomeadamente ramadas, palheiro, forno, alguns currais e pocilgo. Num vale próximo havia uma pequena horta com um poço, que produzia água destinada ao consumo dos habitantes, animais e rega.
O monte foi construído numa zona alta o que permite uma vista panorâmica privilegiada sobre os campos outrora cultivados por vastas searas: aqui e ali nota-se o branco do casario de outros montes em redor, alguns deles pertencendo ao concelho de Mértola.
Despertou-me interesse escrever algo sobre ele, por vários motivos: Trata-se de um aglomerado rural unifamiliar, implantado numa herdade, típico dos montes do Alentejo. Certamente, desta forma, teriam nascido todos os outros montes de maior dimensão existentes no termo de Alcoutim; porém, este continuou isolado, tal como outros que conhecemos, nomeadamente o Monte dos Guerra que lhe fica próximo, as Bringueiras, o Vale do Gimão, A-Dos-Gagos e o Monte dos Matos.
O seu topónimo presta homenagem à flora local que provavelmente era também nome da herdade: Medronhais!... O pensamento transporta-me direitinho ao exuberante arbusto (Medronheiro - arbustus unedo) que por aqui nasce espontaneamente e um pouco por todo território nacional. Com folhas persistentes de um verde intenso e brilhante, a floração ocorre nos meses de Inverno/Primavera e apresenta-se em cachos de pequeninas lanternas brancas ou róseas, algumas delas irão originar frutos rugosos de cor verde, que à medida que se aproximam da maturação se tornam amarelos e finalmente vermelhos quando maduros.
Medronhos maduros |
Na minha meninice, eu e alguns amigos de ambos os sexos, agarrávamos em cestos feitos de cana e íamos apanhar medronhos no meio dos matos que bem conhecíamos, sempre avisados (encarecidos) para que levássemos os chapéus e não ingeríssemos mais de três ou quatro frutos, devido às perturbações que poderiam causar. Os nossos frutos não se destinavam ao fabrico de aguardente, tinham outro destino; as nossas mães preparavam-nos e colocavam-nos em grandes frascos de boca larga. Quando coziam a amassadura, retiravam algumas colheradas daquela substância e adicionavam à massa do fermento, quando este era desfeito em água quente. Tinha efeito de catalisador, potenciando o levedar do pão.
Segundo informações, ainda no século XIX, dois irmãos de apelido Brito, do Monte da Estrada, vieram a casar no monte do Silgado, dando origem a todos os Britos da freguesia; um deles, Joaquim Brito, contemporâneo do meu pai, nos anos trinta do século passado, comprou a herdade e o Monte nele existente.
Passou aí a viver com a esposa e um irmão, o ti João Brito, figura muito peculiar; por cima da sua fatiota usava sempre uma pelica e uns safões de pele de borrego de cor acastanhada e ainda uma boina de orelhas que o protegia do calor e do frio. Encontrei-o muitas vezes na Ribeira do Vascão, oásis onde se refugiavam os pastores (maiorais) nas horas de maior calor, com seu rebanho de cabras (fato). Homem de poucas falas, era difícil entrar em diálogo.
O ti Joaquim foi pai de quatro filhos. A Celeste, o Joaquim, a Agostinha e a Alice que aí viveram, mas um dia ganharam asas e voaram. Seguiram os seus destinos; dois deles sei que emigraram para a Alemanha e hoje vivem em Faro, as outras duas filhas fixaram-se em aldeias vizinhas. Quando os seus pais faleceram o Monte ficou desabitado.
Mas, no início dos anos noventa, veio dirigir as Paróquias de Martim Longo, Vaqueiros e Cachopo, o Padre Peter, de nacionalidade Belga, que fora missionário em África, nomeadamente em Moçambique. Morou algum tempo em Martim Longo, recordo vê-lo, quando vinha buscar água ao Poço Novo do meu monte; mostrando-se sempre afável e conversador, dava boleia a todos os velhotes que encontrasse pelo caminho, toda agente gostava dele, mesmo aqueles que jamais entraram numa igreja.
Este senhor padre, porém era um homem simples, que amava a natureza genuína. Certo dia foi visitar os Medronhais, ficou encantado com a beleza do lugar bucólico e sossegado, pois era mesmo aquilo que procurava. Conversou com os donos e lá passou a viver. Julgo ser ele quem edificou aquela casinha branca, a construção mais recente, que podemos observar na foto; nesse lugarejo, quase no silêncio absoluto rezava as suas preces. Encontrando-se mais próximo do seu Deus, desfrutou este lugar durante alguns anos, até quase ao resto dos seus dias, amanhando a horta, plantando árvores, colhendo os frutos e ouvindo o chilrear das aves que esvoaçavam em liberdade! Era feliz na sua humildade e à sua maneira.
O padre Peter veio a falecer em Faro, a 7 de Dezembro de 2001, vítima de doença incurável, mas por sua expressa vontade, desejou ser sepultado no cemitério local de Martim Longo, onde repousa. Os seus familiares respeitaram solenemente o seu derradeiro desejo. Ao seu funeral, que teve lugar a 08 de Dezembro de 2001, dia da Padroeira da aldeia, Nossa Senhora da Conceição, estiveram presentes centenas de paroquianos, que quiseram deste modo, prestar a ultima homenagem a esta alma que sempre praticou o Bem. Toda a cerimónia fúnebre foi presidida pelo bispo do Algarve, D. Manuel Madureira e pelo bispo auxiliar D. Manuel Quintas.
A Câmara Municipal e a Junta de Freguesia quiseram perpetuar a sua memória, atribuindo posteriormente, o seu nome a um largo próximo da Igreja Matriz, em sinal de gratidão e respeito por aquele filho adoptivo de Martim Longo.
O monte que outrora habitou regressou à condição de despovoado, à semelhança de outros que encontramos por lá, infelizmente fruto da desertificação humana.