segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Afonso Vicente foi um grande "monte" da freguesia de Alcoutim [24]


UM CRIME QUE FICOU NA MEMÓRIA DO POVO

Vista parcial de Afonso Vicente. Foto JV, 2012
 
Sempre houve e haverá no decorrer dos tempos crimes que devido às suas características ficam nas memórias do povo e que naturalmente se vão desvanecendo com o decorrer dos anos.

Ainda que os alcoutenejos sejam gente pacífica, estes factos acontecem de tempos a tempos.

Temos conhecimento de alguns tanto por via oral como documental.

O que vamos referir, sem deixar de ser crime, não tem a carga que lhe é atribuída e chegou ao nosso conhecimento por via oral e mais tarde confirmado documentalmente.

O facto aconteceu há 134 anos, pelo que já são poucas as pessoas que o referem e dentro de poucos anos ninguém dele falará, até porque a desertificação não proporciona a transmissão oral, já por si caída em desuso.

Em 1878, dois pastores (maiorais de ovelhas) deste monte, que consta ainda serem primos, entraram em conflito, segundo diz o povo, por causa de uma borrega.

Desse desentendimento resultou a morte do mais novo (15/16 anos) tendo o mais velho 20 /21.

Não conhecemos os termos em que a morte foi praticada, podendo ter resultado de qualquer pancada em que tal não se previa.

O povo não o conta e a documentação oficial que consultei também é omissa quanto ao facto.

Diz o povo que o crime foi praticado na periferia do monte, mais concretamente na zona da “Chada” onde teria existido um calvário há muito desaparecido. (1)

Neste local, o “criminoso” tinha uma propriedade ainda hoje identificável.

Numa tentativa de encobrir o crime, transporta o corpo, segundo a tradição, metido numa saca, para a antiga Mina das Caldeirinhas, deitando-o dentro do poço. Esta mina fica nas proximidades das Cortes Pereiras, por isso, a uma certa distância da eira da “Chada”.

Consta igualmente na tradição oral que para caber dentro da saca foi-lhe cortada a cabeça e o rasto do sangue que foi ficando pelo caminho denunciou o local. Uma irmã teria-o ajudado nesta tarefa. (2)

Segundo o assento de óbito, o corpo é encontrado pelas 12 horas do dia 22 de Abril de 1878.

Tendo-se evadido do concelho, o Administrador oficia aos homónimos dos concelhos de Mértola, Aljustrel, Faro e Loulé onde consta poder encontrar-se, fornecendo alguns dados que permitam a sua identificação como sejam a idade (20 para 21 anos), pouca barba, guardador de gado e solicitando a captura.
 
Desaparecida cadeia na Vila de Alcoutim. Foto JV.
 
Só em 1880 se volta a escrever sobre o assunto, visto o Administrador do Concelho oficiar ao seu congénere de Évora dando as indicações possíveis e tendo por fim capturado o criminoso remetendo-o com segurança a este concelho. (3)

Depois da informação que estaria pelo concelho de Évora, aparece outra dando-o como na Herdade da Corte Condessa, no concelho de Beja, onde guardaria gado. (4)

Esta troca de correspondência dá origem a que tivesse sido preso e remetido pelo Comissário da Polícia Civil de Beja e entregue em Alcoutim pelo polícia José Lourenço Ferreira.

Afinal, tratava-se de um irmão do suposto criminoso sobre o qual não constava nada em seu desabono.
Pretendendo casar, ao tempo a residir em Moura, solicitou o pretenso criminoso a documentação necessária por intermédio de uma carta que escreveu a um familiar. A mesma é-lhe enviada em Outubro de 1880, tendo o casamento sido realizado no concelho de Évora, numa freguesia de que era prior José Augusto Vieira. (5)

Sabe-se agora que tem uma cicatriz no sobrolho direito causada por um coice de uma cavalgadura, veste bem, usa barba completa, tem relógio e reside no concelho de Évora.

Pelo carimbo da estação dos correios sabe-se que a carta enviada ao familiar foi colocada em Azaruja. Na posse destes novos elementos o Administrador oficia ao Comissário da Polícia de Évora no sentido de mandar capturar o acusado pela prática do crime. (6)

Nove dias depois, o Administrador do Concelho informa que lhe foi entregue pelos guardas da polícia João Augusto e António Inácio Manchinha o “assassino” e agradece os serviços prestados. (7)

No dia 24 de Setembro de 1891, o “criminoso”acompanhado do oficial de diligências desta Administração, Justino José, é entregue ao Dr. Juiz da Comarca de Tavira para os efeitos legais. Informa o Administrador que devido às suas averiguações (!) pode descobrir o seu paradeiro no concelho de Évora onde foi capturado no dia 15 no Monte da Torre, freguesia de S. Bento do Mato pela polícia civil daquele distrito a quem solicitou a captura. (8)

Para completar os elogios em causa própria e de conclusão (!) extremamente avantajada, o Administrador do Concelho oficia nesse sentido ao Governador Civil do distrito de Faro. (9)

Estas situações não são velhas, continuam nos nossos tempos.

Levou 13 anos a ser capturado e foi-o devido à sua ingenuidade.

A partir daqui não conhecemos mais nada, apesar de calcular onde se possa encontrar a documentação esclarecedora se não desapareceu na voragem do tempo.

Admitimos que o arguido, se foi condenado, tivesse cumprido pena numa das antigas Colónias como acontecia muitas vezes.

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NOTAS

(1) – Informação prestada pelo Sr. António José, vulgo Frederico e falecido de longa idade.

(2) – Informação prestada por D. Claudina Costa, familiar da vítima.

(3) – Of. Nº 68 de 29 de Julho de 1880.

(4) – Of. Nº 68 de 30 de Julho de 1880.

(5) – Of. Nº 120 de 24 de Agosto de 1891 ao Comissário da Polícia Civil de Beja.

(6) – Of. Nº 135 de 10 de Setembro de 1891 do Administrador do Concelho de Alcoutim.

(7) – Of. Nº 141, de 19 de Setembro de 1891 dirigido Ao Comissário da Polícia Criminal de Évora e “A Desaparecida Cadeia”, Jornal do Algarve / Magazine de 30 de Novembro de 1993 p 17).

 (8) – Of. Nº 147 de 24 de Setembro de 1891 do Administrador do Concelho.

(9) – Of. Nº 103 de 18 de Outubro de 1891 ao Governador Civil de Faro.