quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Quadros da vida rural alcouteneja






Escreve

M Dias
Um monte da Freguesia de Alcoutim. Foto JV
Nascia-se com a ajuda de DEUS e de algumas vizinhas, onde entre elas, uma tinha mais jeito para essa função. Em geral pessoa idónea, com experiência. Ficávamos junto das mães durante a 1ª infância (0-2 anos) a partir daí ou íamos com a mãe para onde ela fosse ou alguma tia ou vizinha olhava por nós. Só aos 7 anos se entrava na escola.
Isso não aconteceria se tivesse nascido na década anterior. Nesse tempo, ainda as meninas, não iam à escola, não era necessário saber ler e escrever para arranjar marido, ser boa mãe e boa dona de casa, lavar a roupa (dar uns pontos), trazer a casa asseada e cozinhar o essencial, ajudar o homem na apanha dos frutos secos, (figos, alfarroba, amêndoa), e da azeitona. Mondar, ceifar, enfim, a labuta do campo.
Não, não estou a falar no século XIX mas sim nos meados do seguinte.
No meu tempo, e apesar da escola ficar a uma distância considerável, lá fomos. O saber empírico do meu pai dizia: Quem não lê é como quem não vê.
Uma grande percentagem ficava apenas com a 4ª classe. Muito poucos seguiam para o liceu ou escolas técnicas. Alguns (rapazes) frequentavam o seminário como forma de poderem estudar. Terminada a escola, (4ª classe), ficavam por ali, ajudando os pais nos afazeres do campo, namoriscando uma rapariga que procuravam muitas vezes por outros montes frequentando bailaricos, feiras e outras festas.
Chegando aos 18-19 anos, tendo a preocupação de serem apurados para o serviço militar, assentavam praça e lá iam cumpri-lo onde lhes era determinado. Acabado o mesmo que procurava realizar com a caderneta limpa, iam para a guarda- fiscal, ou republicana ou ainda para guarda-fios.
Entretanto, anos 60, começou a guerra! Na flor da mocidade foram enviados para as ex-colónias e seguiram-se as consequências que todos conhecemos. Os aerogramas eram escritos de mulher para marido e namorada para namorado por meninas como eu de 10 anos que já escrevíamos bem. Quanto às meninas, nesse tempo, alguns pais, ambicionavam que fossem empregadas nos correios, professoras ou dactilógrafas mas dados os fracos recursos e a enorme distância a que ficavam as escolas e a ausência de transportes regulares era muito difícil o acesso.

Durante a infância, as meninas tinham brincadeiras bem distintas dos rapazes. Se uma menina, brincava como os rapazes chamava-se machote, ou maria machote e não ficava bem! Este termo, menina-menino na serra era pouco usado. O corrente era mocita-mocito, e moça-moço. Uma mocita ou mocinha aprendia desde tenra idade com a sua mãe a fazer alguns trabalhos manuais. Costura, pontos de bordados, malha e meia. Só depois podia ir brincar com as outras. À macaca, jogar com seixos, brincar com bonecas que as mães nos faziam com pau de loendro e trapos e, raramente alguém tinha uma boneca de papelão. Eu tive uma aos 6-7 anos mas durou pouco tempo intacta porque logo nos primeiros dias, levou uns banhos. Sujava-se muito!
Escola do Ensino Primário nos Balurcos (desactivada)

Os rapazes brincavam com cavalinhos de pau, fisgas, jogavam berlindes, corriam atrás de uma roda (arco) que conduziam com um gancho, subiam às árvores e alguns destruíam ninhos e pequenos pássaros. Alguns pais construíam-lhes brinquedos de madeira e cana como por exemplo as flautas (flaitas no dizer local.). Nas feiras, alguns rapazes ganhavam uma harmónica ou corneta, se se portavam bem.
A meninice, sem jogos eletrónicos, sem legos e sem televisão, era um tempo saudável. As brincadeiras, sem as facilidades de hoje em dia, obrigavam-nos a estimular e desenvolver outras competências, como a destreza manual e a criatividade. A actividade diária decorria do nascer ao pôr-do-sol. Luz elétrica e água corrente, estavam ainda a alguns anos de distância. Com os prós e contras desse tempo, acabávamos por ter hábitos de vida bem mais saudáveis. Mexíamo-nos mais, dormíamos mais horas e o stress e a obesidade eram coisa desconhecida. INDISCUTÍVEL o conhecimento proporcionado pelos meios hoje existentes ao dispor da comunidade e o enorme progresso registado. Mas tanta coisa que bem passaríamos sem elas!