domingo, 12 de agosto de 2012

Cruel Memória (Poema)

Pequena nota

Neste poema o poeta faz uma retrospectiva de vida que muitas vezes acontece e num desenrolar de fases que só a cruel memória guardou / e identificou o menino que eu fui / com o velho que hoje sou!

Talvez a fotografia que recentemente publicámos neste espaço, na rubrica Câmara Escura, tivesse levado o poeta à retrospectiva que indicamos e que o teria induzido à meditação, transformando a vivência em palavras realistas, sensíveis e de cadência harmoniosa.

JV

 


 Poeta

José Temudo













Alguém nos diz:

" Nasceste para ser feliz! Sê:

olha os lírios do campo, vê :

não colhem, não fiam, não tecem.

E nem Salomão, em todo o seu esplendor,

se lhes compara, em forma, em elegância, em cor! "

É o tempo em que tudo tem graça,

o da descoberta da amizade e do amor!

Depois, esse tempo passa;

vem um outro que consomes

na luta pelo pão que comes,

na briga por um pedaço,

seja ele qual for,

seja contra quem for,

na busca de um espaço,

na conquista de um lugar ao sol,

na afirmação do orgulhoso eu,

do imenso rol

de tudo o que é teu!

Depois, vem o tempo em que tudo tens,

nada te falta, está tudo em alta,

saúde, prestígio, riqueza,

companheira fiel e dedicada,

filhas com vida digna, equilibrada,

netos crescendo em virtude e beleza!

A seguir, vem o tempo,

como direi? já fora do tempo,

em que alguém que há muito não vemos,

nos diz que estamos na mesma,

que nada mudou! Rimos,

sabendo que mentiu, lisonjeou!

Que dentro e fora de nós tudo mudou,

que só a cruel memória guardou

 e identificou o menino que eu fui

 com o velho que hoje sou!