domingo, 28 de outubro de 2012

Natal nos anos de guerra!




Escreve

M Dias



Por volta dos meus dez anos, surge a Guerra no Ultramar – ex-Províncias Ultramarinas!

A Emissora Nacional dedicava um espaço aos militares para lá deslocados para falarem às suas famílias!

A determinada hora do dia, quase sempre ao fim da tarde, ligavam-se os rádios e juntavam-se os pais, irmãos, namoradas, para escutarem a voz dos seus saudosos filhos. Falava Ferreira da Costa, que situava o ouvinte no local de onde se encontrava o seu familiar e passava o microfone a cada um, provavelmente em fila indiana, nervosos e emocionados.

Só DEUS SABE!

Deste lado os pais e familiares, de rádio encostado ao ouvido ou muito perto dele, ouvindo-se apenas o zumbido de uma mosca permaneciam imóveis e mudos, comos olhos rasos de lágrimas! Meus queridos pais, irmãos e restantes familiares, fala o vosso filho, soldado nº tal, batalhão nº tal da Companhia nº tal. Desejo a todos um Natal muito feliz e umas boas festas, eu estou bem e em breve vos irei abraçar.

E assim seguiam um a um com discurso mais ou menos semelhante, rápido, muito rápido, ou porque outros separavam na fila, ou porque não aguentavam a emoção. E alguns ainda, fazendo-se fortes, desdramatizando, para proteger a família.

Nessa altura, devido à inconsciência própria da idade estes momentos nada me diziam.

Mais tarde, aos 18 anos fui dizer adeus com um lenço branco a acenar, e muitas lágrimas, ao meu irmão que partia no Niassa com destino a Moçambique!


Paquete Niassa (*)
No Cais da Rocha do Conde de Óbidos, no meio de tantos pais, filhos bebés, esposas, namoradas, todos em silêncio num vale de lágrimas, vieram-me à ideia as saudações de Natal que havia oito anos antes eu ouvia o Sr. Ferreira da Costa anunciar! Aí sim, dei por mim a pensar: de todos estes que partem quantos voltarão? VOLTEI À ROCHA DO CONDE DE ÓBIDOS APENAS EM JUNHO DE 1971, desta vez também com lágrimas, mas de felicidade.
(*) anialber-cart2643bart2900.blogspot.com