Escreve
M Dias
Por volta dos meus dez anos, surge a Guerra no Ultramar –
ex-Províncias Ultramarinas!
A Emissora Nacional dedicava um espaço aos militares para lá
deslocados para falarem às suas famílias!
A determinada hora do dia, quase sempre ao fim da tarde,
ligavam-se os rádios e juntavam-se os pais, irmãos, namoradas, para escutarem a
voz dos seus saudosos filhos. Falava Ferreira da Costa, que situava o ouvinte
no local de onde se encontrava o seu familiar e passava o microfone a cada um, provavelmente
em fila indiana, nervosos e emocionados.
Só DEUS SABE!
Deste lado os pais e familiares, de rádio encostado ao
ouvido ou muito perto dele, ouvindo-se apenas o zumbido de uma mosca
permaneciam imóveis e mudos, comos olhos rasos de lágrimas! Meus
queridos pais, irmãos e restantes familiares, fala o vosso filho, soldado nº
tal, batalhão nº tal da Companhia nº tal. Desejo a todos um Natal muito feliz e
umas boas festas, eu estou bem e em breve vos irei abraçar.
E assim seguiam um a um com discurso mais ou menos
semelhante, rápido, muito rápido, ou porque outros separavam na fila, ou porque
não aguentavam a emoção. E alguns ainda, fazendo-se fortes, desdramatizando,
para proteger a família.
Nessa altura, devido à inconsciência própria da idade estes
momentos nada me diziam.
Mais tarde, aos 18 anos fui dizer adeus com um lenço branco
a acenar, e muitas lágrimas, ao meu irmão que partia no Niassa com destino a
Moçambique!
Paquete Niassa (*) |
No Cais da Rocha do Conde de Óbidos, no meio de tantos pais,
filhos bebés, esposas, namoradas, todos em silêncio num vale de lágrimas,
vieram-me à ideia as saudações de Natal que havia oito anos antes eu ouvia o
Sr. Ferreira da Costa anunciar! Aí sim, dei por mim a pensar: de todos estes
que partem quantos voltarão? VOLTEI À ROCHA DO CONDE DE ÓBIDOS APENAS EM JUNHO DE 1971, desta vez
também com lágrimas, mas de felicidade.
(*)
anialber-cart2643bart2900.blogspot.com