quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Freguesia de Vaqueiros (Alcoutim) - Do abandono de séculos aos nossos dias


Pequena nota

Tem 26 anos de publicado no Jornal do Algarve, onde então colaborávamos, este texto relativamente longo e foi-o num único número pelo que ocupou bastante espaço no semanário.

Este texto veio a servir de base ao que sobre a mesma freguesia publicámos no nosso trabalho”Alcoutim, capital do nordeste algarvio (Subsídios para uma monografia)”, 1985

Naturalmente que ao longo destes anos fomos adquirindo mais conhecimentos e continuamos a adquiri-los pelo que existe necessidade de se fazer algum ajustamento.

Os desenhos apresentados foram igualmente publicados, as fotografias que ilustram o texto que transcrevemos é que são “novas”.

JV

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 17 DE OUTUBRO DE 1985)

1. INTRODUÇÃO

Com a aquiescência benevolente do “Jornal do Algarve”, temos, desde 1972 explanado alguns temas sobre a vila de Alcoutim, a que não nos foi alheia a restante parte do concelho.

Tentámos mostrar algo do passado e ligá-lo ao presente, quase sempre com sentido de alarme. Nem sempre fomos – se alguma vez o tenhamos sido – positivo, mas é esse o propósito que nos tem norteado. Aliás, outro não teria lugar nas páginas de tão conceituado semanário regionalista, verdadeiro baluarte da defesa do Algarve.

Além da vila, falámos na “comercial” Martim Longo, Aldeia de gente activa e com aspirações, no passado e no presente da têxtil Giões e, muito recentemente, na cerealífera Pereiro, do São Marcos.

Ficou-nos para o fim, sem sabermos bem porquê, mas nunca por desprimor, a serrana Vaqueiros que, num concelho já esquecido, foi a freguesia mais abandonada, só “violada” após 74, onde máquinas durante meses e meses invadiram as serranias, rasgando caminhos que possibilitassem a passagem, ainda que periódica, de tractores, camionetas e veículos de todo o terreno. Até aí era impossível. A pé ou de burro, era o único meio de chegar aos pequenos “montes”.

Parece que as gentes de Vaqueiros só tinham deveres e não direitos. Energia eléctrica, nem pensar nisso – a vila só a tinha tido em 1965 e constituía a excepção. Estradas, dois palmos da Ribeira da Foupana a Vaqueiros, sem pitada de alcatrão! Água, o precioso líquido, oferecia dificuldades de vária ordem.

Dois ou três edifícios escolares era todo o investimento de dezenas e dezenas de anos, quase sempre fechados por falta de quem lá quisesse enterrar-se vivo! Neste campo, foram as antigas regentes escolares que alfabetizaram muita daquela gente – honra lhes seja feita.

Ainda que muito resumidamente, vamos referir algo do passado e do presente desta freguesia, um pouco prejudicado pelo afastamento de oito anos.

2. SITUAÇÃO E DESCRIÇÃO

A freguesia de Vaqueiros, a mais serrana do concelho de Alcoutim, tem por limite natural, ao Norte, quase totalmente, a ribeira da Foupana e é atravessada pela de Odeleite. Confina com as freguesias de Pereiro, Giões e Martim Longo, do mesmo concelho, com as de Cachopo e Santa. Maria, ambas de Tavira e a de Odeleite, pertencente a Castro Marim.

 

A Serra Algarvia, é um mar de cerros.

Às terras altas galegas, contrapõem-se algumas várzeas como a própria toponímia regista.

Nos meados do século passado, o mato cobria grande parte desta zona. Em muitos locais, uma vegetação espontânea, constituída fundamentalmente por sobreiros (chaparros), azinheiras e medronheiros. Foi o habitat de veados, javalis, lobos e raposas, para só referir os de maior porte.

Regime de pequena e média propriedade. Nos subúrbios da aldeia, algumas herdades, hoje desfeitas e um morgadio desmembrado pelo liberalismo.

3. POVOAMENTO

Pela região passaram os Romanos, que deixaram vestígios, como algumas construções, sepulturas, várias moedas (1) e exploração mineira na mina da Cova dos Mouros. (2) Há quem afirme que o repovoamento desta região ascende à época romana da mineração. (3)

Os árabes, além dos vocábulos, deixaram a técnica da elevação de água por meio da roda e o aproveitamento na força para mover as mós.

As lendas de mouras encantadas que o povo localiza nas Ferrarias, no Poço dos Mouros, no Monte do Zambujal e na Horta da Fonte dos Mouros, constituem uma reminiscência deste povo.

Numa fonte, segundo a lenda aberta na rocha, há uma figueira sob a qual tem aparecido uma bela moura, chamada “ A Princesa”, admiravelmente vestida, que pede às pessoas, a quem aparece, que a desencantem a troco de muitos tesouros guardados por um mouro gigantesco, cuja habitação está escondida numa cova, designada por “cova da moura”.

Para ser desencantada é mister que o sujeito trave luta com o mouro gigantesco e o vença e é aqui que está a dificuldade, pois ninguém se atreve a lutar com o mouro pelo receio de ser  vencido e morto. O encantamento deve ter-se verificado, segundo a lenda, pelo tempo em que os mouros foram expulsos de Tavira. (4)

4.ACTIVIDADE

A colonização agrícola remonta às Sesmarias.

Veio o período das arroteias, que proporcionou a cultura cerealífera, principalmente a do trigo.

O crescimento demográfico do século XIX desencadeou novas arroteias e cultivos, que foram apoiados pelo liberalismo.

Começa a plantação da alfarrobeira, amendoeira e figueira.

Nos cercados, ao abrigo do pastoreio, desenvolvem-se oliveiras a partir da enxertia em zambujeiros (5), muitas vezes enxertados na mão e lá colocados.

O montado existente, segundo parece, granjeou fortuna aos proprietários que, nos primeiros anos deste século, forneciam lenha e carvão para o comboio acabado de chegar a Vila Real de Santo António. (6)

Os cereais, um talho de hortejo, a pastorícia de gado miúdo e a amêndoa, constituem as fontes de manutenção deste povo.

A mina da Cova dos Mouros, considerada como grande mina de cobre, estava em exploração em finais de século passado. Dava pirites e cobre panaché. O visconde de Carregoso e António Pereira de Magalhães faziam a exploração. (2)

Em 26 de Maio de 1866, Luís Manuel da Silva, residente em Lisboa, regista uma mina de cobre na Herdade da Malhada. (7)

No arquivo histórico da Câmara Municipal, existiam bastantes livros de registo de minas, muitas delas nesta freguesia.

A mineração foi uma actividade importante, mantendo-se o registo de quatro minas: Alcaria Queimada, Pedras de Galinhas, Serras de Fora Merenda e Cova dos Mouros, todas de cobre.

Da mina de Alcaria Queimada foi concessionário Antoine e Leroy. (8)

Nos fins da década de 60, princípios da seguinte, deu-se grande surto de emigração, principalmente para a França e Alemanha. Sucedeu mesmo que, para a resolução do pagamento da taxa militar, se esgotaram no concelho todas as taxas de selos fiscais superiores a vinte escudos!

De uma maneira geral, as melhores habitações existentes foram feitas com moeda originária daqueles países.

5.ADMINISTRAÇÃO

A criação da paróquia data, segundo Silva Lopes, de 1583 (9) e é uma das mais antigas em instituição no Algarve. (3)

Do ponto de vista administrativo, o local foi sempre domínio do castelo de Alcoutim, na Idade Média, razão por que a freguesia foi sempre termo da dita vila. (3)
Aldeia de Vaqueiros. Vista parcial. Foto de JV, 2010

É sede de freguesia a aldeia de Vaqueiros que parece nunca ter sido grande. Situa-se sobre um monte, rodeado de outros mais altos. Dista 3 km da margem direita da ribeira da Foupana e cinco da esquerda da de Odeleite. (10)

Encontra-se a cerca de trinta e cinco quilómetros da sede do concelho.

Tem Casa do Povo com posto médico e Centro de Convívio.

6.TEMPLOS

A igreja matriz é dada como pobre e sem nada de notável (2 e 10). Não será bem assim pois em recente trabalho faz-se referência a ela com algum interesse.

De arquitectura sóbria e de origem provavelmente quinhentista, foi remodelada no século XVIII. O retábulo do altar-mor, do século XVI, enquadra duas pinturas sobre tábua, da mesma época, figurando Sant`Ana e São José.

O arco que precede o altar da Senhora da Soledade, está ornamentado com pinturas ao gosto do século XVIII. (11)

Na torre, à esquerda da fachada, vamos encontrar dois sinos. O maior, de 0,50 m por 0,95 m de diâmetro, pesa 140 kg. Há nele uma cruz e a legenda: S. Pedro ora pró nobis – Anno de 1799.

Já não é o que fora posto em 1755, para o qual a confraria do Santíssimo dera 2.000 réis.

O menor, que mede 0,40 m por 0,46 m, pesa 70 kg, além da cruz, tem as inscrições: Este sino mandov fazer o Rº Pº José Maria Reis – António Fernandes Paulo Andadev o fez em 1860. (12)

S. Pedro
Tem por orago S. Pedro.

Em 1799 existiam três confrarias na área da freguesia: S. Bento, S. Brás e Santa Luzia. A de São Bento era a segunda em rendimentos em todo o concelho que nesta altura também compreendia a freguesia de Cachopo, sendo só superada pela de Nª Sª da Conceição, na vila. (13)

A Junta de Paróquia pede à Câmara Municipal que autorize por meio de postura, o lançamento de uma derrama de 60 mil réis, com o intuito de mandar fazer um tecto na capela e retocar a imagem de São Bento. Foi autorizado  na sessão de 9 de Junho de 1866.

A capelinha foi local de grandes romarias – e se o porco se salvava, depois de implorado o auxílio do santo – oferecia-se um bácoro.

O bispo apresentava o cura que tinha 309 alqueires de trigo e 106 de cevada. (2)

7. GUERRILHAS

O Remexido e seus sequazes acoitaram-se muito nesta região. Daí a existência de designações, como “Horta dos Guerrilhas”, “Cemitério dos Guerrilhas e outras que ainda perduram.

Tem-se conhecimento do roubo feito pelo sargento Vintura, na Casa do Prior de Vaqueiros que montou a 9.600 réis. (14)

8. COMUNICAÇÕES

Em 22 de Abril de 1866 é pedida uma estrada que, vinda de Castro Verde, seguindo por Martim Longo, passaria por Vaqueiros, a caminho de Tavira.

Durante séculos a freguesia manteve-se isolada de tudo e de todos. É dos anos sessenta a abertura da estrada municipal que ligou Martim Longo a Vaqueiros e pouco mais andou.

Pós 1974 foi pavimentada e levada até ao monte dos Bentos, construindo-se a ponte sobre a ribeira de Odeleite, seguindo a estrada, que aqui se bifurca, em terraplanagem, uma, até ao monte das Casas e a outra até Fernandilho.

No sentido oriente-ocidente, a estrada municipal 505 (pavimentada) entra na freguesia pela ponte de Soudes, servindo Casa Nova, Zambujal, Malfrade e Montinho da Revelada, onde entronca com a 506, seguindo por terraplanagem para Monchique.

Além destes eixos viários, todas as povoações da freguesia, por mais insignificantes que sejam, possuem caminhos de terra batida que vão possibilitando, com maior ou menor dificuldade, o acesso a veículos automóveis.

Em números redondos pode dizer-se que de 1979 a 1983, foram feitos 26 km de estrada e 22 de terraplanagem.

O “Diário Popular” de 18 de Junho de 1985 informava a construção de um troço de estrada entre Alcaria Queimada e Zambujal, orçado em vinte mil contos.

O correio chegava a Vaqueiros através de um condutor de malas que fazia a ligação entre esta aldeia e Martim Longo.

Do auto de arrematação de 1891, respigámos o seguinte:

Arrematante – José António Gonçalves de Vaqueiros. Valor da arrematação 17.980 réis. Condições – Fazer três carreiras na semana; estar na estação do correio à hora em que chega o estafeta desta vila (Alcoutim) para depois lhe entregar a mala a conduzir logo para Vaqueiros e receber a que lhe foi entregue também. Por cada uma carreira a que faltar sem motivo de força maior, pagará a multa de 200 réis.

Também só a partir de 1974 a freguesia começou a ser servida, em parte, por distribuição ao domicílio.

O telefone também foi outro bem que chegou “ontem” à freguesia. Hoje, a cobertura, apresenta índices razoáveis.

Em 1984, foi inaugurado em Alcarias um telefone público, o que originou festa rija. Para a instalação foi necessário um traçado de 10 km, por montes e vales, com o levantamento de 225 postes e uma despesa rondando os três mil contos. (15)

Em Vale do Rosa, um dos montes mais a sul e mais isolado, possui um telefone colectivo (tipo monovia), que trabalha por feixes hertzianos, sistema utilizado em casos muito especiais, como em pequenas ilhas e povoações muito isoladas e de difícil acesso.

Galaxos, Várzea e Bentos, três povoados na margem direita da ribeira de Odeleite, também vão possuir telefone público em breve. (16)
Monte dos Bentos, junto à Ribeira de Odeleite. Foto JV

9. SANEAMENTO
A energia eléctrica e o fornecimento de água são duas prementes necessidades que só muito recentemente começaram a chegar à freguesia de Vaqueiros. Se onze povos já possuem energia eléctrica, esperam ansiosamente por ela, Ferrarias, Mesquita, Monte Novo, Casa Nova, Monchique, Montinho da Revelada, Preguiças, Balurquinho, Madeiras, Galego, Bentos, Galaxos, Várzea, Jardos, Pomar e Bemposta.

Neste campo, ainda muito falta realizar, mas temos de concluir que algo importante já foi feito.

Em 24 de Abril último foi posto a concurso público o saneamento básico de Vaqueiros – abastecimento de água e drenagem e tratamento de águas residuais domésticas.

Existem trinta e três poços artesianos que cobrem toda a freguesia.

Sabemos que em 9 de Setembro de 1876 foram concedidos seis mil réis para a abertura de um poço em Alcaria Queimada e que em 1881 os habitantes de Pão Duro estavam bebendo água da ribeira da Foupana pelo que a Câmara auxiliou (!) para a abertura de um poço novo.

10. BREVE ROTEIRO



Construção de xisto nas Ferrarias.
Foto JV, 2010
Ultrapassam as três dezenas e meia os povoados que constituem a freguesia, a maioria com meia-dúzia de fogos ou pouco mais, quando não menos. As dificuldades de transporte e o acidentado do terreno levavam o vizinho a estabelecer o seu fogo junto das terras, disseminando-se forçosamente o habitat. (17)

Ferrarias, é um pequeno “monte” onde já no século XV, pelo menos, se trabalharia o ferro. Perto, a Mesquita, topónimo também existente no concelho de Mértola e que nos faz lembrar a presença mourisca.

Pão Duro, é povoação a que já nos referimos e donde era natural o soldado Manuel Carlos Rosa, vítima em 1964 da Guerra Colonial, em Angola.
Um aspecto do monte de Pão Duro. Foto JV
Monte Novo, parece indicar mais recente fundação e Alcaria Queimada, próxima da ribeira da Foupana, tem a ermida de S. Bento, ainda com romaria e uma mina de cobre registada e a pagar o competente imposto mineiro, então vigente. Zambujal é o monte que lhe fica mais próximo e que deve o seu nome à flora bravia, hoje transformada em boas oliveiras. Tem escola do ensino primário.

Casa Nova é próximo de Soudes que pertence contudo à freguesia de Pereiro.

Rumando ao Sul, vamos encontrar as Preguiças e o Balurquinho, topónimos obscuros.

Se inflectirmos para o ocidente, por entre serranias, encontramos Malfrade, expressão medieva alusiva talvez a um frade de Sant`Ìago. (3) Caminhemos pela estrada municipal nº 505 até ao Montinho da Revelada, que nos dizem estar relacionado com os “guerrilhas” das lutas entre liberais e absolutistas.

Vamos depois à procura de Monchique, servido pela mesma estrada e que tem um outro caminho que encurta a distância a Vaqueiros.

Voltemos a caminhar para Sul e a aproximarmo-nos da ribeira de Odeleite, em cuja margem esquerda se situam Madeiras, Bentos, já com a “célebre” ponte, passo importante para a ligação a Tavira e Galaxos.
Um aspecto do monte dos Galaxos. Foto JV, 2010

A ribeira é bastante ziguezagueante, pois tem de contornar o sopé dos cerros.

Na outra margem, Várzea que concentra as crianças das redondezas, na escola primária. Próximo, o Montinho e a Preguiça.

Jardos (jardo – dizia-se antigamente de uma espécie de lã, de cor cinzenta) também se situa perto da ribeira.

Fernandilho, que parece revelar a influência castelhana local (3), e de que talvez o contrabando não esteja alheio, é servido pela estrada municipal nº 506. Galego é outro monte próximo da ribeira, cujo topónimo está relacionado com as características do terreno no aspecto de aptidão agrícola, já que a terra galega é a que não é fértil.

As Taipas, que nos sugere tapumes, protecção, são constituídas por dois montes.

Alcarias, que recolhe as crianças da zona na sua escola e Alcaria, são topónimos de origem árabe, al caria, a aldeia. Cerro e Barranco, assim chamados pela situação topográfica e Casas, são “montes” bem próximos uns dos outros e que esperam ansiosamente pela electrificação.

O último grupo de povoados é composto por Pomar (característica agrícola?), Fortim, que inspira defesa, Bemposta, que aponta para uma situação bem concebida e donde era natural o soldado, António da Silva Domingos, também vítima da guerra colonial, em 1967, na Guiné (18), Traviscosa, também com escola primária, topónimo que tem por base a flora local (travisco) e Cabaços, onde já existe estrada a caminho do concelho de Castro Marim.
O Fortim. Foto de JV
Neste “monte”, em 1961, Mitchel Giacometti recolheu um “canto de peditório no dia de finadas (2 de Novembro) “recordai, nobre Senhor …” Trata-se de uma oração das almas, do culto dos mortos, visando a salvação das almas do Purgatório, cujos cantores, com estilo próprio, têm “quebros de voz”. (19)

A recolha foi incluída também num programa da R.T.P., intitulado, “Povo que Canta” e transmitido por volta de 1968/69.

Vamos referir o último monte da freguesia, talvez mais ligado a Tavira do que a Alcoutim. A deslocação à Feira Anual daquela cidade era um velho costume. Falamos de Vale da Rosa, povoação encravada na serra, seis fogos e quinze habitantes, na maioria com mais de sessenta anos.

O topónimo parece estar relacionado com a existência da rosa espontânea. (20)

Porque o município só previa a electrificação por intermédio dos meios habituais, cerca do ano 2000, a Agência Francesa de Gestão de Energia, ofertou uma central fotovoltaica de produção de electricidade a partir da energia solar.

A instalação deveu-se a um acordo de cooperação luso-francesa. A Câmara Municipal foi responsável por todos os trabalhos de construção civil e a Direcção-geral de Energia forneceu as baterias de acumulação e os cabos de distribuição.

Inauguração da estação fotovoltaica.
A inauguração teve lugar no dia 12 de Maio de 1985 e motivou festa rija e a presença de individualidades. É a primeira central voltaica instalada no País!

Tem este povo satisfeitas as necessidades básicas de electricidade, nomeadamente luz eléctrica interna e externa, frigoríficos e televisão a cores, oferecidos pela França a cada uma das cinco famílias.

O equipamento tem uma autonomia para cinco dias, ou seja, mesmo que não haja sol, durante esse período o abastecimento de energia encontra-se assegurado.

Na hipótese de se verificarem excedentes energéticos, estes serão aplicados na bombagem de água no único furo camarário existente na localidade e que serve de ponto de encontro.

Os habitantes de Vale da Rosa pouco dependem do dinheiro, vivendo daquilo que a terra lhes dá, mas mostrando-se preocupados com o preço elevado dos adubos. Esta circunstância não acontece só aqui, mas em qualquer dos outros montes, pelo que a citação serviu de paradigma.

Nunca ninguém teria pensado que o Vale da Rosa viesse a merecer referências nos meios de comunicação social, mas a verdade é que uma grande maioria referiu o evento: jornais, revistas, rádio e até o telejornal das 20 horas do dia da inauguração, apresentou o acontecimento, mostrando vários aspectos do povoado.

O repórter de uma revista refere “a terra de cascalho e pedra dura que nada dá e muito menos oferece” o “acesso praticamente intransitável na época das chuvas devido aos pequenos cursos de água que sulcam o vale e a circunstância de ter andado perdido cerca de duas horas em pleno nordeste, quente e intransitável” e a “alegria desta pobre gente desprotegida, que ofereceu banquete pobre mas rico de mil e um agradecimentos pela melhoria que passou a ser-lhes proporcionada”. (21)

De uma maneira geral são correctas as observações feitas, excepto, segundo o nosso prisma, à circunstância de a terra nada produzir e oferecer. Se assim fosse, é evidente que o Vale do Rosa e mesmo a freguesia de Vaqueiros, tal como a maioria do País, não existiam. Mesmo quando não havia pensões ou reformas, este povo nunca morreu à fome, criou sempre o suficiente para se manter, ainda que para isso tivesse que mourejar todo o santo dia. Verdade seja que a terra é pouco produtiva, mas o serrano tem leite de cabra ou de ovelha, fresco e sem misturas, consequentemente queijo e manteiga, pão, daquele que dura uma semana, mel, carne de porco, galináceos silvestres e não de aviário, caça, batatas, vinho caseiro oriundo dos parrões, e não a martelo, e um hortejo que produz necessidades básicas. Com a amêndoa realiza o capital de que necessita. Se todos produzíssemos, o mesmo, ainda que pouco, outro galo cantaria e não estaríamos certamente tão empenhados.

11. CONCLUSÃO

Ainda que o papel desapareça nas nossas mãos, muito ficou por dizer desta freguesia que só pós-74, começou a merecer a atenção dos autarcas.

A “bela serrana” lhe chamou, com um sentido de pureza, o nosso saudoso amigo, Luís Cunha que, algumas vezes lhe dedicou o labor da sua pena.

A ela deram ou dão o seu esforço, o vereador Hilário da Palma Ventura, com as suas intervenções realistas e polémicas que as actas das sessões camarárias testemunham, Manuel António Guerreiro, que o substituiu; Virgílio Teixeira Neto, o primeiro presidente da Junta de Freguesia eleito democraticamente, Júlio António Rosa que iniciou o “desbravamento” e o actual, Manuel Cavaco Afonso e a vereação, que o tem acompanhado, dedicando muito interesse pela freguesia, como lhes compete, não esquecendo o actual presidente da Junta, Eduardo Rodrigues Pontes.

Alguma coisa foi feita e que está à vista de todos, contudo muito existe por fazer e de que a freguesia bem precisa.

A sinalização nos caminhos de terra batida e a colocação de placas toponímicas, é uma imperiosa necessidade, que pensávamos já estar resolvida.

Não foi só o repórter a que já nos referimos que se perdeu. Também por volta de 1975/76, um taxistas de Faro, depois de conduzir um emigrante do aeroporto daquela cidade, ao seu “monte”, no regresso, perdeu-se de tal maneira que teve de dormir no carro e esperar que a manhã raiasse e aparecesse alguém que lhe indicasse o caminho. Também nós lá nos perdemos!

Pensamos que os caminhos transformados em estradas, a cobertura total de energia eléctrica e o fornecimento de água, continuam a ser, entre outras, prementes necessidades a que este povo, honesto e trabalhador, tem jus.

NOTAS

(1) Arqueologia Romana do Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Afonso Santos, 1971
(2) Portugal Antigo e Moderno, A. S. Barbosa de Pinho Leal, 1873
(3) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(4) As mouras encantadas, e os encantamentos do Algarve, Francisco Xavier d ´Ataíde Oliveira, Loulé, Edição de 1994.
(5) O Algarve Oriental, as vilas, o campo e o mar, Carminda Cavaco, 1976.
(6) “Caminhos e Estradas são Supremas aspirações das gentes de Vaqueiros”, Luís Cunha, Jornal do Algarve, Vila Real de Sto. António, de10 de Fevereiro de 1973.
(7) Livro de Registo de Minas da câmara Municipal de Alcoutim, iniciado em 1865.
(8) Dicionário Corográfico de Portugal, Américo Costa, Edição de 1968.
(9) Memória para a História Eclesiástica do Bispado do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1848.
(10) Dicionário “Portugal”, Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Edição Romano Torres, 1904.
(11) Tesouros Artísticos de Portugal, Ed. Selecções do Reader`s Digest, 1976.
(12) Vozes de Bronze, P. José António Pinheiro e Rosa, 1946.
(13) Livro de Contas da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1875.
(14) - A Guerrilha do Remexido, António do Canto Machado e António Monteiro Cardoso, Ed. Europa-América, Estudos e Documentos, nº 175.
(15) “Inauguração de um telefone público no nordeste algarvio”, Geleate Canau, in Jornal do Algarve de Vila Real de Sto. António, de 30 de Maio de 1985.
(16) Jornal do Algarve de 30 de Maio de 1985.
(17) Para o estudo do Algarve Económico durante o Século XVI, Joaquim Romero Magalhães, 1970.
(18) O Sr. Silvino, pai do mancebo, com os olhos marejados de lágrimas, dizia-nos que aquele dinheiro da pensão de sangue lhe queimava as mãos. Levantava-se para o ir receber, antes do sol nascer, para regressar ao monte, já a noite bem entrada.
(19) Cancioneiro Popular Português, Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça, Ed. Círculo dos Leitores, 1981.
(20) “Jornadas Medievais no Algarve”, Ângela Beirante, in Jornal do Algarve de 13 de Dezembro de 1984.
(21) “Central de Energia Solar em Alcoutim”, in Jornal do Algarve de 2 de Dezembro de 1983; “Central de Energia Solar começou a ser construída em Vale da Rosa (Alcoutim), in Jornal do Algarve de 3 de Janeiro de 1985; “Central fotovoltaica de Vale da Rosa é inaugurada em 12 de Abril, in Jornal do Algarve de 21 de Março de 1985 e “Sol faz renascer esperança em Vale da Rosa, in revista Correio da Manhã de 9 de Junho de 1985.