Não fui eu que atendi o telefone, mas pressenti logo que a
notícia não era boa. Vinha do concelho de Alcoutim, mais propriamente do
“monte” de Afonso Vicente.
O Manuel André tinha sido encontrado já sem vida, às
primeiras horas do dia junto da estrada das Cortes Pereiras, quando se sai da
122 e se entra nesta.
Como era hábito, deslocava-se com alguma assiduidade a
Lisboa onde tinha passado grande parte da sua vida como funcionário do
Ministério das Obras Públicas.
Era uns meses mais velho do que eu. De vez em quando
telefonava-lhe para saber como se encontrava e saber também notícias do irmão
Francisco e do primo António. Nestas conversas havia sempre alguma brejeirice,
principalmente, quando se encontrava em Lisboa, como aconteceu da última vez que
lhe liguei, pois ao atender disse-me logo que estava em Lisboa. Não pensava
que era a última chamada que lhe fazia.
Manuel António Sebastião que na sua terra era só conhecido
por Manuel André visto seu pai, que ainda conheci, se chamar André, teve quatro
irmãos e dos cinco nenhum constituiu família.
Foi das poucas pessoas que regressou ao monte. Ainda que a pensão de reforma chegasse para a sua
manutenção, gostava de brincar à agricultura, principalmente ao hortejo.
Semeava, todos os anos e sozinho, uma saca de batatas, fazia grandes
sementeiras de alhos e cebolas não deixando de semear favas e griséus. Ainda
este ano e sabendo que eu não tinha favas levou-me um cesto delas, apesar de já
estarmos numa altura de escassez.
Todos os anos fazia o vinho e eu tinha sempre de o provar
para dar a minha opinião.
Possuía uma horta nas Murtosas
que ficava a uma distância de três ou quatro quilómetros de casa. Recuperou o
poço mandando fazer um novo gargalo e aprofundando-o. Comprou um motor para
assim poder tirar água para a rega.
Não deixou de adquirir uma moto-enxada que lhe servia para
cavar a terra.
Embora a visão fosse afectada pela diabetes nunca deixou de
ter esta actividade que lhe dava prazer e o ocupava, ajudando-o deste modo a
passar o tempo.
Outra das coisas que gostava de fazer era cozinhar e nunca
se limitou a comer uma bucha como muitos fazem. Mesmo só para ele, fazia comida
de “panela”a horas, para usar uma expressão local. Às sete e meia, oito horas,
o mais tardar, estava na cama.
Era um benfiquista ferrenho.
Ia pelo menos uma vez por semana à vila, onde comprava os
medicamentos e mais alguma coisa que precisava, não deixando de almoçar no
restaurante.
Era dos poucos frequentadores da “sociedade” onde tomava o
seu cafezinho depois de almoço.
Quando estava no monte, não deixava de o procurar para
conversarmos um bocado, principalmente sobre a horta.
Um dia, sentindo as minhas mazelas, observei-lhe:- O senhor
não tem dores, não se queixa! - Eu ter
tenho, mas a quem me queixo!
Em 2009, resolveu aplicar algumas economias que tinha e aproveitando um local onde em tempos existiu uma casa de seus pais, mandou construir uma interessante habitação com todas as condições e onde viveu os três últimos anos. Não deixou de fazer um canteiro onde plantava alfaces, semeava salsa e coentros, plantava algumas cebolas e pimentos para uso na sua culinária.
Em vez de deixar o dinheiro, deixo a casa - afirmava-nos.
No monte, já são menos de uma dúzia!
Faleceu aos 75 anos.
A autópsia irá indicar a causa da morte.
Será sepultado no cemitério da vila.
Condolências aos irmãos.