UM CRIME QUE FICOU NA
MEMÓRIA DO POVO
Vista parcial de Afonso Vicente. Foto JV, 2012 |
Sempre houve e haverá no decorrer dos tempos crimes que devido
às suas características ficam nas memórias do povo e que naturalmente se vão
desvanecendo com o decorrer dos anos.
Ainda que os alcoutenejos sejam gente pacífica, estes factos
acontecem de tempos a tempos.
Temos conhecimento de alguns tanto por via oral como
documental.
O que vamos referir, sem deixar de ser crime, não tem a carga
que lhe é atribuída e chegou ao nosso conhecimento por via oral e mais tarde
confirmado documentalmente.
O facto aconteceu há 134 anos, pelo que já são poucas as
pessoas que o referem e dentro de poucos anos ninguém dele falará, até porque a
desertificação não proporciona a transmissão oral, já por si caída em desuso.
Em 1878, dois pastores (maiorais de ovelhas) deste monte, que
consta ainda serem primos, entraram em conflito, segundo diz o povo, por causa
de uma borrega.
Desse desentendimento resultou a morte do mais novo (15/16
anos) tendo o mais velho 20 /21.
Não conhecemos os termos em que a morte foi praticada, podendo
ter resultado de qualquer pancada em que tal não se previa.
O povo não o conta e a documentação oficial que consultei
também é omissa quanto ao facto.
Diz o povo que o crime foi praticado na periferia do monte,
mais concretamente na zona da “Chada” onde teria existido um calvário há muito
desaparecido. (1)
Neste local, o “criminoso” tinha uma propriedade ainda hoje
identificável.
Numa tentativa de encobrir o crime, transporta o corpo,
segundo a tradição, metido numa saca, para a antiga Mina das Caldeirinhas,
deitando-o dentro do poço. Esta mina fica nas proximidades das Cortes Pereiras,
por isso, a uma certa distância da eira da “Chada”.
Consta igualmente na tradição oral que para caber dentro da
saca foi-lhe cortada a cabeça e o rasto do sangue que foi ficando pelo caminho
denunciou o local. Uma irmã teria-o ajudado nesta tarefa. (2)
Segundo o assento de óbito, o corpo é encontrado pelas 12
horas do dia 22 de Abril de 1878.
Tendo-se evadido do concelho, o Administrador oficia aos
homónimos dos concelhos de Mértola, Aljustrel, Faro e Loulé onde consta poder
encontrar-se, fornecendo alguns dados que permitam a sua identificação como
sejam a idade (20 para 21 anos), pouca barba, guardador de gado e solicitando a
captura.
Desaparecida cadeia na Vila de Alcoutim. Foto JV. |
Só em 1880 se volta a escrever sobre o assunto, visto o
Administrador do Concelho oficiar ao seu congénere de Évora dando as indicações
possíveis e tendo por fim capturado o criminoso remetendo-o com segurança a
este concelho. (3)
Depois da informação que estaria pelo concelho de Évora,
aparece outra dando-o como na Herdade da Corte Condessa, no concelho de Beja,
onde guardaria gado. (4)
Esta troca de correspondência dá origem a que tivesse sido
preso e remetido pelo Comissário da Polícia Civil de Beja e entregue em
Alcoutim pelo polícia José Lourenço Ferreira.
Afinal, tratava-se de um irmão do suposto criminoso sobre o
qual não constava nada em seu desabono.
Pretendendo casar, ao tempo a residir em Moura, solicitou o
pretenso criminoso a documentação necessária por intermédio de uma carta que
escreveu a um familiar. A mesma é-lhe enviada em Outubro de 1880, tendo o
casamento sido realizado no concelho de Évora, numa freguesia de que era prior
José Augusto Vieira. (5)
Sabe-se agora que tem uma cicatriz no sobrolho direito causada
por um coice de uma cavalgadura, veste bem, usa barba completa, tem relógio e
reside no concelho de Évora.
Pelo carimbo da estação dos correios sabe-se que a carta
enviada ao familiar foi colocada em Azaruja. Na posse destes novos elementos o
Administrador oficia ao Comissário da Polícia de Évora no sentido de mandar
capturar o acusado pela prática do crime. (6)
Nove dias depois, o Administrador do Concelho informa que lhe
foi entregue pelos guardas da polícia João Augusto e António Inácio Manchinha o
“assassino” e agradece os serviços prestados. (7)
No dia 24 de Setembro de 1891, o “criminoso”acompanhado do
oficial de diligências desta Administração, Justino José, é entregue ao Dr.
Juiz da Comarca de Tavira para os efeitos legais. Informa o Administrador que
devido às suas averiguações (!) pode descobrir o seu paradeiro no concelho de
Évora onde foi capturado no dia 15 no Monte da Torre, freguesia de S. Bento do
Mato pela polícia civil daquele distrito a quem solicitou a captura. (8)
Para completar os elogios em causa própria e de conclusão (!)
extremamente avantajada, o Administrador do Concelho oficia nesse sentido ao
Governador Civil do distrito de Faro. (9)
Estas situações não são velhas, continuam nos nossos tempos.
Levou 13 anos a ser capturado e foi-o devido à sua
ingenuidade.
A partir daqui não conhecemos mais nada, apesar de calcular
onde se possa encontrar a documentação esclarecedora se não desapareceu na
voragem do tempo.
Admitimos que o arguido, se foi condenado, tivesse cumprido
pena numa das antigas Colónias como acontecia muitas vezes.
NOTAS
(1) – Informação prestada pelo Sr. António José, vulgo
Frederico e falecido de longa idade.
(2) – Informação prestada por D. Claudina Costa,
familiar da vítima.
(3) – Of. Nº 68 de 29 de Julho de 1880.
(4) – Of. Nº 68 de 30 de Julho de 1880.
(5) – Of. Nº 120 de 24 de Agosto de 1891 ao Comissário da Polícia Civil
de Beja.
(6) – Of. Nº 135 de 10 de Setembro de 1891 do Administrador do Concelho
de Alcoutim.
(7) – Of. Nº
141, de 19 de Setembro de 1891 dirigido Ao Comissário da Polícia Criminal de
Évora e “A Desaparecida Cadeia”, Jornal
do Algarve / Magazine de 30 de Novembro de 1993 p 17).
(8) – Of.
Nº 147 de 24 de Setembro de 1891 do Administrador do Concelho.
(9) – Of. Nº 103 de 18 de Outubro de 1891 ao Governador Civil de Faro.