domingo, 26 de agosto de 2012

Lembrando o Dr. João Francisco Dias no 18º aniversário do seu falecimento


Pequena Nota

Já o tenho escrito várias vezes, foi o primeiro texto que organizei a nível individual sobre o concelho de Alcoutim, mais propriamente compilando pequenos textos que foram publicados na imprensa regional e diária.

Também este escrito foi englobado com mais palavra, menos palavra, no meu trabalho, “Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio (subsídios para uma monografia)” publicado em 1985.

Parece que foi ontem, mas já se passaram 39 anos!

Depois disso já se tem escrito mais aqui e ali que vem enriquecer o conhecimento sobre esta grande figura.

Entretanto, fui recolhendo aquilo que me tem sido possível e que se encontra em fichas dispersas, mas que pretendo um dia, se tiver saúde para isso, vir a publicar noutro texto onde se aproveitará, naturalmente, aquilo que aqui escrevi e noutro artigo igualmente publicado no Jornal do Algarve e que já incluí neste espaço na rubrica Ecos da Imprensa.

Como sempre acontece, é transcrito  integral.

JV

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 10 DE MARÇO DE 1973)

  
 
Não conheci pessoalmente o Dr. João Francisco Dias, mas retenho na memória que a primeira indicação que tive da vila de Alcoutim, foi-me dada a trezentos e tal quilómetros de distância e da seguinte maneira: “Olhe, teve um médico-cirurgião excepcional, depois do seu falecimento, aquilo morreu”.

A minha curiosidade ficou espicaçada e logo que tomei contacto com esta abandonada vila, que hoje podia ser considerada uma “princesa do Guadiana” se para ela se voltassem os olhos dos “fabricantes de turismo” servindo de complemento (tubo de escape) ao superlotado turismo do litoral algarvio, tentei confirmar aquela primeira e única informação. Sem dúvida que as palavras do meu informador correspondiam à realidade. Tomei assim uma admiração especial pelo ilustre clínico e procurei organizar uma pequena “biografia”, alicerçada em recortes de jornais e em informações colhidas junto deste povo que o recorda com tanta saudade.

Lembrá-lo, na passagem do 18º aniversário do seu falecimento, representa uma singela homenagem de quem, não o tendo conhecido pessoalmente, mantém pelo seu nome grande admiração.

Monte da Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Casto Matim.
Foto de JV, 1974
 

Nasceu no dia 22 de Novembro de 1898, em Corte Velha, freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim. Fez os preparativos no Liceu de Faro, onde foi brilhante aluno. Formou-se em medicina, na Universidade de Coimbra em 1927. Convidado para assistente naquela Faculdade, preferiu dedicar-se à vida dura e pouco rendosa da medicina rural e instalou-se em Alcoutim. (1)   Por deliberação da Câmara Municipal de 27 de Setembro de 1934, tomou posse do lugar de médico municipal do 1º partido, com sede nesta vila. Aceite como irmão da Santa Casa da Misericórdia, é escolhido para Provedor, funções que exerceu durante vinte e três anos, até ao seu falecimento.

Médico-cirurgião muito sabedor e hábil, dotado de grandes qualidades de trabalho e de um bondosíssimo coração, o seu nome logo conquistou nomeada que se estendeu por todo o Baixo-Alentejo e pelo Algarve, atraindo doentes de vários pontos do País e transformando a pequena vila das margens do Guadiana, num centro médico-cirúrgico de considerável importância. (2)
 

Antigo Hospital da Misericórdia. Foto JV
Alcoutim, tornou-se a vila-hospital , sendo ele médico e cirurgião único. (3)

Trabalhava de dia e de noite, minorando o sofrimento dos seus semelhantes. Durante os meses de Verão, em volta da sua clínica, pairava um arraial de gente de todos os recantos de Portugal, à espera da sua vez. Não eram iludidos ou explorados – aos pobres, dava-lhes roupas, medicamentos e algumas vezes importâncias em dinheiro para atenuar as prementes dificuldades da sua situação. Sua esposa, secundava-o nesta obra de caridade. Fez de Alcoutim uma terra conhecida. . (4)

Este médico fazia da sua vida um verdadeiro apostolado. Não cuidava de saber quem eram os doentes, seus meios de fortuna, se podiam ou não, quando ou como podiam pagar. Eram sempre tratados quaisquer que fossem as suas condições sociais ou económicas. (5) Sem meios materiais convenientes, conseguiu fazer do seu hospital, que fundou, um centro conhecido de cirurgia em que operava, anestesiava e ajudava, isto é, por vezes via-se na necessidade de fazer todo o trabalho de uma equipa de cirurgiões. (6)

Operou aqui ao estômago, coisa que ainda não se tinha feito em qualquer ponto do Algarve. (7) Obteve sólida reputação, a ponto de virem consultá-lo muitos enfermos de terras distantes. (8)

Era vulgar, sempre que havia alguém doente e quase desenganado dos médicos e da medicina, perguntar-se: “Já consultou o médico de Alcoutim?” Se o infeliz que o procurava não tinha recursos também se ouvia logo a habitual sentença: “não faz mal, vá a Alcoutim que o médico é bom e aos pobres nada leva. (9)

Foi um médico de grande nomeada, que podia ter alargado a sua fama ao País inteiro, se a modéstia e o amor às terras do Algarve o não prendessem até à sua última morada. (10) Oitenta por cento da vila vivia do seu nome. (11) Ele ficará sempre ligado a este concelho, que tanto amou e tornou conhecido. Variadíssimos convites e influências tentaram arrancá-lo daqui, mas nunca desejou sair da terra que, não lhe sendo berço, considerou sua.
 
Casa onde viveu e faleceu o Dr. João Francisco Dias.
Foto JV

De uma vez, tendo sido contactado no sentido de ir desempenhar funções para determinado lugar, nessa altura muito próspero e oferecendo-lhe verba avultada, limitou-se a responder: “ Se eu quisesse ganhava o dobro disso em Alcoutim”. Efectivamente assim era. O que acontecia é que o seu coração bondoso, a uma simples lamúria, dizia:”Por falta de dinheiro não se deixa de operar” E alguns, aproveitando a sua bondade, de abastados lavradores alentejanos, faziam-se passar por pobretanas.

Doentes do concelho, não saíam daqui e com isso o município beneficiou bastante. O livro municipal de saída de doentes, no seu tempo, quase não teve movimento.
 

Por portaria publicada no Diário do Governo – II Série, de 11 de Setembro de 1940, subscrita pelo Ministro do Interior, foi louvado “pelo seu devotado esforço profissional e por suas iniciativas de benemerência tão bem conduzidas que já lhe permitiram exclusivamente por contribuição própria e pela das forças locais, conseguir para a população desse concelho tão afastada dos centros, possibilidades notáveis de auxílio aos doentes e inválidos”. (12) Ainda em sua vida, o povo do concelho prestou-lhe homenagem, testemunhada por uma lápide colocada na fachada principal do hospital.

Além de médico municipal e Subdelegado de Saúde, foi presidente da Comissão Concelhia da União Nacional e mesmo da respectiva comissão distrital, tendo o seu nome sido por mais de uma vez indigitado para a chefia do Distrito. (13)  As actuais Festas da Vila, foram também uma criação sua, a que dedicou muito carinho. No seu tempo tiveram grande esplendor.

Faleceu às primeiras horas da manhã de 8 de Março de 1955. Para prestar-lhe os primeiros socorros, acorreram durante a noite, vários colegas. (14) Vítima de congestão cerebral (15), na véspera do dia em que morreu, ainda fez três operações e deu consultas a quarenta doentes, ficando os restantes aguardando que depois do jantar, continuasse até altas horas da noite, a sua obra benfazeja, como costumava nos dias de maior afluência.

O funeral, após missa de corpo presente a que assistiram, além de muitas autoridades, o governador civil, presidente da Câmara, delegado de Saúde e muitos colegas (16) constituiu uma das mais imponentes manifestações de pesar que no Algarve se tinham realizado, ali se tendo deslocado em cerca de duas centenas de automóveis, alguns milhares de pessoas de todos os pontos do Baixo-Alentejo, da raia de Espanha e do Algarve. (17)

No cemitério local foi proferida uma sentida e vibrante oração, por um amigo íntimo e velho companheiro.

A população da vizinha Sanlúcar veio postar-se na praça, junto ao rio, e ao longo das ruas, durante o cortejo fúnebre. De lá, estiveram presente o pároco e o médico. (18)

Alcoutim, além de perder, com o seu desaparecimento, a pessoa de maior destaque, perdeu para sempre o seu “grande” movimento, pois todos os dias acorriam a esta vila, dezenas de pessoas dos pontos mais longínquos, em busca de cura para os seus males e poucos eram os que deixavam a vila sem irem curados ou na esperança de se curarem. (19)

Organizou-se uma comissão para erigir um busto que perpetuasse a sua memória. De princípio a ideia circunscrevia-se apenas ao concelho, mas em virtude das ofertas que chegaram de todos os pontos do País, por onde a sua fama se espalhou, resolveu-se torná-la extensiva a todos os que quisessem compartilhar do reconhecimento ao “médico dos pobres”, onde quer que se encontrassem. (20)

Em 10 de Março de 1957, com a presença de numerosas individualidades e muito povo, a grande massa anónima do concelho e das terras vizinhas, que, com os olhos marejados de lágrimas, bem demonstrou a sua grande emoção e a sua saudade por aquele que em vida foi o seu maior amigo (21), foi descerrado o busto à memória do grande benemérito e médico alcoutinense.

Na sessão solene que se realizou, usaram da palavra vários oradores que puseram em destaque as notáveis qualidades do homenageado. (22)

 
NOTAS

1.      A Voz de Loulé, de 16 de Março de 1955.

2.       Correio do Sul, 17 de Março de 1955

3.        Gazeta do Sul de 24 de Abril de 1955

4.         Diário do Alentejo, 24 de Março de 1955

5.          Jornal do Barreiro, 17 de Março de 1955

6.          A Voz de Loulé, 16 de Março de 1955

7.         Comércio do Poro, 16 de Julho de 1940

8.          Notícias do Algarve, 13 de Março de 1955

9.          Diário de Lisboa de 8 de Abril de 1955

10.         Idem

11.           Idem

12.          Comércio do Porto, de 16 de Julho de 1940

13.          Correio do Sul, de 17 de Maio de 1955

14.            Idem

15.           Gazeta do Sul de 24 de Abril de 1955

16.           Folha de Domingo, 13 de Março de 1955

17.          Correio do Sul de 17 de Março de 1955

18.           Folha de Domingo de 13 de Março de 1955

19.            Notícias do Algarve de 11 de Maio de 1956

20.            Diário de Lisboa de 28 de Janeiro de 1956

21.            Diário de Lisboa de 11 de Março de 1957
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22.            O Século de 11 de Março de 1957