Escreve
Daniel Teixeira
O CONCEITO DE
VIZINHANÇA
Algumas vezes tenho dito para mim mesmo ou a outros que a
vida na cidade precisava de uma injecção de montanheirismo para que se tornasse
um pouco ou muito mais humana nos relacionamentos. Não é que as pessoas sejam
profundamente más nas cidades, naquele sentido diabólico e isto visto no
sentido geral, mas existe um elevado grau de indiferença entre as pessoas,
muitas vezes escudada na ideia de que «se não quer meter na vida dos outros» ou
mesmo mais egoisticamente que se têm já problemas suficientes que são nossos
para estar a carregar também os problemas dos outros, e mais coisas assim deste
género.
Certo que a vida, na cidade ou no campo, é complicada e
complicou-se com aquilo a que se chama de evolução mas o campo tem essa grande
vantagem de as pessoas se aproximarem mais, tal como nas antigas relações de
vizinhança que havia nas cidades e que eu sempre atribui aos ainda latentes efeitos
da transição campo / cidade: ou seja e na minha perspectiva, as relações de
vizinhança tal como as conhecemos nas cidades são tanto mais próximas quanto
mais próxima for a chegada do campo.
Daí que hoje se recorde com alguma saudade os velhos tempos
em que nas noites de calor as pessoas se sentavam às suas portas e se juntavam
em círculos, umas vezes indo para um grupo mais abaixo na rua outras vezes
vindo para um grupo mais acima ou para o seu, quer dizer, para a frente da sua
porta, numa permuta que permitia um conhecimento sempre em dia dos eventos,
umas vezes simpáticos, outras vezes não, mas normalmente de pouca duração no
seu remoer.
Todos eles, os bons e os maus acontecimentos eram tratados à
flor da pele, a titulo informativo, com alguns resquícios de aprovação ou
desaprovação, mas tudo ligeiro que eu me lembre. As cadeiras, leves e práticas,
para esse efeito eram facilmente transportáveis e havia sempre assunto para
conversar e os miúdos, assim como eu era na altura, brincavam ali na rua, pouco
distantes na sua grande parte, ou dando voltas a quarteirões em corridas mas
por pouco tempo sempre.
Poiais de Alcaria Alta. Foto JV |
No campo as coisas não eram bem assim, até porque talvez não
precisassem de ser: as pessoas tinham, em Alcaria Alta , por
exemplo, laços de família, em primeiro, segundo ou terceiro grau em grandes
percentagens sobre o contingente geral e praticamente não havia informação para
cruzar até porque o meio era pequeno e tudo se sabia em poucos minutos. Esta
pequena diferença, que junta duas formas de estar, uma a informação imediata
outra a informação mediata, era já uma característica do campo e da cidade e
pré-anunciava já aquilo que se vive hoje em grandes parcelas das cidades.
Embora pudesse ser um resquício da mentalidade campesina, o
tal juntar de cadeiras que aqui serve só de exemplo, era já ao mesmo tempo o
meio possível, um meio intermédio, uma adaptação...por outras palavras, a
prática existia mas o espírito afastava-se cada vez mais. Hoje sabemos o que se
passa nas cidades, eu mesmo morei num edifício com oito inquilinos onde levei
talvez cinco anos para os conhecer todos. Podemos dizer que a culpa era da
situação e não exclusivamente minha: não posso tomar conhecimento com quem não
se dá a conhecer e vice-versa.
Portanto e resumindo, por aquilo que sei as pessoas nos
campos também se afastam entre si muito mais do que se uniam antes. Talvez a
«partidarite» tenha irrompido também em terreno relativamente virgem e tenha
também contribuído mas a própria relação mesclada «campo - cidade» não conserva
os fortes alicerces mais tradicionais. Assim, e mais havia para dizer (muito
mais) este problema acaba para mim por ser um problema global com o qual temos
que tentar viver.
Ainda recentemente participei em iniciativas destinadas a
contribuir para o renascimento e reavivar pelo menos basilar do espírito de
vizinhança nos bairros urbanos e embora se possa dizer que não foi um «fiasco»
esteve muito longe nos serus resultados daquele mínimo de adesão que seria
expectável. Será triste ter de dizer isto mas mais do que procurar soluções
utópicas que só nos desgastam emocionalmente, o melhor mesmo é tentar aligeirar
os efeitos deste problema que contrariamente àquilo que cultivei durante anos,
não é uma questão que se possa dividir entre montanheiros e citadinos. Trata-se
de um problema humano, mundial, pelo que vou lendo noutros quadrantes
geográficos.
Nós é que temos que nos adaptar à chamada evolução e saber
bem que o crescimento tem custos misteriosos e incalculados.